março 31, 2012

EduCARE

Hesitei muito antes de adicionar alunos no Facebook. Se quanto a ex-alunos não se punha esse problema, pelo contrário, seria sinal de que se lembravam de mim e por mim sentiriam alguma consideração, pelo menos, já quanto a alunos do momento tal ideia fazia-me impressão. Sobretudo porque tinha fotos e tenho, e gostava e gosto de, por vezes, partilhar estados de alma - menos agora, e menos fotos, também, menos tempo, mais cuidado, embora a ideia fosse partilhar, ou talvez precisamente por isso - não se pode partilhar tudo com toda a gente de igual forma...
Bem, essa inicial impressão também se alicerçava no tipo de alunos a quem lecionava por altura da criação do meu FB. Se eram mal-educados na aula, impensável aceitá-los no meu espaço fora dela. E não cedi a alguns pedidos, é verdade. Em todo o caso, passado um ano, a massa dos meus alunos mudou radicalmente. Mais maduros, muitos deles, e muito mais educados praticamente todos. Daí que seria porventura considerada altivez relacionar-me tão bem com eles em sala de aula e recusar-lhes um pedido de amizade não cem por cento virtual. Não tenho tido problemas, são todos muito respeitosos e interagem pouco comigo, por várias razões, lógicas e compreensíveis. Um ou outro acompanham-me muito e gosto.
Mas andei aqui às voltas para chegar ao objetivo final, que é o de abordar um certo tipo de linguagem usada por docentes no Facebook. Brincar é bom, ser engraçado também, simpático e acessível idem aspas, mas penso que há cuidados a ter no uso de certas palavras ou expressões num espaço que afinal não é nada privado, e onde de certa forma continuam a sentir-se as responsabilidades profissionais de cada um. Não por qualquer conservadorismo mas por perigo de descredibilização. É salutar que haja um bom senão excelente relacionamento entre alunos e professores e muitas vezes ou quase sempre ele consegue-se pelos afetos e não pela rigidez. Isso na aula colhe evidentes frutos e os tempos do estrado acabaram. Mas há linguagem que se deve evitar se se quer que os professores sejam olhados com respeito (o respeito que vai faltando em tantas áreas) e com dignidade. São palavras que nem são ofensivas, de todo, mas que podem ser interpretadas como imaturidade, falta de elegância ou algo mais por parte de quem vê, inclusivamente os pais. Os pais não terão acesso ao FB dos filhos tão facilmente, muitos deles são maiores até, mas a questão é que quem é professor tem, e isto é uma mera opinião, de manter um certo nível de linguagem, de acordo com o papel que desempenha na escola e com os seus intervenientes. Não sei se as coisas  demasiado familiares dão um ar profissional, é isso. Os afetos e o bom humor são desejáveis e positivos, mas o profissionalismo também. Numa era em que a sociedade tanto exige dos docentes, usando tudo para os descredibilizar, muitas vezes, é altura destes pensarem que não podem contribuir para tal situação com posturas sociais que a podem agravar. O FB é uma casa com muitas frentes. Convém dar-lhes atenção, uma dessas frentes é a escola. Evitem-se erosões que podem estragar muito do que foi construído. A (boa) educação assim o exige.

março 29, 2012

Violet


Can a colour make your day?
Don´t know. But flowers can.

Those who are about to survive salute you

Hoje de manhã, por momentos, tive uma breve queda de crença na condição humana. Acontece, e de manhã não consigo ser a melhor das pessoas. Sobretudo antes de sair de casa. Não sou nada fácil de aturar de manhã em casa, antes de sentir o ar de fora a invadir-me cada veia que não corre fluída se não respirar o sol e a luz do dia. Já tinha dito que vivo à espera do horário de verão? Que os dias longos e luminosos me dão uma energia positiva e um aspeto bem melhor? Pois, cá fica o registo. Mas dizia então que antes de me revigorar through nature, estava muito descrente no lado bom das pessoas. De uma assentada, apercebera-me de como a desorganização física e mental, camuflada atrás de certezas e de ideias, não se coadunam com a minha ordem natural interior, talvez a minha camuflada com o exótico exterior, de sorrisos e risos a indumentária pouco abonatória da ideia clássica de professora séria e competente. De como essa proliferação de ideias soltas sem concretização esbarram contra a minha profícua porque eficaz ausência de planos a toda a hora. Gosto, até, de falar pouco dos planos, muito pouco. Gosto, na verdade, de fazer. Muito mais do que falar. Não gosto de teorias, gosto de prática, sem tirar nem pôr. Em frente. 
Estava eu nestas andanças de reflexões matinais sobre aquilo que é tolerável e aquilo que se torna insuportável quando temos de conviver com isso quando tento aceder a um blogue de que gostava muito e onde fui sempre correta e até elogiosa - porque de outra forma não poderia ser. Vi que me tinha sido negado o acesso. Não sabia que havia blogues onde só entra quem se convida, não percebo nada de blogosfera, embora depois tenha rapidamente concluído que realmente há sítios/sites onde não pode entrar toda a gente e que na casa de cada um manda quem é dono, precisamente.  Porquê a deceção, então? Porque me confrontei com o facto da minha cotação ( a existir alguma, na verdade) estar mesmo por baixo. Não sei se será do acordo ortográfico, que me vou atrevendo a seguir, aqui - com deslizes, eu sei, aquilo custa, tenho que rever outra vez e outra vez - ou se será de outra coisa qualquer que tenha feito aqui nesta casa (que é minha, já agora) que me tenha descredibilizado junto de quem eu tinha em tão boa conta. Mas, pronto, já passou. Foi uma desilusão de pouca dura.
Recompus-me com um belo almoço fora e umas compras antes dos afazeres finais de final de período, com uma viagem ao volante de dez minutos pelo meio dos pinhais, com o calor a estalar nos braços descobertos, com um incrível cheiro a verão em março, uma temperatura quente que só me refresca e revigora, uma tarde que nunca mais acaba e que me deixa dar voltas e voltas e uma paragem letiva que presenteia quem por ela ansiava, assim tipo não tenho que preparar papelada para amanhã cedo. Há vida para além das pessoas que não nos deixam felizes. Há as outras que sim e um infinito número de coisas boas, mesmo boas, que nos alimentam quando a fome por alegria e calor aperta.  Para já, estou saciada.

março 28, 2012

Do ya think I´m sexy?

No cabeleireiro, aqui há dias, li a seguinte frase dita por uma conhecida apresentadora:  "Todas as relações pessoais, assim como as profissionais, têm um lado sexy."
Caros leitores, nem sei o que diga. Aliás nem sei o que pensar. Tento ver o lado bom da tirada, mas confesso que está difícil. Podia a dita cuja estar a querer dizer que a sedução e consequente encantamento faz parte das relações, sendo natural e não fabricada. Ainda assim não me apetece nada pensar em sedução se me focar nos relacionamentos familiares, assim do tipo caseiro, entre pais e filhos. Não me apetece nada pensar que eles não são espontâneos, puros, até fofos e sem lado sexy absolutamente nenhum. Também não me apetece nada pensar que com todas as amizades tenhamos de surgir sempre lindos, a transbordar de sensualidade, vestidos - ou despidos - para matar. É que há certamente amigos a quem aceitamos que nos vejam de pijama, sem maquilhagem, podem ser poucos, ou melhor poucas, tratando-se do sexo feminino. Mesmo que seja só um ou dois, num momento ou dois, embora saibamos que nós mulheres gostamos de parecer sempre bem e com isso impressionar com a beleza, a imagem. Partindo do princípio que falamos deste do ponto de vista meramente físico. Também tentei pensar que esse charme físico e capacidade sedutora podem ser benéficos no trabalho, na profissão, já que a nossa cotação pode subir pela imagem e pela atitude, mesmo se não se diga absolutamente nada de verdadeiramente significativo. Pelo menos ao princípio assim costuma ser. As pessoas continuam a ser muito julgadas pelo aspeto, pelo élan que soltam a partir do corpo e da conversa sexy. Não sei bem em que esta consiste, mas deve ter um poder dos diabos.
Mas este otimismo não é muito sólido. Porque o diabinho que há em mim logo imagina o outro lado, o das jogadas revestidas de química que fazem surgir promoções a pique, preferências por sensuais colaborações, assédios consentidos, enfim uma panóplia de relações profissionais assentes no sorriso e na arte do corporal fascínio e não propriamente apenas na competência, na eficácia e na inteligência. Mas de repente, lembrei-me de algo. Lembrei-me que a sedução pode ser também psicológica, e que esta realmente é bem mais perigosa. Uma mente charmosa pode fazer muitos estragos. Ou conseguir muitos ganhos, está visto. O que é justo, mais do que justo para quem não foi abençoado com curvas ou biceps estonteantes. Pode haver uns sortudos que sejam sexy das duas maneiras, mas a maior parte cai para um lado ou outro. Fair enough.
Mas ainda assim não gosto da frase - embora a possa ter interpretado mal, deve ser da petite allergie ao  anglo-vocábulo. Não me apetece ser sexy, da maneira feia ou bonita, em muitas horas que fazem parte dos muitos dias que esperançosamente por cá passamos. Podemos ser irremediavel e naturalmente sedutores, isso já é outra conversa, mas é algo que ainda assim convém despir -não no outro sentido, o maroto,- se em relações que pedem inocência e pureza. Graças a deus que nem tudo tem quer ser sexy o tempo todo - era cá uma trabalheira. Não vos digo quem foi a sexy apresentadora mas aceitam-se apostas. Marotas, vá. Você pode estar de pijama e tudo mas como eu não vejo e vice versa esta relação virtual é muito atraente. No fundo ela tem razão - eu é que não quero crer. Devo ter entendido tudo ao contrário.



P.S. Ao procurar uma imagem para acompanhar a sexy tirada, deparei-me com fotos que, a bem dizer, não são adequadas, espante-se, a crianças. Volto ao princípio - o vocábulo afinal parece ser mais forte do que eu pensara -entendi, pois, (a)o contrário do contrário de há pouco. O "todas" não lhe deve ter saído para o lado certo. De lado, quer dizer, de longe.

março 27, 2012

(In)Definições

O trabalho criativo é estimulante.
O trabalho administrativo não é.
O trabalho sem interferências é bom.
O trabalho empatado não é.
O trabalho a rir alivia.
O trabalho de semblante carregado carrega.
O trabalho em equipa escolhida é do melhor.
O trabalho em equipa forçada é do pior.
O trabalho dignifica - é verdade e é bom interiorizar.
O trabalho liberta - conceito nazi que convém não aplicar.
O trabalho escraviza - quando não há vida para além dele.
O trabalho obriga-nos a levantar de manhã cedo.
O trabalho obriga-nos a deitar mais cedo.
O trabalho é preciso.
O trabalho a mais não devia ser preciso.
O trabalho dá asas.
O trabalho corta as asas.
O trabalho cria amizades.
O trabalho pode fomentar inimizades.
O trabalho dá sentido aos dias.
O trabalho  retira tempo aos dias.
O trabalho dá saúde - se.
O trabalho pode não ser saudável - se.
O trabalho...
(para completar, segundo a situação ou mood. Eu cá foi depois de 6 reuniões em dois dias).

março 26, 2012

Quiosque

 
revista pelas revistas:
cor-de-rosa - más, muitas, mesmo intragáveis. outras agradáveis e mais equilibradas, especialmente se tiverem histórias de ou entrevistas a atores e atrizes, pois é gente de que gosto e que gosto de acompanhar
moda - vogues e elles e as outras todas. fenómeno que me passa ao lado. legíveis se com crónicas que valem a pena (há anos e anos  o Alçada Baptista, por exemplo, escrevia na Máxima e como gostava de o ler). se for só desfile de sapatos e roupa kaput
culinária - de ficar com água na boca. mas não consumo
decoração - uma paixão. houve uma altura, com mais subsídios e mais tempo, que as devorava e dedicava-me, inspirada, muito mais à estética do lar 
saúde - importante mas quase nunca compro
femininas q.b. - antes, mais. gosto q.b., por causa das reflexões e crónicas se não nada feito
desporto - ao lado, completamente
cinema - outra paixão. comprei durante anos a sight and sound inglesa. pena ter deixado. desejos de sempre
bricolage - não, faltinha de jeito
bordados e lãs - credo
educação - não. sabedoria do dia a dia chega, sem certezas nem grandes entusiasmos teóricos mas com empenho
informação - aprecio e muito. tudo, praticamente. opinião, fait divers, humor, política, mundo, novidades
tecnologia - nada
vida selvagem e geo - não compro ( nat geo wild na tv todos os rebentos dias)  mas mais do que aprovadas
panda - sim, claro. que grande pequena revista

NotiCeando

 
Notícias do fim de semana.

1.Aniki Bóbó, revisitado na SIC, numa rubrica que tem algum interesse, tipo ontem e hoje. O que eu chorei quando, também pequena, vi este filme na televisão.  A história do Carlitos e da Teresinha, amor de escola primária eternizado pela boneca ofertada, pelas ruas da cidade norte, pela tragédia de meninos rivais que disputam a atenção da menina bonita. 70 anos passaram. Manoel de Oliveira ativíssimo, que não apareceu na reportagem, "Carlitos" ainda com pinta de rapaz de rua, atrevidote e terno, e "Teresinha", que continua espantosamente linda, aos 80 anos, ar de estrela mas uma carreira de cinema a passar-lhe ao lado. "Eram outros tempos", pois eram. Belas memórias de quem viveu e vive o cinema.

2.Benfica no jardim escola - canção infantil com alusões à equipa leva queixa ao Ministério da Educação. Pais e FC Porto não gostaram daquilo que poderá ser "incitação à rivalidade". Estou cercada de muitos portistas, resisto ao cerco, registe-se, mas ainda assim ouvi-lhes as opiniões. Até um doente incurável me assegurou que é incompreensível esta queixa. Realmente. Sabemos que estamos em tempos de salvaguardar tudo e todos, que a educação tem como objetivo o respeito por todas as diferenças, minorias (ou maiorias, pronto, depende donde estamos), que não pode senão servir a tolerância e a paz, não os sectarismos. Mas daí a uma queixa no ME, bem. É uma canção infantil, sem mensagens ocultas. Ou isto é já lavagem ao cérebro? Céus, que ser educador e professor hoje em dia tem que se lhe diga. Ele há cada pai, perdão, uma. Toca a medir bem o que se faz e diz. Olha o processo.

março 25, 2012

Chambre design



De romantismo, tralha e atrofio de espaço a decoração fria  e ampla quase hospitalar. Diga lá onde é que dormiria melhor. Pode ser que estejamos de acordo.

março 24, 2012

Passa sem porte

 
Angústia ao jantar. Não é difícil, basta ligar a televisão por volta das 20 horas. Nem sempre dá, nem sempre me apetece, mas nem sempre quero passar ao lado das coisas, não quero, não devo. Tentando preservar a sanidade num mundo de loucuras e exageros, horrores e injustiças, por vezes somos levados a olhar para outras coisas, mais leves, mais alegres, mais risonhas e que, felizmente, existem e vão existir, simples e que nos injetam de pequenos e momentâneos contentamentos .
Mas quando se abre os olhos, adormecidos na letargia cómoda e feliz dos dias ao largo das notícias catástrofe, não se pode deixar de sentir, sentir coisas que não queremos sentir, porque nos doem, envergonham e porque refletem situações que pura e simplesmente  não deveriam existir.
Donde veio este choque, inesperado para uma manhã que se pretende tranquila? Ver, ontem, a situação dos imigrantes romenos em Lisboa, a viverem debaixo da ponte, em condições indignas, humilhantes, incomportáveis para quem vive nesta Europa ainda assim desenvolvida e rica. Talvez precisamente por isso. Como podem cidadãos da Comunidade Europeia, e não excluindo obviamente os que não são, viver assim? Como podem os seus de sempre longínquos sonhos ser defraudados desta maneira?
Não são os únicos a viver na rua. Pois não são e entristece-me ver que são muitos, cada vez mais. Gente que perdeu tudo, que desistiu de viver, que se arrasta como pode por uma vida sem rumo nem alegrias. Mas muitos dos que estarão nas ruas das grandes cidades, terão tido uma vida anterior que se desvaneceu, por variadas razões. Álcool, droga, muitas vezes, desemprego também, solidão profunda de quem não tem nada a onde se agarrar. Novos e velhos, o reflexo de escolhas ou de sociedades impiedosas, mesmo letais.
Mas no caso da imigração (e da emigração, se se tratar de portugueses lá fora), isto choca-me ainda mais. O que faz alguém deixar o seu país, família,  para escolher viver e trabalhar num outro? Amores e estudos, sentido de aventura e curiosidade globetrotter à parte, o que move, em sentido absolutamente literal, estas pessoas é a necessidade de encetarem uma nova vida - uma que lhes ofereça trabalho, rendimento, condições de vida que não puderem obter, claramente, nos seus países de origem. 
Ver o seu projeto completamente lesado e iludido é causador de uma dor sem fim. A que vêm? Porque vêm? Quem lhes diz para virem? Quem os deixa virem? Porque não há quem os receba, ainda se sem emprego à vista? Porque são questões humanitárias em que acabam por se tornar estas entradas. Porque não há centros de recolhimento desta gente? Porque não há uma cama? Uma política humana que seja concertada com os países de origem - ainda mais se estão, neste caso, na Comunidade Europeia? Um quotidiano mais digno?
Claro que vozes zangadas iriam surgir. Do género não temos que pagar isto com os nossos impostos, não temos nada a ver com quem vem e nos exige esforços de contribuição monetária a partir do nosso trabalho. Mas estas pessoas não sabem o que isto é. Não conseguem colocar-se nesse plano e não conseguem ver que também há quem, lá não sei onde, pense exatamente assim, acerca dos estrangeiros nos seus países.  Estranhos em terra alheia que podemos ser nós. Não querem nem sabem compreender o sofrimento e a tristeza máxima que é ousar começar do zero e descer abaixo de zero. Não sabem o que é ser tratados como lixo, numa exclusão cruel e estereotipada que não serve a humanidade. Ou o que resta dela.
Choque. Digam-me quem é responsável por isto e o que se pode fazer. Digam-me que esta parte eu também não sei. Só sei que não pode ser assim. Porque não quero olhar para o lado, distrair-me com as coisas triviais quando o que vi nos pede total atenção e cuidado. Digam-me que há solução. Angústia para o jantar, outra vez, não. Deles, sobretudo. Infelizmente, deles.

Nem loucos nem paixão

 
"Too British for the Indians and too Indian for the British". Era assim que a personagem de Hari Kumar, em A Jóia da Coroa, falava da sua evidente e fatal incapacidade de pertencer a um só lado. Indiano educado na velha nação colonizadora, a zelosa formação e educação a afastarem-no dos indianos em convulsão anti-britânica e a cor a e a raça a não deixá-lo diluir-se na cultura anglo-saxónica.
Emblemática, esta dificuldade em pertencer unica e exclusivamente só a um flanco, porque pode ser estendida a muitas outras dimensões que não a étnica ou a política. Estar entre dois mundos, através de variadas circunstâncias, é mais incómodo do que se poderia pensar. E, no entanto, dá-nos uma visão porventura privilegiada, imparcial, justa do que pode ser o certo e o errado. Poder entrever duas realidades contrastantes, sentir-lhes as motivações e os problemas, compreender o que as move ou paralisa, deveria ser a melhor das posições, porque perto do ideal. 
Porque se sentia Kumar, então, tão dilacerado? Porque é tão incómoda, afinal, uma posição que poderemos apelidar de intermédia? A justificação não será difícil. Ser independente e não alinhado, isso sim, é o mais difícil. Pela simples razão de que cair para um lado da barricada levanta muitos mais apoios. Quanto mais radical é a postura, mais adeptos congrega. Porque a radicalização levanta paixões que não se coadunam com atitudes mais racionais, mais equidistantes, mais sensatamente filosóficas. E o preço que essa independência de espírito comporta é muitas vezes demasiado alto. Ninguém quer nas suas fileiras nacionalistas, religiosas, políticas, étnicas, familiares e outras alguém que não adota o mesmo discurso, a mesma luta, os mesmos tiques.
A ostracização por ausência de cor ou farda pode dar cabo da mais forte e da melhor das  naturezas. Porque o sentimento de pertença como forma de construção de uma identidade que tem um propósito é, de facto, importante. Se essa exclusão tiver como base pilares de afetividade, pior ainda. A resistência e a fidelidade àquilo em que se acredita serão ainda mais admiráveis, no caso de se manterem, apesar de tudo. Fácil é anuir, seguir o rebanho que nos diz querer proteger. Difícil é não o fazer, recusar uma proteção que não nos serve, ou que sabemos não ser justa. Difícil é estar entre dois mundos que se possam entender, ou não, ao mesmo tempo. Difícil e, ainda assim, portentoso.
Haverá decerto um Hari Kumar dentro de muitos de nós. Em grandes ou pequenas coisas, coisas que às vezes até podemos não ter pensado.  Lutemos para que ele não sucumba, como no livro de Paul Scott. Aguentemo-lo, para travar os instintos mais primários, mais tendenciosos, mais viciosos. Para o bem, sem dúvida, para o bem comum.

março 22, 2012

Viagem

 

Experiências que a caravela dos tempos modernos nos faz ir vivendo. Viaja-se pela Internet e atravessa-se o Atlântico. Conhecem-se novos destinos, exploram-se outras possibilidades e ganham-se novas aprendizagens. Pequenas mas significativas porque fruto do acaso, da generosidade, da vontade. E eu, que nasci numa freguesia chamada Vera Cruz, volto às terras de Vera Cruz apenas com um toque no teclado. Descobertas que valem o que valem mas (?) que são ouro sobre azul se pensarmos nas aventuras interiores que podem proporcionar. Não por presunção mas por partilha, viaje-se, pois.

março 21, 2012

Black

Feeling lonely?
Not at all.
Sitting all alone up there...
My heart´s full.
I think you need some company.
I think I don´t.
But the night... It will get darker and darker.
Have I said I wanted you to stay?

Por qué no te callas?

Sempre nos espantamos quando ouvíamos nas notícias que os discursos de Fidel Castro duravam 6 horas e que tais maratonas discursivas eram também apanágio de outros líderes mundiais e/ou ditadores que não primavam ou primam exatamente pela democracia. Hoje, de volta a casa pelas 10 da noite, trazida  pelo tal meu amigo que sabem muito bem quem é, vinha a pensar que não é preciso deslocar-me muito para encontrar paralelos, numa vida bem mais próxima e não propriamente mediatizada. Tais pensamentos surgiam depois de duas sessões de uma ação de formação, em horários impróprios para quem dá o litro de dia e ainda tem de suar durante três horas antes, durante e depois do jantar. (Só para quem ainda duvida que os professores trabalhem, há gente distraída que convém informar.) É possível, pensava eu, ficar farto de alguém depois de dois, apenas dois encontros profissionais? É possível que alguém monopolize tanto o discurso que nos faça desejar ir para longe? É possível alguém não se aperceber que falar demais, continuada e insistentemente, maça e aborrece de morte os outros? É possível não ter pachorra para alguém que simplesmente não se cala?
Tantas vezes, e mais do que as gostaríamos, temos decerto assistido a manifestações do ego que passam por enunciados verbais dignos de um registo no guiness. Há pessoas que gostam mesmo de se ouvir, indiferentes à reação dos outros, indiferentes aos sinais exteriores, por falta de insight emocional, falta de discernimento,  falta de educação. Uma pessoa entusiasmada que desfia sem parar o rosário de alegrias e aventuras perante a nossa crédula ou incrédula colaboração e curiosidade é uma coisa. Uma que não fecha a boca a emitir ondas de arrogância inteletual e de aborrecimento entediante é outra. Na área da docência este tipo de indivíduos pode pôr-se em evidência em reuniões, especialmente quando as preside, tendo os desgraçados que lá estão sentados de o ouvir, o tipo, a exibir dotes carismáticos que frequentemente nem possui. O carisma não passa pelo abuso da palavra. Ouvir os outros, interagir com eles, saber calar-se oportunamente, isso, sim, faz de alguém um líder que sabe cativar e motivar. Só se ouve com prazer quem nos seduz com as palavras, quem faz com elas uma intervenção equilibrada, ainda que firme. 
Nestas ações de formação, de vez em quando, também surgem assim uns chicos muy espertos e unas chicas, también, presupuesto, que nos fazem bocejar quando arrancam para não mais parar. Mas o que me espanta mais é que falam e dizem e contam histórias, bem contadas,  pormenores não faltam, podendo alguns ainda fazer uns exasperantes desvios, e mostram que sabem muito, saber é bom, claro, não se diga que não. Não é o conteúdo, é a forma. A forma estraga tudo. Quando a excessiva verbalização da inteligência, mais aceitável, ou da não inteligência, pior, pior, inaceitável, ultrapassa aqueles minutos para além do razoável não há inteligente ou não querido e compreensivo bom ouvinte deste lado que aguente. Uma pessoa começa a sentir crescer sentimentos nada agradáveis, que podem ir do total enfado até à sempre enervante irritação. Deseja-se até que o outro vá dar uma volta ... e que não volte. Sentimentos, está visto, nadinha cristãos.
10 da noite e não me apetece ouvir mais ninguém. A não ser que seja o pequeno, com frases muito curtas, verdadeiramente significativas e que vão direitinhas ao coração. E que, mesmo ensonadas, não me fazem, por tudo o que disse mesmo antes, adormecer a meio. 

março 18, 2012

Tudo bons rapazes

 

Ontem vi duas notícias que têm algo em comum. Esse comum é o facto de serem ambas sobre dois atores. E dois atores que não fazem parte dos meus favoritos embora lhes reconheça beleza e até algum charme. Não são os meus galãs de eleição, quer no Brasil quer em Hollywood. Nunca me fizeram suspirar por aí além, embora possam ter papéis interessantes e ternos. Mas eles provam uma coisa engraçada. Provam que se pode admirar o caráter fora da tela mais do que o carisma dentro dela. Porque também há o contrário, muito frequentemente o contrário. Nomes que apreciamos na arte, nas suas variadas formas, mas depois cuja vida exterior, física, real é muito desapontante. E focamo-nos apenas então no seu trabalho, no prazer que nos dão, de diferentes formas.
Aqui, neste apontamento, é o oposto. Não sou grande fã de Reynaldo Gianecchini nem de George Clooney. Lindos e simpáticos mas que no écrã nunca me galvanizaram. (Eu sou muito Clive Owen, para falar em sedução cinematográfica atual.) Ontem comoveram-me, contudo. Fora da representação. O primeiro porque acaba de ultrapassar um cancro terrível, a morte do pai, também ele doente, e a assustadora confrontação com a sua própria possível e antecipada morte. E a dignidade com que falou do seu problema e a força que já o fez voltar aos palcos deixaram-me rendida. Exemplos de coragem humana, de luta pela vida, de sensibilidade pujante. O segundo porque foi detido devido às suas humanitárias convicções. Gosto disso em Clooney, é o de que gosto mesmo mais, a sua solidariedade empenhada, as preocupações fora do seu umbigo, para com desprotegidos, refugiados, famintos, doentes, perseguidos, indefesos, presos nas malhas de ditaduras ou catástrofes humanas e físicas. O que leva um ator sexy e apreciado por legiões de fãs a uma humilhação, que não o é apesar de tudo, a de ser algemado por ter uma voz? Tem a minha admiração como ser humano, como estrela que usa o seu poder e influência para chamadas de atenção e decisões que tardam ou não chegam.
Da próxima vez que os vir a representar, estarei mais atenta. O seu fascínio na tela pode não ser o meu género mas lembrar-me-ei daquilo que são e passam cá fora. Crescerão em encantamento, de certeza. E por falar nisso, longa vida para os dois rapazes.

março 17, 2012

I´m in love with my car, too

 

Que relação tem com o seu carro? Eu dificilmente passaria sem o meu. Gosto de conduzir, leia-se fora dos centros urbanos, gosto da estrada, da ida, da paisagem natural circundante, que nunca deixo de observar e absorver. Não aprecio o trânsito, os semáforos, os engarrafamentos, as várias vias e a velocidade perigosa de muitas conduções, as grandes marcas, os carros limousine que não conseguiria estacionar rapidamente. Médio e confortável, basta-me um automóvel assim.
É também quando gosto de ouvir música, mas a de que gosto. Posso ouvi-la alto, muito mais alto do que alguma vez em casa - que não faço por variadíssimas razões -  e mais alto do que toleraria música passada por outros e cujo ritmo ou sei lá o quê me incomode para lá do aceitável. Escutar programas de rádio em que os locutores falem muito logo pela manhã, especialmente do trânsito e naqueles concursos que opõem homens a mulheres e outros parecidos, nem pensar. Até porque vozes estridentemente bem dispostas pela manhã é algo que não me cai muito no goto, por notória falta de identificação e espantada inveja.
Mas, na maior parte das vezes, conduzo em silêncio, e estamos a falar das deslocações para o emprego, sem companhia, um silêncio por opção, gosto, necessidade, tudo.  É nesse espaço só meu, físico e interior, que me aparecem muitas ideias, para textos e não só. Não tendo a presunção de serem minimamente boas ou de interesse para os outros, em muitos casos, algumas deixam-me satisfeita, ponho-as em prática, deixo-as levarem-me. Pequeno mundo de criatividade mental, é assim o meu carro. É assim o meu trajeto desde há três anos, feito no meio de um verde tranquilizador que me ajuda a começar o dia, sem estímulos sonoros que perturbem necessidades de arrumação interior, de ordenamento de ideias, de busca de aventuras cá dentro que podem, depois, passar para fora.
O meu carro é bom conselheiro e um excelente amigo. Com ele danço e canto, imagino e sonho. Viajo de várias maneiras e isso é uma grande coisa. Até porque, quando quero ou tenho de, também é ele que me traz para casa. Um companheiro que não me exige palavras, ainda por cima, só me dá ideias e vai ao encontro do meu desejo. Um caso sério de libérrimo amor.

março 16, 2012

De não se lhe tirar o capuz

 

Há alunos estrangeiros, africanos, que vieram para cá estudar e que não têm cá os pais. Têm, muitas vezes uma tia ou primos em Lisboa, ocasionalmente uma mãe ou até uma madrasta. São, na maior parte dos casos, maiores de idade. Mas pouca sabedoria puderam ainda tirar da sua curta existência, apesar de uma ou outra experiência, e algumas não bem sucedidas. Tenho-me visto, assim, a dar-lhes conselhos, não moralistas mas preocupadamente sinceros e amigos, especialmente no que toca às raparigas.
Na qualidade de diretora de turma que lhes fala verdade, uma verdade que já conhecem e ouvem, lá abri hoje, mais uma vez, o consultório de aconselhamento académico, relacional e mesmo, é verdade, amoroso. Como há algumas que digo ter adotado porque as vou ajudando e protegendo em aspetos particulares de saúde e outros, contudo sem paternalismos nem atitude maternal, houve hoje mais umas sessões que tentaram pôr juízo e amor próprio naquelas miúdas de evidente maturidade física mas a necessitar frequentemente de umas palavrinhas agridoces, na minha apreciada técnica combinada do estalo e do rebuçado.
Mas o melhor digo já a seguir. Fiquei a saber, pela primeira vez na vida, e provavelmente a única, que sou, como dizer isto, temida. Soltei uma gargalhada que brotou do espanto daquela declaração tão crédula e inocente. A rapariga disse ai professora ainda bem que ele tem medo da professora, assim não chega perto de mim. É que ele não pode chegar mesmo. Ela não queria, ele não podia chegar. Se ela queria agora, era outra coisa, mas eu não deixo. Não deixo porque ela não pode querer. E mais não digo. Aliás disse. Disse-lhe para lhe dizer que eu sou e serei a sua protetora, a sua "anja da guarda". Sabia que havia medo do diabo, agora dos anjos não, que diabo. Mas que dá um jeito danado, dá. Deve o lobo continuar a sentir medo de mim, sim. E procurar outra floresta se quer história. A menina não está sozinha e eu, e não digo como, estou reconhecidamente armada.

março 15, 2012

Esta terra (não) é minha

 República da Irlanda

 

Para muitos um filme como “Gladiador”, por exemplo, poderá ser considerado violento. Não é a minha opinião. Porque muito mais dolorosa do que a violência física na tela, será a opressão psicológica presente em várias longa-metragens, como, por exemplo,The Field, dirigido por Jim Sheridan. Trata-se de um filme que ilustra uma Irlanda profundamente rural e anacrónica, avessa ao progresso e muito patriarcal.
A relação de domínio que McCabe (interpretado por Richard Harris) exerce sobre o seu filho é absolutamente castradora, tolhendo-o e incapacitando-o para qualquer laivo de vontade e vida própria. Há um toque animalesco em Tadgh (Sean Bean), como reflexo da ideia de paixões primárias que obviamente perpassa no filme. Torna-se ora odioso ora tocante ora penoso acompanhar a evolução da sua personagem. O resultado só podia ser a tragédia.
Este é também um filme sobre a terra e os milenares e inevitáveis conflitos que o apego a ela podem criar. A paisagem irlandesa, com muita chuva e lama à mistura, contribui, de resto, para a criação dessa atmosfera intempestiva, de emoções passionais, desabrigadas. Os rostos dos aldeões, de resto,  rígidos e assustadoramente fora do tempo, enfatizam a ideia de dureza, desabandono e fechada insularidade que caracteriza esta perturbante história.
O Recado, ESAP, Maio 2009 (pré AO)

Lista de espera

 
filmes em dvd para ver há séculos
livros por ler na mesa de cabeceira
cafés que vai ficando de tomar com amigas de há anos
telefonemas para fazer a colegas deixadas na outra escola
roupas a caminho de se tornarem vintage para selecionar e dar
passeios a pedir solidão à beira mar
pés na bicicleta pedalando ao vento
lojinhas de decoração por visitar (a bem dizer, estão a desaparecer todas e não gosta da ikea)
coisas pequenas que dão prazer ou que é preciso fazer.
que nome se dá a isto, indaga-se.
trabalho que aperta, tempo livre que é pouco, manias que a prendem ao computador, dias pequenos que felizmente acabam, doces pequenos que dormem cedo e fazem sesta, ócio caseiro próprio do inverno e dela mesma, final de período nas escolas, papelada que se amontoa, papéis que se desempenham. emprego, função e mil e uma solicitações diárias.
até a miss liberty quer mais liberdade, despir o fardo. como não ela e elas. 
em lista de espera estão outras horas. muitas, quentes e longas. como uma noite de verão. ai, que sonho.

março 14, 2012

Seara em nada nova ...

 
Ficou-me a vontade de escrever algo sobre a desertificação do interior a partir de um comentário lido e eleito como o da semana num blogue coletivo que sigo.
A comentarista é alentejana e "falava" do facto de, presentemente, a cidade onde vive ter vindo a ficar sem correios, sem centro de saúde, sem tribunal e mais serviços cuja não existência, desta forma, tem vindo a prejudicar a vida das populações, nesta ou noutra cidade plantada em terras alentejanas ou noutras longe da costa. Vivo na costa, a poucos minutos do mar, numa pequena cidade pertíssimo de uma maiorzinha que oferece todas as condições de vida que dignificam os cidadãos, que pagam impostos e que descontam para usufruirem destes e de outros serviços. Portanto, não tenho, para já, as contrariedades e a tristeza de assistir a esse aniquilamento de serviços e infraestruturas necessárias à vida quotidiana e que leva, depois e sem qualquer surpresa, à desertificação, ao êxodo das pessoas para onde podem ter mais facilidades, a vários níveis,  inclusivamente as de emprego.
Mas esta introdução serve para recordar uma pequena vila no Alentejo onde passei as minhas férias desde miúda e onde ainda vou amiúde, apesar de agora já não pernoitar por lá. Essa vila chama-se Cabrela e fica ao lado de Vendas Novas, onde tenho raízes. Desde sempre que me habituei a passar lá umas semanas no verão, sim, com um calor abrasador, que nos fazia recolher na hora da sesta. Não que a fizesse, não tenho esse hábito, afinal vivo bem a norte, mas era, de facto, extremamente difícil pôr os pés fora de casa antes do entardecer.
Tinha família nessa vila pintada a branco com tiras amarelas, verdes ou azuis nas janelas. O meu tio era o chefe do posto de correios. A casa onde vivia e eu ficava, nunca mais esqueci. Era, do meu ponto de vista pequeno de pequenina, grande, com a parte dos correios na frente e a parte habitacional atrás. Lembro-me  de estar fresca, muito fresca, e de ter um patiozinho quente onde nos recolhíamos sob a sombra apaziguadora das árvores. As brincadeiras com a minha prima passavam muitas vezes pelos correios, onde entrávamos quando não havia gente, e nos atrevíamos a desvendar os objetos que povoavam aquele espaço sério, organizado, impecavelmente limpo e arejado, monocromático quase, logo ao lado mas longe do convívio familiar do resto da casa.
Não havia supermercado mas mercearias, farmácia, nessa altura agora longínqua, não me lembro, assim como não me recordo do posto de saúde. Lembro-me da igreja e de brincarmos, garotada nas correrias e risadas, no seu largo antes e depois do jantar, recordo com facilidade o posto da guarda,  pequenos cafés simples e tranquilos a servirem pires de caracóis e cerveja, pessoas nas portas à conversa fácil porque aberta e disponível, bailes e festas de rua, o cemitério, pois claro, lá estão enterrados os meus avós, e não muito mais em termos de espaços e atividades. Uma espantosa tranquilidade que parece tirada de um filme parado no tempo, se comparado com o ritmo citadino, mas que me renovava e renova as energias, pois volto sempre todos os anos, à procura do silêncio.
Volto a Cabrela mas não fico mais do que um bocadinho. Os correios foram encerrados há anos e anos, o meu tio está reformado, mudou-se com a família para a terra das bifanas ao lado, a vila tem menos e menos gente, continua soalheira e simpática, mas sem farmácias, sem supermercados, sem escolas a partir do 4º ano, sem posto de saúde. A minha prima, entretanto crescida como eu, diz-me que em Vendas Novas o centro de saúde também fechou (até passou nas notícias na televisão, na altura) e que, das urgências, muitas vezes tem que se deslocar com as filhas pequenas no meio da noite ou madrugada adentro até Évora e Lisboa se quer um hospital. Esta prima e outras permanecem no Alentejo, outras saíram e vivem em Lisboa. 
A questão é que sou uma grande fã do Alentejo, para onde parto para descansar e sentir um quieto pulsar de outras coisas que não a rapidez e a voracidade dos dias. Mas não vivo lá e a ver pelo que desaparece do seu mapa de ofertas e serviços não sei até que ponto ou até quando quem vive poderá lá permanecer. Sendo péssimo para quem precisa de trabalhar e viver numa terra que é a sua, também não alegra quem queira respirar umas horas tranquilas. Porque qualquer dia vamos lá e não temos onde ficar, todos terão partido. Por mim, nós e sobretudo por eles, que saudades dos correios.

março 13, 2012

Blue


Is it the sea?
Could be.
Why water?
Why not?
What for?
Why not float if you can?

Transatlântico

 

Há coisas boas que acontecem.
Surpresas vindas de longe, generosidades inesperadas, palavras que realmente nos beijam, alegrias sem marcação, pequenos reconhecimentos que nos parecem enormes, momentos de esforço que compensam, ousadias nunca antes pensadas, e o mais fantástico, coisas que brotam no meio de dias menos fantásticos, quando a chama viva dos entusiasmos parece fenecer um pouco, vergada pela avalanche de exigências e incompreensões que nos quer atirar ribanceira abaixo, momentaneamente, pois, apenas momentaneamente.
Não há como não erguer de novo a vontade, a crença, a paixão por tudo o que se faz ou quer fazer.
Confiar é preciso.
E a propósito, navegue hoje um beijinho especial para o Brasil.

Adenda: Aqui está um bocadinho porquê. (Esteve, melhor. A página vai sendo atualizada quase diariamente.)

março 12, 2012

Quem vê géneros não vê corações

Penso que o meu anterior post poderá ter sido considerado por alguns, não sei, imagino, pouco simpático para as mulheres. Sou mulher e gosto de sê-lo, e o mesmo aconteceria se fosse homem. Gosto da condição mulher e acho que são, somos dignas de admiração mas isso não quer dizer que tenha de gostar do caráter de todas - e o mesmo se aplica ao sexo masculino. Senti que, eventualmente, podia não me ter explicado bem ou ter sido demasiado assertiva quando falei, assim, de forma diga-se pelo menos direta, em mulheres chatas. Ora bem, depois de um episódio matinal de absoluto incivismo e má educação vindos de uma representante do sexo feminino, retiro este receio e repito que as há bem execráveis. O mesmo se pode dizer dos elementos masculinos que, igualmente, não primam pelas boas maneiras nem valores cívicos e outros. Há espantosas mulheres e mulheres mais comuns e são essas de que gostamos. Há depois as megeras que realmente não nos agradam, independentemente então do sexo, idade, nacionalidade, religião, filiação partidária. Há pessoas e pessoas, e é tudo. Na verdade, não se entende porque é que temos de gostar de todos os portugueses porque somos portugueses, de todos os europeus porque somos europeus, de todos os professores porque somos professores, de todas as mães porque somos mães, de todas as mulheres porque o somos também. Apreciar, reconhecer e valorizar a condição não é o mesmo que admirar o caráter. Porque, dessa maneira, trata-se de uma estranha forma de discriminação ao contrário. É qualquer coisa como todas as pessoas de cor americanas terem de votar Obama. E outros exemplos que poderiam ser dados. Na realidade, géneros e raças não veem corações. E os variados chatos do globo existem para arreliar, entre os quais as megeras (porque me apetece dizer isto com um toquezinho do expressivo português do Brasil) que infernizam, no emprego e fora dele. Condição sim, caráter sim e, outras vezes, não.

março 11, 2012

Woman, don´t preach

Ontem li num blogue de referência, e ainda a propósito do dia da mulher, histórias um bocadinho ao contrário, ou seja pequenos mas importantes relatos sobre mulheres que não dignificariam o dia em termos ideais. Não gosto da data, não me diz absolutamente nada, tal como a maior parte das festividades coletivas do calendário, mas também, como disse a helena sacadura cabral noutro importante blogue, ao menos que o dia seja para relembrar grandes mulheres que lutaram pelos direitos femininos e que dessa forma  são, nesta ocasião, representadas.
Mas voltando às mulheres das histórias no cr. É bem verdade que patrões e chefes mulheres amiúde nos podem dar cabo da cabeça, e até do corpo - são tão fanáticas e zelosas em mostrar trabalho que facilmente esquecem outro tipo de sensibilidades no emprego. Carcereiras nazis existiram, já o disse antes algures, portanto infligir sofrimento é possível vindo de almas ditas mais sensíveis e frágeis. Não gosto desta ideia fixa da fragilidade absoluta mas gosto da sensibilidade e de que maneira. Mas também não deixa de ser verdade que também proliferam por aí chefias masculinas despóticas, pequeninas e medrosas que impedem que se diga que se trata apenas de um fenómeno de ego feminino com contornos sombrios ou histéricos. Há de tudo, pois.
Ainda assim, aqui e agora, aborde-se uma questão menos simpática não só na liderança mas no comportamento feminino na sua generalidade. Já andava para escrever sobre isto há algum tempo, agora surgiu, cá vai. Não é mentira que as mulheres, no geral, em vez de se serenizarem, gostam no fundo é de acirrar as outras, competindo por tudo e por nada, exibindo formas de capacidade superior na gestão das coisas grandes e pequenas. Aliás, a bem dizer nas pequenas, na maior parte das vezes.
 Não perdem a oportunidade de dizer que, numa situação em particular, foram mestras em lidar com o caso, sem dúvidas nem receios, nem falhas. Se a grávida manifesta vontade em ou até há necessidade de ir para casa mais cedo, dizem orgulhosas que andaram até ao último dia, sempre ativas e enérgicas. Se uma mãe diz estar a sentir dificuldades a gerir a vinda de um filho e o trabalho, logo atiram que têm 3 filhos e que estão ali maravilhosas e potentes. Se uma dona de casa se queixa das tarefas domésticas que a maçam e cansam, vai de dizerem que antes de virem para o emprego já fizeram 34 habilidades na cozinha, já estenderam 89698 peças de roupa e, por entre sorrisos maliciosos, lá convencem a outra de que é preguiçosa. E quando nós acabamos de mandar um aluno para a rua e a sábia do sítio nos diz e rediz que nunca o fez, que nunca precisou de o fazer, pois tudo controlou sempre da melhor forma? E outra que diz que nunca faltou ao emprego, repetidamente e quando ninguém está interessado na sua perfeita e saudável assiduidade, como se as faltas por doença ou outras revelassem na verdade fragilidade e irresponsabilidade? E mais exemplos que decerto acontecem, a todas as horas, em todos os lugares onde há uma super mulher.
As mulheres são, de facto, super, se isso quer dizer que para elas tem ficado a grande parte das responsabilidades do dia a dia. Mas esta condição não é um triunfo, é, em muitos casos, uma perda. Não pode ser um troféu, muito menos isso, que se levante quando alguém mais jovem, mais inexperiente esteja a ser verdadeira nas dúvidas que a assolam. Porque o que entristece mais é que estas tiradas de superioridade física ou resistência a toda a prova veem, frequentemente se não sempre, de mulheres mais velhas, até mesmo poucos anos mais velhas. Tias, mães, colegas, vizinhas, estendendo-se depois a amigas até, daquelas amigas que temos mas não sentem como nós, com quem tomamos um café, e um chá e um cocktail, mas pouco mais. Porque razão há de uma mulher nascida uns anos antes não serenizar a mais nova? Porque razão lhe há de incutir que ela tem de correr, esbracejar, esfolar-se, e que quando não o faz é menos válida? Porque razão há de a descontração ser confundida com nocivo ócio? Porque razão as dúvidas são vistas como fraquezas? Porque razão é que têm de existir estas tediosas impertinentes que nunca tranquilizam?
Bom, agora vejo que fiz muitas perguntas. Ora, isto não é nada super. A super faz tudo de sorrisos nos lábios, não reclama, não se questiona nunca e surge cheia de ímpeto para qualquer maratona. Só espero é que haja taças suficientes, era uma chatice não levarem o prémio, que desilusão tão grande para quem apregoa tudo dominar na grande prova da vida. Que requer resiliência e habilidade, sem dúvida. Sobretudo para passar incólume no meio destas grandes chatas.

Adenda: O texto não é sobre as doces, as fulgurantes, as sublimes, as inspiradoras, as libertadoras. Esse há de ser.

março 10, 2012

E o óscar não pode ir para...



Geralmente não abordo a questão do ensino, a não ser através de relatos que dão conta de situações que ilustram em que estado encontramos alunos que pouco ou nada querem saber de escola, ou que mesmo querendo noutras áreas,  revelam muita falta de conhecimentos naquelas que trabalho. De forma humorística, anedótica, ou crítica, cá vão desfilando retalhos da vida de um docente. Também se assinalarão casos de sucesso de que venha a ter conhecimento, porque também os há, e ainda cabem neste espaço  impressões sobre tudo e quase nada  à medida que me apetecer registá-las aqui. Como então será o caso agora, referindo o assunto da avaliação de professores.
Fá-lo-ei de forma breve, centrando-me num ponto apenas, e a propósito da saída das avaliações dos docentes. Não irei dizer nada de novo mas reforçam-se os argumentos de que tal medida política merece toda a controvérsia que causou. Aliás parece-me não ter causado controvérsia suficiente, porque a verdade é que ela foi implementada e continua. Para isso terá contribuído a posição da opinião pública em geral, que nada percebe de ensino mas quer à força perceber, dando bitaites do género os professores não querem ser avaliados. Pois não, caríssimos. Assim, realmente não. Explica-se já antes de me acusarem de ter medo de não sei o quê. Pois medo não tenho e nem sequer falarei pelo meu caso em particular, de todo.
A verdade é que é totalmente falso o mérito estar a ser reconhecido ou premiado. Pode, nalguns casos, mas não certamente em todos. Uma farsa, portanto. Porque um professor que tenha pedido aulas assistidas e que seja excelente nessa vertente pedagógica e nas outras 86896 fora da sala de aula, e que seja excelente, repito, não o consegue porque não há quotas suficientes. Então merece o excelente, é-lhe dito claramente, mas depois na prática não o recebe. Para onde foi o mérito, assim num abrir e fechar de olhos? Escondeu-se envergonhado, pois afinal andou a trabalhar por carolice tonta, ou foi arrumado numa gaveta até nascerem dias mais justos?
Foram escritas e discutidas muitas questões na altura da polémica avaliação. Foi muita coisa esclarecida, já se sabe o que ia significar, sabe-se o que significa. Já dormimos sobre isto, alas da sociedade estarão satisfeitas com o facto dos professores serem testados, não importa como desde que sejam, até nós começamos a jogar, por brio ou necessidade, sob pena de perdermos quer uma espécie de motivação forçada quer a progressão. E se há professores excelentes. Se há. Que dão o litro, que deixam de ter vida própria em alturas que os outros, os que os criticam, teem, que trabalham por gosto e/ou por sentido de responsabilidade no meio de todos os tipos de cortes possíveis e imaginários que fazem desta profissão praticamente uma missão, uma luta diária, desgastante, não reconhecida exteriormente, solitária e inglória, muitas vezes.
E depois não consegue o excelente porque eram 6 e só havia 2. 4 mereciam e 2 não foram. Raio de lógica. E, sobretudo, de brutal injustiça. Que quem está fora, não vê. Nem quer ver, claro. É muito mais fácil apontar o dedo e descarregar as frustrações para cima dos outros do que acreditar nas verdades deles. Quanto a ti, minha querida colega, não tens excelente, mas és excelente. Ao menos que te sirva para alguma coisa saber isso. Não sei bem o quê, até porque já sabias, certamente, eu sabia, mas isto não dá para mais. É que tu sabes o que fazes mas eles, políticos e juízes amadores, não. Eles não sabem, já o dizias, Sophia, eles não sabem o que fazem. Ou ... sabem?

março 09, 2012

Voando sobre um ninho de ideias


Por razões profissionais, estive hoje a sobrevoar a cidade de Berlim. Não que me tenha ausentado da escola, praticamente impossível nesta altura, a não ser que fosse por muito boas ou más razões. Estava numa sala de aula, não com alunos, mas com uma colega com quem trabalho em áreas que  nada têm a ver com o inglês. Coisas boas que acontecem fora do currículo, fora das papeladas, fora das reuniões de avaliação, fora da  rotina essencialmente mecânica e recorrente.
Trabalha-se a criatividade, ou melhor, deixa-se que ela flua. Projetos inesperados, tarefas aliciantes, ideias cúmplices, risos livres, desafios malucos, satisfações ousadas, voos carregadinhos de pica. Sim, voamos, sobre Berlim e sobretudo sobre o trivial, com asas cheias de desejos e amores, pela escrita e pela encenação, pela arte e pelas emoções, pela vida e pela constante descoberta que ela traz. Descoberta de mundos parecidos ou não, de moods, empáticos ou não, de afinidades que vão para além dos papéis tradicionais que desempenhamos automatica e diariamente. Havia asas e assim houve incursões, suaves e a pique, pela conceção e construção de coisas novas, pelo entusiasmo de avançar criando. 
Porque, às vezes, os anjos inspiram-nos. Mesmo se pairando sobre Berlim apenas virtualmente.

Contos feitos a pincel



Bélgica

Os quadros de Pieter Bruegel, O Velho parecem estar a contar uma história. Não espantaria se ilustrassem contos para crianças. Uma das suas obras intitula-se mesmo Children´s Games. Pela mistura de cores e pelos elementos naturais, surgem quadros a lembrar postais, alguns mesmo algo oníricos, mas na sua maioria pincelados com perceptíveis nuances de realismo. Há depois obras com motivos de cariz mais religioso, mas ainda assim com uma clara abordagem paisagística.
Bruegel nasceu em 1525 e morreu em 1569 (em Bruxelas), sem se saber exactamente a cidade onde nasceu - na Bélgica ou na Holanda, permanece a dúvida. Ficou ainda assim com a nacionalidade flamenga. É apelidado de Bruegel Camponês (Peasant Bruegel), para o distinguirem dos outros membros da família Bruegel que também foram pintores, inclusivamente os seus filhos.
Tal cognome também se deve ao facto de pintar aspectos da vida quotidiana do seu tempo, particularmente ligados ao campo.

O Recado, ESAP, Dezembro 2008 (pré AO)

março 07, 2012

Instantes humanos

 
Hoje, num pequeno espaço, apareceu de tudo um pouco. Estou a ver que basta pôr um pé fora da rotina habitual que surge uma torrencial panóplia de tipos sociais e psicológicos deveras interessante de assinalar. Ter de estar em serviços públicos de saúde pode desesperar, portanto há que nos distrairmos a observar o que doutra forma, provavelmente, nos passaria ao lado.
Várias pessoas na exígua sala de espera, o que para quem gosta de grandes espaços, já não é o melhor dos mundos. Televisão também ela minúscula para entreter o pessoal. Está sintonizada no euronews, para meu gáudio. Vou vendo uns apontamentos interessantes, espalhados pelo globo. Uma mulher levantou-se e, sem pedir autorização, vai de mudar de canal. Ora bem, não era obrigada a perguntar se podia mudar, mas era simpático que o tivesse feito, cívico até. O pior foi ter sintonizado para a TVI, pois claro. Lá tenho que gramar aquele programa da tarde sem adjetivação digna de aparecer aqui.
Entretanto, vou olhando em redor e noto uma ausência de glamour - as pessoas são simples e já de idade, as da minha simples são e eu não fugirei à regra. Subitamente, entram duas esculturais jovens, muito jovens, uma com um bebé ao colo, escoltadas por um jovem musculado de peito inchado ao andar. Uma é loura outra é morena, a primeira muito ashakirada, tigresa, praticamente despida. A segunda mais alta ainda, pintadérrima, as duas de peep toes, magérrimas. Tinha-me queixado da falta de brilho, mas não era preciso ser um provocante kitsch, passava, até porque descontextualizado.
Adiante. Entra depois uma mulher também alta, lá do alto dos seus saltos nada baixos, senta-se, aparece um rapazito com um cinto punk cheio de tachas bem espetadas, que começa a conversar com ela, um ou dois fortes palavrões pelo meio mesmo ao meu lado, falam em voz alta de uma ela que dizem ser mentirosa, ele diz que a tal garantia ter saído com um amigo, esta a dizer que ela saiu com um velho. Para. Oh, meu deus, na sala 80% das pessoas são idosas, entre mulheres e homens. A falta de educação e de sensibilidade fazem-me bradar aos céus. Abano a cabeça, quero lá saber se percebem ou não. Na realidade, espero que o percebam, mas não, infelizmente.
Saí, não angustiada, mas desconfortável daquilo tudo. Já não bastava o exame, as 2 horas de espera, também tinham que sair na rifa assim umas amostras que bem precisavam de adquirir noções de decência e civismo em locais públicos que não são propriamente de atrevida folia, a nossa casa ou com espaço para conversa de café barata.

março 06, 2012

Silver


Waiting for the knight in shining armour?
Indeed.
It´s getting late.
I can wait.
Maybe he won´t come.
Maybe he will.

O talentoso Mr Other


Afigura-se-me que um dos maiores erros em termos de comportamento humano e avaliação de pessoas é a subestimação do outro. Subestimá-lo, achar que não estará à altura, que não nos pode ultrapassar ou ganhar. Sobretudo quando essa ideia, errada, é baseada na imagem, física ou mais do que isso, na aparente despreocupação, na leveza, na jovialidade, na informalidade. Na verdade, pode. Pode vezes sem fim.
Temos sempre, não traduzindo por isso falta de autoestima, de valorizar as potencialidades que podem fazer parte do mundo de alguém que não  nós. Numa competição, e não me refiro somente ao desporto, num concurso, na troca e partilha de ideias, poderá surgir sempre quem esteja mais preparado que nós, mais habilitado que nós, mais criativo que nós, mais informado que nós, mais talentoso que nós. Pode vencer-nos. E não quer dizer que assim seja sempre, pode até ser uma vitória ocasional, para o ano ganharemos  ou perderemos e vice-versa e por aí adiante.
A ideia é que o excesso de confiança pode ser extremamente contraproducente. A autoconfiança é fundamental, o reconhecimento das nossas capacidades, a luta e o brio que temos ao fazer as coisas. Mas a humildade, também. A humildade de reconhecer, também extra nós, o valor dos outros, o facto de nos poderem surpreender. Poderá e deverá, porque não, haver até um receio, um momentinho de fraqueza - e se eu não conseguir alcançar o meu objetivo? Isto é perfeitamente natural, mais do que natural.
A dúvida faz parte de uma existência humilde, triunfante, otimista mas conscienciosa do que os outros existem e valem. Até sob pena de haver grandes surpresas. Podemos surpreendermo-nos porque alguém que julgámos inferior, nos passa à frente. (Fala-se aqui do mérito, claro, não da desonestidade nem da ausência de caráter, das jogadas e dos esquemas). Na verdade, não o era mas a nossa excessiva crença, em que só nós é que sabemos, a isso levou.
Não subestimemos quem, à partida, também tem ou pode ter valor. E muito menos o façamos por causa de uma imagem descontraída, que podem ir de jeans a sorrisos francos, ou ausência de certezas absolutas e intocáveis, estatuto, nome, seja lá o que for.

março 04, 2012

As rodas do desejo

Ontem, ao folhear uns jornais antigos da escola onde estava antes da atual, (re)encontrei uma entrevista de uma colega muito especial. Era (e continuará a ser) uma professora de história, da minha idade, invisual. Dela recordo o sorriso e o riso, a postura curiosa, o caráter doce mas nada tonto, as ideias próprias, a força de vontade, o gostinho pelo convívio, a personalidade equilibrada e determinada, o humor com verdadeira graça. 
A sua postura em sala de aula, pelo que me apercebi, era irrepreensível. Ordem e disciplina, facilmente conquistado o respeito dos alunos. Havia sempre alguém na sala com ela em dia de teste. E sempre colegas, inclusivamente eu, tantas vezes, que a acompanhavam até às salas, mais por amizade e solidária ajuda do que por  uma dependência absoluta. A O. detestava sentir-se dependente. Ela tinha um nadinha de orgulho, tão natural e saudável, a exigir brio, profissionalismo e autonomia. Como tantos de nós a entenderemos, mesmo sem nenhum tipo de handicap do género. Ao reler ontem a entrevista, parei numa parte significativa. O que mais gostarias de fazer e que não possas? Conduzir, dizia ela, pegar no carro, quando estou chateada, e ir para longe. Tão simples para todos e impossível no meu caso.
Um simples desejo de liberdade de movimentos, que me tocou, e que, para mim, também é essencial. E, no meu caso, nem é preciso estar chateada, não conseguiria viver sem sentir essa espantosa autonomia que é pegar no volante. Não sei bem por onde anda, há alguns anos que não nos encontramos. Mas mesmo sem carro, parece-me que, porque assim a conheci, continuará livre por dentro.

março 03, 2012

Vaidade

 

Os tempos mudam, as fatiotas também. As vaidades não são só femininas. De dandy a metrossexual. Gostar ou não, eis a questão.

Queridos palermas

Já houve um tempo em que era só querida. Portanto palerma e imbecilmente porreirinha. Ouvi  ao longo dessa jovem existência desaforos, palavras idiotas, maldades, coisas que não devia ter ouvido, ou melhor, consentir ouvir, travar. Intromissões bisbilhoteiras, observações maliciosas, invejazinhas cruéis, conselhos dispensáveis, avaliações erradas, compinchices tolas. Hoje já não sou só querida - ainda que continue,  assim, a ser palerma e porreirinha. 
Graças a deus, a mim própria e aos idiotas e medíocres deste mundo, existe já um lado assertivo, combativo, sólido, reativo, possivelmente altaneiro, fugidio e mesmo um nadinha sarcástico que vai evitando muitas, encaixando com graça umas e ripostando com veemência outras. Dá muito jeito chegar-se a um estado em que se consegue refrear conflitos habilmente e enfrentá-los habil ou bruscamente. É muito mais fácil ser hoje do que foi ser antes. Será, talvez, o processo natural de quem vai vendo passar os anos, e sem dúvida, fruto das lutas que nos fizeram travar, dos embates que tivemos, das artimanhas a que nos obrigaram a recorrer, da dor das estaladas que sentimos e das aprendizagens que, assim, se foram colhendo. 
Olhando para trás, e assim sendo, apetecia-nos ir lá acertar tudo, por os pontos nos is e nas letras todas, dizer de nossa justiça, calar vozes que não foram convidadas, enfim reescrever os argumentos porque só nós o podiamos fazer em relação à nossa verdade. Mas depois, imediatamente a seguir, conforto-me com o facto de não ser preciso fazer absolutamente nada, porque a justiça vai sendo feita, continua-se em frente, vai-se sendo feliz, a verdade em nós segue e ela colhe frutos, é preciso confiar na verdade, confiar naquilo que somos, resistir a sentimentos mesquinhos e atitudes pequeninas, engrandecer, alcançar um outro nível de projeção no tempo e no espaço.
Pessoalmente, gosto das pessoas queridas. Elas existem para construir e, são as que mais genuinamente amamos. Poderão, a meu ver e espante-se a linha de pensamento menos crente, também ser as mais felizes. Sobretudo se não forem palermas. A palermice bondosa pode permitir farpas que convém serem recambiadas na hora. Querida sim mas ingenuamente imbecil não. A bem dizer, os verdadeiros palermas não o merecem.


P.S. A minha noção de "querida" pode não ser, evidentemente, a de quem lê. 

Chuva

Solar, sem dúvida, mas já sentia falta de um fim de semana a chover. Porque convida à leitura ou filme, ao recolhimento, ao sofá, a uma certa quietude que também sabe e faz bem. Em casa e na ausência de tempestade, que bom é poder escutar a chuva.


Das minhas preferidas.

março 02, 2012

Cá, ainda que lá


Fiquei hoje a saber que um ex-aluno é jornalista, tendo inclusivamente estagiado no Público. É o segundo que sei ter-se formado nesta área, de que eu tenha conhecimento.
Dele retenho o sorriso contagiante, a simpatia cortês, o trato gentil, a cabeleira loura, o aluno aplicado, a curiosidade ativa. Na memória mas também não desaparecido - afinal, somos amigos FB.  Não me tinha, contudo, apercebido de como o tempo, entretanto, passou, nem do percurso estudantil a nível superior e do seu incipiente percurso profissional. Fui reencontrá-lo através do seu blogue e que felicidade foi revê-lo em cenários inesperados por esse mundo que também amo, ao sabor da aventura da verdade, numa escrita que não pude reconhecer porque nunca a conheci em português. 
Por vezes desfilo aqui situações mais ou menos anedóticas ou menos ideais da vida de professor/a. Mas também há e haverá sempre espaço para relatar casos de sucesso que sejam dignos de registo, memórias de alunos que melhoraram os meus dias na escola, afetos que não se apagaram com a distância física. Muito jovem, ainda no básico, sentava-se na minha aula com prazer e alegria. E com prazer e alegria lhe ensinei um bocadinho mais de inglês. Está cá dentro, porque também sei que não me esqueceu, ainda que tantas vezes isso possa acontecer e tenha acontecido.
Nuno, este post é teu. Como é o teu futuro, o teu sorriso, a tua aura amarela e calorosa. Que os raios de sol estejam sempre contigo.

março 01, 2012

São pérolas, meu senhor




Pequenos apontamentos de carreira:

1.Turquia na Europa? Sempre pensei que fosse do outro lado, ao pé do Brasil. (Também lhe/s disse que tem outro pé na Ásia, naturalmente.) 
19 anos. Ai que já não se ensina geografia como antigamente. Nem história, a bem dizer. Sabemos que o ensino profissional não se coaduna com estas antiguidades, mas caramba, ela e qualquer um de nós que não saiba para onde vai pode, muito possivelmente, apanhar o avião errado. 

2. Enfelizment neve thought niso. (Num trabalho escrito, para quinze dias, apresentado miseravelmente, a partir de uma das perguntas, em inglês, claro, até quando pensas viver com os teus pais.)
22 anos, nível sete. As dificuldades são penosamente compreensíveis quando decorrem de problemas cognitivos e outros. Não têm de saber todos o mesmo, na mesma quantidade e com a mesma qualidade. Mas é aflitivo ver este diabo de língua que nem o mais do que sofrível tradutor online se lembraria.

3.Vídeo de "Earth Song" no CEF para abordar o planeta e o ambiente. Fantástica reação, boa aula, turma de que gosto. No final, passo "Thriller", já que a juventude não deixou que muitos o tivessem visto. O início obriga a estar atento, ouvir o diálogo entre a mocinha e o lobisomem. Sabem que é Michael Jackson.
15 anos e a estocada final: Isto não é a sério, pois não?, perguntado de forma toda ela seríssima. Repetiu a pergunta, no caso da minha cara não expressar suficiente seriedade. Tocou para fora. Sorri. Seriamente.


P.S. Deseducacional, melhor seria.