janeiro 31, 2012

Crime, algo fundamental no meio e castigo

Não vale a pena castigar sem explicar porquê. Sem fazer refletir, explorar ao máximo as razões, as consequências, ouvir as versões todas, tirar conclusões, levar à auto crítica, ao assumir que se falhou, mostrar caminhos novos, apostar numa segunda chance, basicamente refletir e esperar pela mudança de comportamento.
De que falo, concretamente?
Falo dos miúdos, não de crianças, mas dos miúdos que estão na minha, tua, sua, vossa escola sem o saberem estar. Má educação, atitudes inaceitáveis e impróprias na aula, desafio da autoridade do professor quando ela é de direito e justa, agressões verbais ou piores, dentro ou fora da sala, enfim, todas aquelas situações que alunos perturbadores e problemáticos tantas vezes causam.
As participações, instrumentos naturais e muitas vezes precisos, as punições de vários tipos, as suspensões de 5, 10 dias, ou menos, e as expulsões. De nada servem, sobretudo todas exceto a última, pela simples razão de que o aluno se vai para sempre, se não houver uma conversa, uma confrontação, um exorcizar do problema, uma construção de um esquema mental que permita a alteração, mas sentida, consciente, voluntária.
Punir sem nada disto acontecer previamente, todos os envolvidos reunidos, alunos, dts, diretores de curso e mesmo os outros, família se aparecer, numa sessão que se pretende catártica - sem nada disto, dizia, nada feito. Sim, é merecidamente punido mas voltará disposto a mudar, uma disposição vinda de dentro, que é a que interessa? Sobretudo se os miúdos têm vidas completamente desestruturadas, desamcompanhadas, chocantes até?  Pode aqui alegar-se que a reflexão, o diálogo  não é possível com todos, que há caraterísticas indomáveis de uns que não o facilitam, que não o permitem. Não acredito muito isso. É possível dialogar com todos, até com o inimigo. Se depois os caminhos não forem o que nós, positivamente, esperamos à partida, perdemos. Mas não terá sido por não termos tentado.
E se não conseguir ganhar todos, poderei ganhar alguns. Ganharei alguns - pois alguns não se perderão. E isso faz toda a diferença. Atuar é preciso, às vezes urgente, mas compreender também e formar ainda mais. Trabalhar a cabeça. Só assim, de forma absolutamente livre, é que os prevaricadores deixarão de o ser.

janeiro 30, 2012

B-day ou aquele dia



Não sei se celebre ou me assuste com mais um ano no curriculum.
Inclino-me mais para a primeira, ainda assim. 

janeiro 29, 2012

O desprazer


Estou a ler as crónicas de alguém razoavelmente ou até bastante conhecido. Tenho gostado de grande parte dos textos, de acordo com a minha própria sensibilidade, visão das coisas e demais apetrechos pessoais que nos fazem ou não apreciar certas leituras.
Mas ontem entristeceu-me ler algo de que não estava à espera. Não pelo desabafo, porque é legítimo, a liberdade de expressão existe e não pensamos todos da mesma maneira, não pela existência do assumido preconceito, todos nós teremos os nossos, mais suaves ou mais gravosos, mas pela justificação dada. Ao princípio não entendi bem, fiquei confusa, voltei a reler porque poderia ter entendido mal, reli, era mesmo aquilo, sem apelo nem agravo. E a grande deceção - partir do princípio que o nosso prazer tem que ser o prazer dos outros só pode ser uma brincadeira, mas  infeliz. Explique-se, pois.

A pessoa conhecida diz não compreender quem não cozinha. Podia ser pior, claro. Podia ter dito que não compreende quem não gosta de cozinhar e aí abarcava mais gente, decerto, aqueles que, hélas, comme moi, o fazem sem jeito nenhum nem paciência, por obrigação, necessidade,  e não por gosto. Adiante. Tem então um preconceito, dito, em relação a estas pessoas. Também não me parece mal. Também há coisas que não compreendo, porque não partilho embora pense, quero pensar, que tenho algum cuidado em expressá-las, em tom e veemência, de acordo com a hora, o local e outros. O irritante até ao tutano foi ler a explicação - não os compreende porque eles/elas não conhecem o prazer de decompor texturas e sabores, desconhecem e não chegarão nunca ao nirvana do descobrimento que preside ao ato de cozinhar. Ainda por cima, porque gostam de comer. Para, para tudo. (Com acordo ortográfico, sem acento.)

Só porque gosto de arte e pintura tenho que saber e gostar de pintar? Só porque gosto de ler tenho que saber e gostar de escrever? Só porque gosto de cinema tenho que ser atriz e gostar de representar? São precisos mais exemplos para tornar, como se preciso, essa ideia completamente disparatada? Mas se há dúvidas, continue-se. Não vou/vamos compreender quem não faz um determinado número de coisas que a mim/nós me/nos dá/dão prazer? Listemos então mais uns grupos passíveis do nosso preconceito. Assim, e de repente, não entendemos
- os que não nadam e não atingem o nirvana do total relaxamento debaixo de água
- os que não conduzem e não sentem a sensação de poder ou velocidade, máxima ou não, ao volante
- os que não comem chocolate, especialmente o preto, porque não degustam um sabor sem igual ( gelados  também se incluem)
- os que não têm filhos porque não recebem beijinhos ensonados à noite e não apanham mil brinquedos do chão
- os que não dançam porque não exercitam o corpo (e os que não frequentam o ginásio, já agora, ui, esses)
- os que não têm internet porque não sabem o prazer que a comunicação global permite
- os que não ouvem Bach nem Beethoven (ou qualquer outro músico ou artista)  porque desconhecem o que é a (boa) música
- os que não são bonitos porque não se babam ao espelho
- e mais 8698959 grupos que não há tempo nem espaço para isso.

Convenhamos. O meu prazer não tem que ser o dele nem o vosso nem o dela nem o teu nem o nosso. Não me imponhas o teu que tento não impor-te o meu. E se cozinhar é para "ti" uma orgásmica experiência, ótimo. Mas tal facto não exige que todos sintam exatamente isso - ou que queiram lá chegar.  Nem malvados nem coitados. A cada um o seu prazer. A meu bel prazer. Ou até mesmo que não.

janeiro 28, 2012

(A) Boa sorte


Porque é que umas pessoas têm sorte e outras não? Ou, melhor, porque é que umas pessoas têm aquilo a que se chama de sorte e outras não?


Definir sorte é tarefa algo difícil, porque relativa, mas entendamos aqui por sorte aquele sentido comum, o de significar sucesso, ter saúde, não ter de passar grandes obstáculos ou tragédias no amor, na família, na profissão, que quase sempre deixam as pessoas infelizes e perdidas durante algum tempo. Ter sorte será o contrário da aridez da solidão, do caos que é estar desorientado, do vazio que é não ter rumo, da colossal insatisfação de viver, ainda que por um ou vários períodos, temporariamente ou mais do que isso. Ou ainda, e pior, o contrário da dor da doença ou mesmo da morte. De alguém ou de outrem muito chegado.

Mas voltemos à pergunta. Porque é que uns exibem tanta felicidade, sem cortes de dolorosa má sorte, e outros não? A resposta é difícil, extraordinariamente difícil. Mas parece-me, por tudo aquilo que tenho visto, observado, entendido, que ela estará algures na generosidade. Mas a generosidade não se esgota em atos voluntários de quem ajuda os pobres e os famintos, em coisas como dar roupa, sapatos, comida. Que são, naturalmente, precisos e preciosos, e que indiciam, à partida, um caráter bondoso. Mas esta bondade não chegará a sê-la se não se estender depois aos outros que também estão perto, ou seja, aos familiares, aos amigos, aos colegas, aos vizinhos. De nada valerá ter um grande coração quando se pratica a caridade ou a solidariedade social se depois, num círculo mais restrito, se infernizar a vida de outros menos carentes, se se teimar em não compreender outros menos necessitados, se não se cultivar a empatia com outro tipo de problemas e de anseios.

A generosidade não pode ser apenas baseada na ajuda do quotidiano, em satisfazer as necessidades básicas. Ela terá de ser verbal, ela terá de significar abertura, ela terá de ser o oposto da mesquinhez, da inveja, da cobardia moral, da negatividade, da agressividade, da  perversidade. Ela terá, assim, de ir ao encontro de outro tipo de necessidades frequentemente desdenhadas - as espirituais, intelectuais. O generoso é aquele que sente e pratica, também, a dádiva mental. Que me parece ser bem mais difícil de encontrar, as pessoas gostam de dar pão mas não palavras amáveis encorajadoras, sobretudo se os outros não estão abrigados sob a miséria física ou humana.  Não haver desabrigo deste género então já retira qualquer tipo de encorajamento moral, de altruísmo, de solidariedade.

Mas a questão é que os seres verdadeiramente generosos têm, ou é possível que tenham, mais sorte, são mais felizes. E são-no porque simplesmente o merecem. Mas que dizer de crianças que são acometidas por uma doença terrível, que as leva, por vezes, demasiado cedo deste mundo? A maior das crueldades, a maior das desumanidades. Porque uma criança não pode, não podia, ser julgada pelo facto de ser generosa ou não, o seu tempo ainda não lho permite. Pois não sei. Não sei. Aqui é onde não se pode aplicar a teoria do crime e castigo. Ultrapassa-nos, dói, e é profundamente injusto.

De qualquer forma, a pergunta do início refere-se ao mundo dos crescidos, daqueles que tiveram tempo para aprender. E aí a generosidade parece ser, e era bom que fosse, um denominador comum, uma alavanca da felicidade. Mais do que merecidamente. 

janeiro 26, 2012

Incomplete


so many things undone
so many more things not done
so many things yet to be done...
she thought.

and many stories unlived
and many more feelings unveiled
and many projects yet to be lived...
she thought.

many thoughts unexpressed
many more ideas unrevealed
many places yet to be revealed...
she thought.

how many dreams delayed.
she thinks.
still in time? she wonders...

janeiro 25, 2012

Os tiros do presidente

 
O assunto Cavaco Silva tem dominado muitas conversas e troca de opiniões, em público, na televisão, na blogosfera, tem levantado questões, movimentado ações e originado muitas reflexões. Peritos na matéria política e jornalística e menos peritos, cada um, com todo o direito a que assiste a liberdade de expressão, tem comentado a infeliz deixa presidencial.
Não gostando de escrever sobre pessoas em particular, a não ser sobre ícones e referências que me marcam ou marcaram pela positiva, também eu, desta vez, penso poder avançar com a minha em nada perita mas convicta posição face ao homem de quem se fala. Nunca votei em Cavaco, portanto estou mais que à vontade para o poder criticar. Não fui adepta do cavaquismo, não fiz nunca parte do seu séquito de admiradores, e lembro-me de ter sido nessa altura que muitas más medidas foram adotadas no campo da educação nomeadamente, quando me encontrava no começo da carreira. E lembro-me de se estar perante uma governação ao estilo obras públicas de Fontes Pereira de Melo, com muito betão e pouca substância estrutural, cultural e de outros tipos.
Se no governo  foi sofrível, na presidência incomodou-me muito mais. Simplesmente porque não me revi nem revejo no estilo, na atitude, no substrato de que deveria ser feito um presidente. Respeito o cargo e quem lá está, neste caso, mas ele não me representa, e nem sequer passa isso por uma ideologia, mas sim por uma filosofia, uma visão, que não existe. Na verdade, falta a Cavaco tudo o que admiro e considero necessário para tão alto cargo, representativo de toda uma sociedade e uma nação - a envergadura moral e política, a dimensão humanista, o conhecimento universal, a sabedoria de vida, ou de uma vida plena de experiências, de lutas, de conquistas e de aprendizagens. Este é um presidente que possui uma mentalidade porque vivência de quintal.
Há dias li um comentário num blogue de referência que falava da lendária postura tabu do presidente - de como nunca sabe nada, ouviu nada, comenta nada. Estes silêncios cúmplices de tudo e muitas vezes de nada são o oposto da clareza e da transparência que sempre venerei, efeitos de uma ausência de abertura e força moral que depois descamba em momentos e enunciados ridículos, pequenos, inoportunos e, pior, inverdadeiros. As pessoas que querem ser relembradas por serem grandes precisam em absoluto de sair do seu quintal. Na geografia e, sobretudo,  na cabeça.
Não acho que deva sair por causa desta tirada desastrada, de todo. O que me custa foi, por tudo o que disse antes, ele ter sido eleito.

janeiro 23, 2012

Na outra pele


       Há uma dificuldade nítida, evidente, gritante que é a de nos pormos no lugar do outro. E ela, porque omnipresente, surge de forma continuada  se se olhar em redor, e também se se olhar para dentro, para quem o consegue fazer. Esta dificuldade é das coisas mais prejudiciais para o entendimento mútuo, para a compreensão dos outros e para a tolerância em relação a tudo o que não é exatamente igual a nós. É de tão difícil cultivo e, no entanto, seria tão desejável que fosse fácil. Porque esta simples caraterística, a de sentir na pele de quem não somos, eliminaria simplesmente um infindável número de malentendidos, problemas e hostilidades.
        De vez em quando assisto a manifestações de mal estar perante aqueles que, não sendo portugueses, para cá vieram estudar ou trabalhar. Nessas alturas, se com alunos, faço sempre um premente exercício do género incorporação no outro. Imagina que és tu. Se fosses para um país estrangeiro gostarias de ser bem recebido? Gostarias que te ajudassem a integrares-te melhor? Gostarias que te respeitassem e que não vissem em ti uma ameaça a seja lá o que for? Gostarias que não te chamassem nomes? Gostarias que não te vissem nem como malfeitor nem como ladrão de quaisquer direitos? Gostarias que não te considerassem um intruso? Sim... professora, costumo ouvir. E à medida que vou largando as perguntas, o tom do repúdio,  o teor da intolerância, os laivos de racismo vão ficando mais silenciosos, mais serenos, mais complacentes.
         Estes exemplos reais vindos de miúdos perante os quais é impossível deixar de trabalhar a consciência do outro podem, depois, estender-se a tantos mais, incrustados no espírito de quem já passou da fase da adolescência. Porque é que é tão difícil também à maturidade descentrar a perspetiva e tentar perceber o que está por detrás de uma outra visão de algo? Porque é que é rejeitado por vezes tão drasticamente o ângulo de alguém ao lado? Porque é que o nosso prisma tem absolutamente de prevalecer em todas as circunstâncias? Porque não nos esforçamos nós por trilhar o caminho de outrém para que dele retenhamos um outro tipo de experiência? Quantas vezes não seria eficaz, salutar e brutalmente pacificador se o fizéssemos?
         Nos campos da amizade, do amor, da famíllia, do trabalho, da sociedade em geral, da história e da humanidade, palavras como conflito, raiva, discriminação, inimizade, ódio, guerra, rancor, desprezo, crueldade - palavras torpes e não desejadas porque vis - poderiam apagar-se se tu e eu nos puséssemos consciente e voluntariamente no meu e no teu lugar.

janeiro 22, 2012

Quatro casamentos e um bando em fuga


Os quatro signos da liberdade - Aquário, Sagitário, Carneiro, Gémeos.


Os quatro signos do casamento: Capricórnio, Caranguejo, Leão, Balança.



Posto isto, que dizer...?

Ela canta, a ceifeira, será pobre?


A Maria Betânia, e no fundo a falar de si própria, dizia no outro dia que só é feliz quem não tem juízo. Era o título da entrevista e quando a li mais atentamente as suas palavras levaram-me de imediato para o poema de Fernando Pessoa. A ceifeira feliz porque não tinha consciência gravou-se-me na memória quando o li pela primeira vez no último ano do liceu.
"Alegre inconsciência." A ceifeira que canta e ceifa na sua grande simplicidade. Deve ser bom, muito bom, ser-se simplesmente simples. Nada ambicionar, nada almejar. Sem perceber, sem discernir. Não há pensamento, não há análise. Consequentemente, não haverá sofrimento, não existirá infelicidade. Talvez como andar na montanha russa, pulsações a mil, não há tempo para usar o cérebro. Ou como estar debaixo de água, relaxadamente, com todas as ideias submersas. É verdade - pensar dói bastante. Pensar é uma chatice. Pensar é não ser feliz.

Daí que as pessoas com forte consciência sejam no mínimo complicadas. Trata-se de um monumental importúnio. E depois, os simples, os felizes, aqueles que parecem tão felizes, nunca nos entendem, pois não? Eles realizam, executam, ceifam.... E os outros? Têm noites de insónias e são ansiosos. Têm crises de identidade e de existência e de seja lá o que for. São eternamente insatisfeitos. Querem sempre mais e não sabem bem o quê. É aquela simbólica canção do Variações, só estou bem onde não estou porque só quero ir aonde não vou, que sempre me disse muito, que sempre nos terá dito muito. Inquietude, dificuldade em viver o bom no momento e esperar algo indefinido que se quer melhor ainda. Tão tão esquisito, como um bichinho que nos pica e pica e volta a picar, sem cessar. Será de origem geracional, parece que sim, de origem urbana, parece também que sim, de origem conjetural, veja-se o mood português no momento, também assim parece, de origem nervoso-mental, também sim, sim. O lado menos romanesco da vida, para uns, ou o mais dark, para outros.

Contudo, e porque sempre pode haver luz, a inquietação, segundo especialistas como a psicoterapeuta Isabel Leal, é crucial para a vida: o "frémito", a "expetativa", a "tensão", a "vigília são estados psicológicos fundamentais (in Guia de sentimentos prováveis). São eles que muitas vezes permitem o sonho, a criação, a mudança, a própria existência. E, para além disso, como bem o explica Inês Pedrosa nas suas crónicas femininas compiladas, não nos podemos demitir de pensar. Pensar dá trabalho, indiscutivelmente. Pode confundir-nos, incomodar-nos, mesmo. Daí que muitas pessoas optem por não o fazer, por ser bem mais simples cantar e ceifar. Deixam as preocupações para os outros, pedem a alguém que se angustie por elas, escondem-se sob capas de falso otimismo, não se envolvem em nenhum tipo de luta ou reivindicação, menosprezam as questões psicológicas. É tão mais simples. E deve ser tão mais tranquilo.
(...)

Quanto a nós, os conscientes, complexos, complicados, não somos  entendidos por todos, há mesmo quem nunca nos vá entender. Haverá, contudo, pouco a fazer. Nem todos nascemos para, alegre e inconscientemente, usar a voz e a foice nas aprazíveis doiradas e serenas searas deste mundo.

O Recado, ESAP, novembro 2005

janeiro 20, 2012

O correio toca sempre ao meio dia

 
Vi durante anos o canal Travel com aquela curiosidade de quem gosta de ver o mundo e com aquele entusiasmo de quem gosta de viajar para o conhecer. Confinada aos canais infantis a maior parte do tempo em casa, hoje deu para sintonizar o canal das viagens por uns breves momentos. E, logo, a descoberta. A estupefação, a surpresa, o encantamento, a aprendizagem.
Bombaim. Mumbai, para se ser mais correto. Aprendo a palavra "tiffin", ao que descubro, vocábulo anglo-indiano. E logo de imediato fico a saber quem são os tiffinwallah e o que fazem. Na Índia dos infinitos contrastes, das cores e sabores intermináveis, do duradouro bulício das metrópoles, mantém-se uma tradição com mais de 120 anos, a partir da cidade de Pule. Os homens de negócios que trabalham na baixa de Mumbai, representativos da classe média alta moderna, recebem diariamente o seu almoço entregue por estafetas. De manhã, o almoço é preparado cuidadosamente em casa por esposas dedicadas e com tempo para estes paparicos. Os tiffinwallah chegam por volta das 9.30., agarram na cilíndrica marmita de 4 andares e partem depois, bicicleta, comboio, a pé, até conseguirem entregar o especial almoço por volta das 12.30. Trata-se de correio expresso, sim senhor. E nos seus escritórios confortáveis e elegantes, os empresários e demais businessmen degustam a comidinha caseira que levou 3 horas e 3 ou 4 estafetas até ao seu destino.
"Somos Janes, e por causa da religião não comemos isto nem aquilo e para além disso a nossa comida de casa é mais saudável e higiénica, não foi contaminada por turistas." Os estafetas ganham 5 dólares por mês e acham isto um bom negócio. 120.000 pessoas usam este serviço em Mumbai e há cerca de 5.000 tiffinwallah. Expetável surpreendente Índia.
As coisas que há por este mundo. As coisas que não sabemos. As coisas que viajar de sofá permite...

Fitas

Uma colega tinha programada uma aula inteira para a apresentação de trabalhos a cargo dos alunos. Está no fim do módulo e não iria nem poderia avançar sem antes cumprir as horas previstas no mesmo;  para mais esta atividade constituía  o último momento de avaliação antes da atribuição das classificações finais.
Os vários alunos envolvidos, décimo primeiro ano, não apresentaram nenhum trabalho. Nenhum - e não avisaram a professora antes de que não iriam cumprir o estipulado.
Professora na sala, turma presente, apresentações nenhumas, necessidade de reformular na hora e inesperadamente as estratégias para a consecução da aula. Sugestões dos alunos - "Professora, podíamos ver um filme." Sim, um filme, não há nenhum engano. O filme como prémio, pois claro. A irresponsabilidade, o relaxamento, a total ausência do sentido do dever e do compromisso só podem, pois, ser recompensados com um filme. Aposta-se que uma comédia seria, na sua opinião, o ideal. Para descontrair, evidentemente. A professora, essa, só pode desejar que a tirem deste filme. Porque é de terror, óbvio.
Muito bons são muitos, é verdade e felizmente, mas outros nem por isso. É que fitas destas dispensam-se. Passamos, entendem, passamos.
Cut!!!

janeiro 19, 2012

Direitos mais que humanos

Recebido via facebook.
Excelente, excelente vídeo.
Ainda, oportuna e pertinente questão.
Reflexão necessária.
Viagem pelas históricas lutas pelas liberdades.
Incursão pela cabeça de cada um.

janeiro 18, 2012

Assim são os dias



os dias assim trazem nostalgia
os dias assim soltam gargalhadas
os dias assim choram mais do que gostaria
os dias assim glorificam pequenos nadas

os dias assim trazem as memórias
os dias assim saltam alegremente o muro
os dias assim fazem eco das histórias
os dias assim projetam o futuro

os dias assim pulsam cheios de vida
os dias assim param em movimento
os dias assim inundam-se de dúvida
os dias assim clarificam o pensamento

os dias assim nada trazem e trazem tudo
os dias assim são lindos e cerrados
os dias assim são de todos e meus sobretudo
os dias assim não deviam nunca estar errados

porque os dias são assim.

O sonho

A propósito da passagem do aniversário de Martin Luther King no domingo, foi feita na escola uma interessante atividade na biblioteca que passou pela exibição de um powerpoint, de vídeos musicais e outros e ainda por uma exposição alusiva ao prémio nobel e à temática. A escola é multirracial - devido aos protocolos com países africanos de expressão portuguesa - e tem ainda mais sentido relembrar e perpetuar a luta pelos direitos civis e humanos, a partir da cor, como poderia ser a partir de outro elemento qualquer.
Comoventes as lutas, inspiradores os discursos, transformadoras as revoluções sociais. Momentos de profunda introspeção, partilhados por alunos e professores. Momentos de memória e de presente.
Tocantes e inegáveis conquistas. Acabou, porém, o racismo? Ou qualquer outro tipo de discriminação? Obviamente que não, sabemos que não. Ele existe na cabeça de muitos e não será provavelmente nunca possível erradicá-lo totalmente. O preconceito, ainda que justamente repudiado por leis, campanhas, movimentos, avanços sociais e outros, existirá ainda e quiçá sempre na cabeça de alguém que não se consegue libertar por dentro.
Daí que assinalar datas assim seja também criar, ainda, momentos para o futuro.

janeiro 16, 2012

Onde está a felicidade?

Poderá ela coexistir com o desconhecimento, a indiferença? Ou será apenas normal surgir do reconhecimento, do sucesso? A maior parte de nós escolherá a segunda hipótese.

1. Primeiro ano. A C. acaba de chegar. Não conhece ninguém e ninguém a conhece. Trabalha, cumpre, sem grandes rasgos, sem grandes oportunidades, sem grande destaque. Passa despercebida. Está, ainda, a adaptar-se. Não sente uma motivação por aí além mas, naquilo que faz, pensa estar a fazer bem. Tem tempo para a família, para a casa, para si própria. Dorme bem, acorda cheia de energia, sem qualquer tipo de ansiedade, ri, releva, está relaxada. Consegue estar com os amigos, sai, distrai-se, passeia, caminha. Lê, cultiva-se, vai ao cinema. Tem alguma dificuldade em confiar nos colegas de trabalho, ainda não há tempo suficiente para os conhecer, para estabelecer cumplicidades. Às vezes queria poder ter amigos entre eles, outras vezes sente-se à vontade neste anonimato, que a faz desconhecer qualquer tipo de stress.

2. Quarto ano. A C. continua lá, enquanto que outros foram embora. Conhece os colegas e já é conhecida. Estabeleceu, entretanto, uma reputação. Começa a sair do anonimato. Estabeleceu também, e naturalmente, cumplicidades. Continua a trabalhar, cada vez mais - porque está motivada, porque outros de quem gosta a fazem motivar-se. Os desafios começam a surgir. Envolve-se em projetos, porque é convidada ou porque ela própria quer dinamizar coisas. Sente-se cada vez mais útil, mais valorizada, não quer defraudar em quem ela confia. Não quer defraudar-se a si própria. Está feliz no seu emprego, tem sucesso, é promovida. Começa, ao mesmo tempo, a dormir mal, sente um cansaço considerável e permanente, vê menos os seus amigos, não tem tempo para os seus e para si mesma, está mais ansiosa,  impaciente, implicativa. Menos tempo para hobbies, menos tempo para socializar, menos tempo para a arte e cultura.

Onde está, insiste-se, a felicidade?

janeiro 14, 2012

De passagem


Uma frase que me persegue é a que foi dita por Robert Redford quando interpretou Denys Finch Hatton e dançava no baile de ano novo. Dizia, e contrariando a possessividade de Karen - We´re just passing through.
Estamos, verdadeiramente, apenas de passagem. E provavelmente se nos lembrássemos mais vezes desta verdade, tudo poderia ser diferente. Porquê querer controlar, porquê querer possuir tudo e todos, porquê querer deixar marca?  Ele referia-se também à missão a que ela se propôs, a de educar os meninos na sua fazenda africana, e à luta que a desgastava para o conseguir, tendo de enfrentar os preconceitos da comunidade britânica lá instalada. Mais tarde ou mais cedo teriam de ir embora - a colonização, e muito previdentemente, chegaria posteriormente ao seu fim. E Karen partiria antes, para não mais voltar.
A ideia de que estamos de facto só de passagem  pode estender-se para além do contexto histórico e geográfico de indivíduos que estão deslocados no espaço e que um dia abandonarão um território que não é seu ou que não os viu nascer. Pode estender-se, claro, à própria vida. E assim sendo lembra-nos de que não valerá a pena a insistência em lutas desiguais, infrutíferas, tolas.  Mas assim, também, pode dizer-se que não será de todo viver, que a luta sempre dignifica uma vitória, ou que liberta uma injustiça. E que não havendo luta não há real pica. Não sei responder, não tenho resposta. Afigura-se-me que o desejo de controlar é quase sempre terrível, porque inflige grande sofrimento a quem controla. Deixar ir, saber perder, não ganhar, não possuir. Quem o consegue deverá, à partida, ser mais feliz. Porque demasiado envolvimento é sinónimo de canseira, porque nos esfalfamos por uma causa, uma pessoa, um objetivo.  Vejo, e mais nas mulheres, é verdade, esta tendência para tudo não fugir ao nosso controlo. Que as esgota e lhes rouba tempo para serem elas próprias, sem correria, sem competição, sem vaidade, sem orgulho. Sem ter de provar nada. A grande prova seria não ter de provar coisíssima nenhuma.
Nas escolas, porque aí trabalho, nota-se a preocupação das docentes em ficarem com as turmas o maior número de anos possível, para as moldarem à sua maneira, para se escreverem na memória dos alunos que têm. Costumo atirar com esta - a da passagem, crua e nua - e pareço chocar com tal exemplo de frieza e desprendimento. Na verdade, e por muito que trabalhe e me esforce por dar aulas que poderei eu considerar de criativas ou edificantes, sei que não vou deixar marca especial. E é desconcertante ver que isso em nada me afeta. Ninguém é absolutamente insubstituível, muito menos se falamos em trabalho. Novo ano, nova escola, novos professores, a diversidade que faz falta, o esquecimento que muitas vezes acompanha o futuro. Mas eu tenho alunos que ainda se lembram de mim, ele recordou-se do meu nome quando me viu - alguém, entretanto, diz. E dai, indaga-se. Eles seguem lá à frente, com mais ou menos memória, quem sabe um pequeno afeto que possa ainda restar, mas já não farão parte de nós. Sempre achei isso. Não me pertencem, acaba o ano, o curso, o ciclo, a vida segue. E já não estarão connosco. O fim do ano decreta o fim do nosso envolvimento. Do meu porque do deles.
Se fomos importantes? Talvez. Mas não fomos os únicos, nem podíamos, nem queria. Não nos levemos demasiadamente a sério, não pensemos que deixaremos marcas indeléveis, não queiramos dominar e reinar indefinitivamente.  Não quando o futuro não nos pertence. Não quando o tempo não é nosso.

Crime, disse ele


Intriga Internacional

Aqui há dias, ao ler um excelente post num blogue de referência, recordei automaticamente este filme de Hitchcock.
Vi-o há bastantes anos e não mais esqueci a explicação do grande realizador sobre a cena fulcral em que Cary Grant corre aterrorizado e foge desalmadamente da morte, perseguido por uma avioneta que sobrevoa os campos de milho em pleno dia . Dizia Hitchcock que quando se pensa numa cena de crime, imagina-se normalmente um cenário de escuridão, de preferência à noite, um beco sem saída e consequente atrofio de espaço. Idealizou, portanto, exatamente o contrário - um vasto espaço aberto, a clara luz do dia, uma imagem inesperada que viria a tornar-se lendária. Quem pensa morrer no meio do deserto às mãos humanas? Quem espera um assassínio às claras numa paisagem sem fim? Quem se lembraria de apagar um alvo abrigado sob uma forte luminosidade? O mestre do suspense conseguiu, evidentemente, o objetivo - surpreender o espetador e perpetuar na memória uma morte no écrã que poderia ter sido.
Há quem goste de luz, dos campos amarelos, das telas de Van Gogh, do sol que aquece e ilumina, da paisagem seca alentejana, das dunas do deserto, dos grandes espaços. Esta é a única cena que retive do filme de 1959. Percebe-se, pois, porquê.

janeiro 13, 2012

Receita de homem

Modo de leitura:

1- Ler em português do Brasil – essencial porque o texto, a ter alguma graça, só terá se lido (em voz alta, de preferência) com o sotaque irmão

2- Saber que foi escrito para ocupar, impreterivelmente, apenas meia página de um jornal de escola

3- Associar as consoantes mudas presentes aqui à época pré acordo (goste-se ou não, estranhe-se ou não, entranhe-se ou não)

4- Ter em conta o atrevimento e, ok, admita-se, a insanidade da pessoa que escreveu

5- Não ter uma postura demasiado séria, não levar mesmo nada disto a sério, e ainda menos ver esta petite folie como uma afronta ao grande poeta brasileiro (é possível que aconteça, espera-se que não)

6 - Esquecer que há muitos outros textos com o mesmo título - este foi escrito na era pré blogosfera da autora


                    
Assim curtinho, curtinho, sem ter muito espaço, fica bem mais difícil escrever. Mas aí me lembrei do livro do Vinicius que a A. me emprestou faz tempo. E já que é natal mesmo, fica bem falar em receita. Não sou ligada na cozinha não, mas fiquei lembrando o poema onde esse brasileiro dá dicas sobre mulher perfeita. Ao princípio fiquei meio irritada lendo ele porque fala muito em beleza e em haute couture e como isso é fundamental. Depois ele vai percorrendo o corpo feminino e dizendo como deve e não deve ser, medidas e coisas parecidas, fala em perfume e mel, do género. Meu lado pró feminista não foi muito nessa toada não. Mas Vinicius, tou sabendo, foi realmente um apaixonado, um amante das mulheres e da beleza e da estética, de signo Libra, tudo dito, né. Daí que lendo com mais atenção a gente perceba que ele vê mulher como obra de arte mesmo. Há versos, há templos, há arquitectura, greco-romana, gótica… Ele vê mulher como força da natureza, também. Uma nuvem, um rio, uma doce relva… Aí fiquei achando, se eu tou certa na interpretação, que era bonito. Que o poema era, também ele, belo. Deve ser meu lado feminino voando, graça de ave, como ele diz, né.

Mas tem um problema. Minha parte fera, também como ele fala, me fez querer fazer o contrário. Fazer receita de homem. Verdade. Porque não? Se ele pode pra mulher, porque é que eu não posso pra homem? Então fiquei procurando maneira de escrever sobre homem, belo e perfeito com que toda a mulher sempre acaba por sonhar um pouquinho, também , né. Mas realmente venho confirmando que não tenho jeito para poesia não, jeitinho nenhum. Poema bonito e de qualidade sobre homem bonito e de qualidade(s), não tem jeito. Vou dizer o quê? Falar em medidas? Coisa mais sem graça, ficar desenhando gente. E tem mais. Não tem, não pode ter, receita. Na verdade, se ocê quer saber, não gosto de receita, ponto final. Não sei misturar direito os condimentos. Vivo esquecendo coisas. Homem ia sair esturricado de tanta desatenção ao pormenor. É isso aí. Não tou nem aí pra cozinhar o homem ideal. Que é que é isso mesmo, ideal? O melhor é saborear e dizer logo gosto ou não gosto. Tou aí ou não tou. Provavelmente, seria até bem mais fácil ficar dizendo o que não gosto, né. Mas os versos não iriam ser belos, concerteza que não. Então não só não sei versejar, que pobreza, como não sei fazer lista de qualidade(s) humana(s) envolta(s) em não só intelectual como sensual estética. Não sei. Que falta de jeito. Tou até sem jeito.

Agora me interrogo – será que homem que vem lendo esse apontamento, meio literário meio louco, gostaria de ter receita? Será que dava jeito pra ele? Acho que não. (Dava?) Não. Não mesmo, né? A de mulher do Vinicius tem uma certa graça, é engraçada, graciosa até, mas realmente, na prática, não me serve pra nada. Beleza é fundamental? É mesmo? O que é que é a beleza? O contrário de fealdade? E esta, o que é, exactamente? Tudo é tão relativo! Daí que, e verdadeiramente, eu não curta minimamente as indicações de um qualquer manual de estética. Pode até tar escrito artisticamente, pode, sim. Mas cheira a receita. E, tal como a que não queria formatar seu pé, vou dizendo directo. Receita, não, seu Vinicius, receita, não.


Recado (ESAP), dezembro 2005

janeiro 11, 2012

Congelados

É inaceitável o frio que passamos nas escolas. Nós, que vivemos na Europa, um continente desenvolvido, que não é tropical  e que se defende, por isso tudo, dos rigores do inverno.  Pois vivemos, mas não parece. Com temperaturas matinais de -10 graus, não há nenhum sítio para onde se possa fugir e aquecermo-nos num espaço que é serviço público. Se os hospitais, centros de saúde e afins estão aquecidos e muito bem, não é justo que um espaço com adolescentes e jovens que passam grande parte do dia a aprender não ofereça as mínimas condições, agora em pleno janeiro. Não se compreende a contenção de despesas numa coisa que é essencial, básica, de primeira necessidade. O fogo, e no inverno, é um elemento tão necessário como a água, o ar, a terra. Não se compreende que se gaste em coisas supérfluas e que não se invista no obrigatório. E falo apenas em jovens e adolescentes porque se falar em professores, parecerá a muitos egoísmo, capricho de uma classe que só sabe reclamar, que tem que tudo comer e calar.
Estou pela enésima vez fortemente constipada. Não levo, como alguns alunos, mantas e cobertores para a sala de aula, mas terei que considerar levar. Salas viradas a norte, numa zona à beira mar, extremamente húmida e cercada de floresta, deixaram-me a tiritar de frio, num desconforto físico que outros partilharam e partilham, num descontentamento emocional que não motiva passar o portão. Gela-se por fora e por dentro. E lamenta-se a ausência de decisivas soluções, de aquecimento, de aquecedores, de tudo o que ponha a escola confortável e saudável. Um médico dizia-me ontem - não sei como é que vocês aguentam, estou gelado. E ele tinha, surpreendentemente ou não, um aquecedor ligado na sala que lhe foi destinada para ver os alunos. Era, por engano, a minha sala. E dos meus alunos. Ao sair, levou o aquecedor, não se esqueça dele sr doutor, e levou o calor, o humano, fruto da sua compreensão, e o físico, para meu inadmissível mal estar. E ali continuámos a enregelar.
Inacreditável, num país europeu, numa instituição pilar, num mês invariavelmente gélido de manhã, como se tem de suportar o máximo frio no exercício do ensino e da aprendizagem.  
Eles não sabem - sabem? - o frio que passamos nas escolas. Ou pelo menos o frio que eu passo.

Offline

Sinto que sei pouco, muito pouco, que gostava sempre de saber mais. Ao mesmo tempo, há coisas que não quero saber, ou meandros ou submundos a que não me interessa pertencer. E que é impossível saber tudo, ver tudo, ler tudo, a menos que não se tenha real vida para além do conhecimento.
Gosto de saber, de aprender, de ler (com) os outros. Mas a minha insatisfação por saber tão pouco no meio de quem sabe tanto, transformar-se-á em alegria daqui a pouco. Vou buscá-lo à escola, vou sorrir com as suas pequenas novidades, vou irradiar felicidade perante o seu rosto iluminado, vou aproveitar a luz do dia e passear atè à praia, afinal é já aqui ao lado, vou mergulhar na natureza que revitaliza o meu corpo e a minha alma, vou correr na areia e inspirar o cheiro do mar, ver as ondas rebentar violentamente em janeiro. Porque viver não é só saber e pensar. Também é, e como nos equilibra, experienciar e sentir.

Online

Agora que comecei, aos poucos, a entrar na blogosfera, que admito estar a ser-me viciante, encontro-me frequentemente a tecer considerações para mim própria acerca do que vou vendo.
Há uma panóplia gigante de estilos, de pensares, de sentires. E, assim sendo, gosta-se, naturalmente, mais de uns do que de outros. Há coisas muito diferentes, nomeadamente a nível de conteúdos, que se procuram como enriquecimento, como aprendizagem, pelas referências culturais que exibem, pelos conhecimentos que queremos, também nós, conhecer. Depois há estilos que perpassam afeto, serenidade, visão e que são, por isso, os mais perigosos - fazem-nos voltar a eles permanentemente, pelas boas, equilibradas reflexões que permitem, não conseguimos passar sem eles. Há, também, uma coisa chamada humor que só valoriza qualquer estilo. Aligeirar, não ignorar, só traz benefícios a um país triste. Pode haver ainda aqueles com os quais nos identificamos, uma escrita que discorre sobre as coisas que nos interessam e que nos dizem, também a nós, muito. Mais à frente, encontramos as abordagens um nadinha primárias, pessimistas, fechadas, que podem repelir quem acredita na luz e, pelo contrário, atrair quem prefere as histórias das trevas. Podem ser interessantes, importantes, mas a precisar de mais confiança e esperança. Há linguagens, inevitavelmente. Da parte de quem escreve e da parte de quem comenta. Umas que primam pela elegância - como as prefiro - outras que nem por isso. Nestas, as palavras são ofensivas, feias, grotescas até, e quantos de nós não preferimos o belo?
Trata-se, pois, de fazer escolhas que vão ao encontro do nosso sistema de valores, da nossa noção de estética, do nosso sentido de humor, da nossa perspetiva da vida e dos outros, do nosso esquema mental, da nossa forma de gostar (d)e viver.

janeiro 10, 2012

"ALOUIN"

Hoje, em plena aula, um aluno CEF Tratamento e Desbaste de Equinos (sim, sim, dou aulas no centro hípico da escola) referiu-se a mim como a professora Alouin/Halloween. Soltei uma vibrante gargalhada e achei, espantosamente, mais graça que os colegas da turma (são muito leais, meus queridos). Respondi que já que ele, na prática,  me estava a chamar bruxa o iria transformar em sapo. "Ok, then I`m changing you into a frog", disse, gesticulando com as mãos ao melhor estilo de quem vai fazer uma bruxariazinha. "O que é frog?" - surgiu, claro. "É sapo, estúpido".
Como sou tutora do criativo adolescente que vive, diagnóstico feito,  no mundo da lua, agendámos a nossa sessão semanal para daí a uns minutos, depois de acabar a aula e quando voltasse a tocar para dentro. Encontrava-me já num gabinetezinho que por sorte encontrei vago quando ouço, no corredor, o meu tutorando perguntar, novamente, pela professora Halloween. Duas colegas responderam-lhe que esse não era o nome, se ele não sabia pronunciar o nome da sua docente de Inglês. Respondeu atrapalhadamente que não, "não sei dizer o nome da professora". Fui em seu auxílio, porque estava deveras envergonhado, enquanto todas nós caíamos em soltos e estridentes risos que ecoaram por ali fora.
Como se calcula, não foi a primeira, nem será a última. Mas o puto está, infelizmente, mais que enganado. E perante isto, tenho que informar aqui e acolá, hoje e amanhã, que não sou bruxa nem sequer aprendiz, com grande pena minha. É que, a bem dizer, não consegui nunca adivinhar os números de jogos cujos prémios são, vá, quantias extremamente simpáticas em dinheiro. De igual  forma, e apesar do grande esforço, não tenho conseguido, e gosh como seria portentoso, livrar-me de tudo o que é indesejável.

janeiro 08, 2012

Sob o signo do camaleão



Ela tem, de facto, ascendente em leão. Mas independentemente disso, claro, ou não, para os astro believers, é, de longe, a grande atriz do nosso tempo. Que não se impôs por nenhum tipo de beleza fulgurante e menos ainda sexy, mas que se transforma magistralmente com os papéis mais que diversos que faz. A metamorfose física é brilhantemente acompanhada de um recurso linguístico incomum, capaz de lhe dar sotaques e pronúncias que nos fazem acreditar na total encarnação das personagens. Estas são muitas, marcantes, antológicas, aliando sempre uma grande sensibilidade ao humor, à coragem, à dor, à alegria, à ternura, à vivacidade, à criação.
Relembro-a hoje por causa do novo filme sobre a dama de ferro. Vi o trailer e fiquei cativada - soou tão british, tão convincente, tão poderosa. Tenho inclusivamente receio de vir a desenvolver uma simpatia pela primeira ministra britânica que nunca nutri. Por causa de Meryl, claro.  Será muito difícil não resistir ao lado humano e autêntico que empresta às suas performances. Ainda me lembro, como se fosse hoje, do efeito karen blixen e áfrica que se me infiltrou na memória e na vontade, da  fascinante experiência geo romântica que gostaríamos, talvez quase todos, de ter. E doutras figuras femininas de eleição que interpretou e que nos deixaram rendidos.
Uma maravilhosa atriz. Thank god, como tem podido e sabido alimentar, ao longo das últimas décadas, a nossa cinefilia.

janeiro 07, 2012

À letra

A - audácia
B - brilho
C - criatividade
D - descontração
E - expressividade
F - futuro
G - generosidade
H - humor
I - irreverência
J - jovialidade
K -
L - liberdade
M - modernidade
N - naturalidade
O - originalidade
P - positivismo
Q - qual idade
R - romance
S - sensibilidade
T - teatralidade
U - universalidade
V - visão
W -
X - xenofilia (por oposição à fobia)
Y - yin yang
Z - zodíaco

P.S. Não há nada significativo começado com essas 2 letras. Havia, pelo contrário, muitas palavras que ficaram por escrever em grande parte das outras.

Vamos dançar?

Numa recente festa em casa de uma árabe que vive aqui dei por mim a pensar que não temos na cultura portuguesa um tipo de música que nos ponha imediatamente a dançar e a exibir uma alegria que se possa equiparar àquela a que assisti aos primeiros toques de música do Norte de África. Não a conseguindo sentir como os convivas conterrâneos e geo vizinhos da antifriã a sentiram, imaginei-me, depois, eu própria no estrangeiro, a dar uma festa onde pudesse mostrar o ritmo e a dança do meu país. Tarefa difícil. O fado sentimento e alma que também sou não é dançável e é, admita-se, triste e a obrigar à quietude própria de quem o quer  ouvir e sentir.  Tendo sempre detestado o tipo de música pimba que aqui passam nos casamentos, arraiais e festas estudantis - que sempre me deixaram imóvel ao melhor estilo wallflower -  não consigo encontrar, e provavelmente por falha minha,  música portuguesa que seja marca cultural e, ao mesmo tempo, forma de expressão em dança, exultando em som, alegria, movimento, festa. Agradecia que me lembrassem de música assim, que possa alegremente passar quando for a minha vez de receber os amigos e conhecidos de além fronteiras. Uma música que me deixe orgulhosa, que perpasse alguma paixão, que possa seduzir os convidados. Que os faça admirar com dançável júbilo a cultura lusa em exclusivo. Gostava muito e receio não haver. Mas pode ser só minha distração, incultura musical e má memória. Fico à espera, verdadeiramente, de sugestões de quem me possa alegrar uma receção cultural que pretendo ritmada.

janeiro 06, 2012

I am Joaquin

Conheci-o como Commodus, numa interpretação fabulosa do imperador perturbado que não soube ser filho nem irmão. A maldade da personagem não ofuscou o talento e um rosto que acabei por apreciar. Nascido numa família de hippies, irmão de River Phoenix, ator em vários filmes interessantes, revelou-se como cantor na biografia de Johnny Cash adaptada ao cinema. Walk the Line reforçou-lhe a fama de talentoso, bem como a de galã vegan e virado para as questões do ambiente. Um dia anunciou que deixaria de fazer filmes para se dedicar à música rap. Mudou completamente a imagem, mostrou comportamentos inesperados em público, estava a fazer um filme sobre um rapper dirigido pelo cunhado, e deu aquela maluca entrevista no programa do Letterman, que fui ver, claro, no youtube. Foi chamado de drogado, doido, considerado perdido. Voltou ao programa um ano mais tarde, imagem clean novamente, sorridente. Tinha sido uma paródia, a criação do rapper, para publicitar o filme. Há quem diga que sim, quem diga que não. A ser verdade, essa entrevista foi de uma genialidade incomum. Faz parte dos meus favoritos. Há ali uma sensibilidade, uma inquietude, uma profundidade qualquer.



(I am Joaquin é um famoso poema do hispanoamericano  Rodolfo "Corky" Gonzales, sobre a e/imigração chicana nos EUA.)

janeiro 05, 2012

Stop ou como era bom acabar com isto


Vamos mal em matéria de prioridades. E vamos mal nos valores passados em casa.
Na escola onde leciono há um sistema de empréstimo de livros desde que lá estou para fazer face às dificuldades económicas dos alunos e às despesas que sempre acarreta a compra de manuais escolares. Os alunos têm de entregá-los, e em boas condições, no final do ano letivo, o que nem sempre acontecia. Vai daí que este ano tiveram de pagar uma caução por cada um deles, no valor de 5 euros.
Alegaram que não podiam pagar (a maior parte das turmas precisará apenas de 3, 4 manuais). E foram adiando, mais por preguiça e relaxamento, o empréstimo. A capacidade de imaginação e de trabalho dos professores, mais uma vez, foi salvando a situação - fotocópias, recursos a powerpoints, listenings, vídeos e demais tecnologias, escola virtual). Alunos aplicados, entretanto, nem sequer o compraram na escola - arranjaram-no prontamente, fora, nas livrarias, ou, havendo reais dificuldades, e apesar dos subsídios, por intermédio de amigos ou familiares.
Hoje perguntei pelo livro - é janeiro, as aulas começaram em setembro. Vários, imensos alunos continuam sem manual para trabalhar na aula. Está metade com, metade sem. Estratégias reformuladas na hora, aulas que não são como deviam, atenção dispersa, o velho filme de quem recusa aprender. Mas o pior não é isso. O pior é mesmo não terem dinheiro para os livros. Na maioria dos casos de que  me apercebi: portáteis, telemóveis, iPads, consolas, playstations, sapatilhas nike, marcas e marquinhas, cavalos. Sim, cavalos. Deu-me, assim, a bem dizer, uma cólera que não queria tão súbita. A progenitora acabou de lhe ofertar uma égua, decerto para juntar ao cavalo da menina que está nas boxes do centro hípico da escola, não vá este sentir-se sozinho.
Claro que os livros escolares devem estar em segundo, quarto, vigésimo-segundo, centésimo, último lugar. Primeiro o entretenimento e a equitação. Os tempos livres, caramba, moldam o nosso caráter e potenciam o nosso percurso profissional, pessoal e mais ais que tais. Eu cá também acho que não devia gastar alguns muitos euros em fotocópias, quando a reprografia está fechada em horário que devia estar aberta, nem tinteiro em casa. Não sei se comprava um cavalo mas podia comprar, por exemplo, um camelo, afinal sempre é mais exótico e eu sou dada a paisagens do deserto.
Vai-se mal no mundo dos animais racionais. Que racionalizam muito pouco e assim deseducam brutalmente os mais novos. Comprar um dicionário de inglês? Não, não dá, os pais depois não podem comprar um nokia topo de gama ao menino. Ai, estas prioridades. Não as entendo e como são difíceis de entender.

janeiro 04, 2012

Ir

Inaugura-se hoje um capítulo que projeta vontades ou traduz apenas pequenos gostos e preferências.


Dias assim no céu e na estrada fazem-me o gosto pelo ir. À procura de um lugar que não mora aqui. Demorar-me por lá até ser obrigada a voltar.

Drama

Sempre gostei de linguagem cinematográfica. Por isso, talvez, aprecie tanto um género provavelmente pouco apreciado como leitura- o texto dramático.

Como não sou dada a poesia nem sou fã de longas descrições, este tipo de texto dá-me aquilo de que gosto - a intriga, a ausência de interpretação das personagens, o ritmo direto dos diálogos, o cenário suficiente fornecido pelas didascálias, uma certa intensidade em crescendo. Gosto das tragédias, sim, não tanto ou nada as comédias, para mim tem que haver alguma espécie de drama na arte, passando obviamente pelo cinema, a primeira forma para mim, a sétima está muito longe da minha aficcion.

Por altura da universidade, devorei as obras de Tennessee Williams e as de Bernardo Santareno, entre outras. Achei sempre que partilhavam traços em comum - a tal intensidade dramática, o brotar de paixões primárias, uma certa tensão sexual, personagens que simbolizavam tipos psicológicos, finais abruptos e com forte impacto, muitas vezes carregados de perda, de dor, de alienação. Belas e intensas histórias, muitas histórias.
Pude ver algumas destas obras adaptadas ao cinema, concretamente as do dramaturgo americano. O fulgor manteve-se, muitas vezes reforçado pelo carisma dos atores envolvidos, e pelas técnicas sedutoras que o cinema pode exibir. Quanto a Bernardo Santareno, marcou-me sobretudo a leitura de A Promessa enquanto ainda era miúda, já que esse livro estava na estante lá em casa, e foi dos primeiros que li, fora dos livros para crianças e meninas.  Não vi nunca a sua adaptação cinematográfica.

Quando fiz o meu estágio, escolhi lecionar o texto dramático nas aulas assistidas que faria a Português. Lembro-me de me deslocar ao teatro local, em Espinho, e recolher material, gentilmente cedido, que pudesse mostrar aos alunos e que aproximasse as leituras deste tipo à encenação e ao envolvimento da plateia que o teatro pede. Também recordo ter elaborado uma espécie de guião que os alunos seguiram e reponderam à medida que visionavam um vídeo sobre a representação teatral. E a paixão que foi encenar tudo, também eu, afinal, prestava provas frente a um público muito específico.

Gosto de teatro, pois. As idas ao teatro não são, lamentavelmente, muitas - viver longe da capital, em que uma peça pode estar meses em cartaz, com todas as vantagens que isso significa, equivale a uma oferta teatral muito limitada, sobretudo no tempo. Vem aquela peça naquela noite, esgota e depois vai-se. Pena a calendarização não permitir muitas mais hipóteses, porque o teatro eleva(-me) a alma, potencia leituras da vida em direto e reduz tudo naquele momento de catarse. Ir ao teatro é crescer intelectualmente. Ele combina, de forma brilhante e imediata, cultura e entretenimento. Dos melhores lugares onde se pode estar.

Dramático é sinónimo de teatral, e uma peça é muitas vezes adaptada com grande mestria ao cinema. Por isso tudo, gosto, francamente, de (um bom) drama.

janeiro 03, 2012

Vai onde te leva o inglês


Já há algum tempo mas não muito, numa das raras vezes em que me encontro em casa pelo fim da manhã à semana, pude entrever, para meu terror, um bocadinho do inenarrável programa da tvi que ocupa esse espaço matinal.
O horror tomou-me de assalto numa rubrica que penso que tinha a ver com qualquer coisa relacionada com os cromos de Portugal e, à partida, seria para ter piada, portanto. Mas ele há cromos e cromos. Estava no friso arranjado para o efeito o Nuno Markl, cuja intervenção perdi, uma aspirante a estrela decadente, Arlinda Mestre, penso que o famoso playboy algarvio, e aquela figura que não vou definir aqui chamada Tino de Rãs. Foi este que, infelizmente, pude ainda ouvir e foi aí que se deu a grande exasperação.
Dizia o grande cromo, de acordo com o alinhamento daquela espécie de talk-show, não sou eu que o digo, pois, e a propósito de não sei o quê, repito que apanhei o infeliz programa assim para o meio ou para o fim, não continuei a ver, claro, dizia ele que não queria e nunca quis aprender inglês, nem nenhuma outra língua estrangeira já agora, porque não tinha nada que falar uma língua que não é a dele e que não "lhes" dava esse gosto. E acrescentava, convicto das suas grandes ideias, que os ingleses também não falavam o português e que ele não tinha obrigação nenhuma de falar a deles. Que não eram mais importantes do que os outros, etc, etc, nem adianta reproduzir muito mais. Mas, é possível que em pleno século XXI ainda haja quem pense assim? Claro que é. Há e pronto.
Infelizmente, também eu tenho encontrado alunos, ao longo destes anos, que revelaram ter exatamente a mesma opinião. Em vez de verem o domínio de uma língua estrangeira, neste caso o inglês, cuja importância global é inegável e tem sido crescente, como um instrumento preciso e precioso para a comunicação e troca de saberes a nível mundial, não - colocam a sua aprendizagem como contrária aos seus desejos e, mais e pior, como atitude servil perante os nativos de sua majestade. Ora, o inglês não é de Inglaterra, Grã Bretanha, Reino Unido e demais Ilhas Britânicas, nem sequer dos E.U.A. Neste momento, pertence a quem o fala, nos quatro cantos do mundo, e permite muito mais do que exportar modelos culturais em que porventura não estejamos interessados. Permite que as pessoas viajem, aprendam, evoluam, troquem experiências, promovam a sua identidade, apresentem ideias, saibam mais e estejam mais atualizadas. Permite isto tudo e muito mais. Nos jantares a que ocasionalmente vou e que englobam pessoas de nacionalidades várias, cheguei a contar 20, a ponte é invariavelmente feita em inglês. O francês aparece, sim, alguns dos países envolvidos são francófonos, (mas) em mini círculos.
Não é entendível que alunos que estejam a estudar uma língua estrangeira a vejam como uma forma de tortura e imposição de uma outra cultura sobre a sua e não como passaporte para muitas possibilidades. Digo-lhes sempre que falar uma língua estrangeira é um privilégio, e que não se atraiçoa a língua materna por o fazermos. Quem aprende português, por esse mundo fora, dá-me uma grande alegria e não está a trair a sua identidade cultural por fazê-lo. Pessoalmente gostaria de me expressar e compreender (em) mais línguas, o meu francês ficou-se pelos conhecimentos de liceu e embora fale não entendo a pronúncia  forte, a rapidez e os vocábulos novos, a gíria, o calão. E não se presta vassalagem a ninguém por causa disso, apenas se abrem muito mais portas, em vários domínios.
Os nacionalismos exacerbados, que denotam muita falta de abertura e ausência de fraternidade intercultural, só podem conduzir a comportamentos fechados e intolerantes. Este tipo de comentários, tacanhos e incompreensíveis nos dias de hoje, são ecos de uma mentalidade que recusa a comunicação, o diálogo, o espirito universalista. São pobres, profundamente pobres. Nestas alturas, acabo a explicar aos alunos que sofrem desta patologia que se o inglês se impôs foi porque países com grande poderio económico, político, cultural e outros o conseguiram, aparte as tendências de politizar a geografia e a cultura. É um facto, a história faz-se e não adianta fazer considerações para além disso. Está aí para ficar, é útil, é necessário e é salutar falar mais do que a nossa língua. Se todos falassem mais do que a própria língua, haveria mais tolerância e compreensão. Porque muitos dos problemas entre os povos advêm da incomunicabilidade, do desconhecimento, da ignorância que temos em relação aos outros.
Pude, uma vez, passar para além da porta no cockpit de um avião turco, a sobrevoar a Sardenha, sentar-me ao lado do piloto, pegar no microfone e falar para os passageiros porque a tripulação se apercebeu de que que falava inglês. Esta pequena história diz bem que podemos viver aventuras e coisas boas se conseguirmos comunicar. Recorro, pois, a esta história para dizer aos alunos que falar inglês, neste caso, repito, pode abrir muitas possibilidades. Mesmo se for por uns breves minutos, a bordo e a não sei quantos mil pés.

janeiro 01, 2012

chamar o nome




toda a gente tem nome e contudo não tem. ou seja há nomes que abrem tudo e nomes que não abrem coisa nenhuma. há nomes belos, há nomes sonantes, há nomes nacionais e estrangeiros, há nomes mistos, há nomes que soam bem, outros que soam mal, nomes de que gostamos e nomes de que não queremos saber. há nomes que foram mudados, por vontade própria ou por imposição, para dar mais charme ao nome, torná-lo mais suave, mais apetecível, mais rentável. há nomes que se veneram só pelo nome e há nomes que nunca chegam a ser venerados mesmo se o conteúdo sem nome pudesse ser  interessante. há nomes que ficam, outros que apenas passam, nomes que vivem e não morrem, nomes que estão mortos mesmo em vida, nomes que nascem com força e nomes que lutam. há quem chama pelo nome e há aqueles que nunca dizem o teu nome. sem nome não. não ter nome é a grande chatice.