fevereiro 13, 2011

Portugalidades II

             Disse então na mensagem anterior que os portugueses se demitem das suas responsabilidades cívicas. Com isto estava a dizer que são pouco interventivos, preferindo queixar-se do que actuar em conformidade com as exigências das circunstâncias. Estava-se obviamente a falar de política mas pode-se alargar este comportamento ao dia-a-dia laboral, já que, nos momentos em que é preciso tomar uma posição, os portugueses optam, sim, mas pelo silêncio. Passa-se a explicar.
            Terei de me circunscrever ao meu próprio trabalho, pois é o meio que observo. Durante anos e anos o que tem feito a maior parte dos intervenientes nas reuniões? Obviamente, calado. Calado, no sentido em que fazem apenas balanços positivos das actividades, pois claro, como convém, e depois, sugerindo mais actividades em que, lá está, não pode faltar o tão portuguesinho culto da gastronomia. Almoços, lanches, pequenos-almoços, chá e queijos, churrascos, bifanas, e que mais. Atente-se que não estou contra nada disso. De todo. Não escapando à minha condição de portuguesa, também sei apreciar uma bela iguaria, oh se sei. E, obviamente, que a animação e convívio decorrentes são salutares. São. Não são? Claro que sim.
             Mas o que quero dizer é que a nossa participação nas reuniões se baseia em organizar momentos para alimentar o corpo, agora quando é preciso que o espírito dê o corpo ao manifesto (passe o pleonasmo) aí sim a coisa muda de figura. Aí os intervenientes calam-se. Quando têm de reflectir e de dizer o que pensam, fazendo intervenções de cariz mais político, e assumindo uma postura mais individual, quiçá, oh meu deus que silêncio.  Porque os portugueses gostam de estar abrigados no conforto do colectivo. Esticar o pescoço e arriscá-lo sozinho(s), isso é que não. E é uma pena.
             Porque as reuniões de trabalho são dos espaços mais privilegiados que temos para reflexão, conjunta ou não, e temos de saber aproveitá-los para mudar as coisas quando é preciso ou possível ou então somente para dar o nosso parecer. Estes momentos em que as pessoas reunem devem servir para o melhoramento das condições de trabalho e/ou outras e precisa-se da colaboração de muitos para o tornar praticável, esperançosamente. Quem se remete ao silêncio e pensa como nós não está a ajudar a construir a força que é precisa em muitas situações. Medo, indiferença, dissimulação, futilidade, comodismo, falsa cooperação, ignorância? Bem... nada disto é positivo. Quero acreditar que será por uma outra razão, mais abonatória como, por exemplo, pressa. Pressa em acabar a reunião e ir para casa. Até entendo, se for este o caso, as pessoas também se fartam de tanta solicitação. E o cansaço... Isso é notório. Mas uma reunião só é verdadeiramente interessante se houver a tal intervenção. Confronto de ideias e troca de opiniões.
             É que sou um bocado politizada. Entrar sempre  mudo e sair sempre calado não faz história. Claro que "falar" nem sempre é bem visto porque se tende a pessoalizar as tomadas de posição, vendo-as como contrárias e até desafiadoras ao sempre desejado bom e harmonioso trabalho sob uma gestão qualquer, quando não é nada disso que se trata. O que está aqui em discussão é esta permanente não intervenção dos portugueses, este deixar rolar, comer e calar, (talvez) sofrer em silêncio, qual herança salazarista cujo fado parece não ir embora. Que começa no quotidiano de todos nós. Figuras secundárias num filme que também deviam protagonizar. Não agarrar o momento, the spotlight...
           E, se bem que é preciso saber dizer, quando e onde, é uma pena, repita-se, que não sejamos mais exigentes, sob pena de mantermos o status quo que, possivelmente, não nos agrada por tempos indeterminados e de não ousarmos renovar, reinventar, reciclar, redirecionar, rever, restruturar...ou não. Pode ser que estejamos a opôr-nos, também, a uma mudança que não é desejável nem aceitável. Mas sempre a bem, em princípio, de muitos. Ou então podemos estar sós. Mas ao menos dissemos o que sentíamos e pensávamos. Interviemos, porventura fizemos pensar, e sem intenções obscuras, como atacar ou desestabilizar. Temos dito.

fevereiro 10, 2011

Portugalidades


Uma colega há uns anos afirmava, de forma simpática, que, nos meus textos, não dizia nada de novo. Concordei com ela, embora isso não me impeça de dar a  minha perspectiva e quiçá o toque pessoal. Desta forma, aqui vai mais um texto desse género. Novidade não será mas sempre sou eu a dizer.
Já ando há algum tempo para comentar a forte abstenção verificada nas eleições presidenciais de Janeiro (e também noutras eleições anteriores). Forte e lamentável, diria. Viver em democracia significa, entre várias outras coisas, poder votar. Por esta e outras liberdades houve muitos batalhadores, muitas lutas e muitas conquistas. Dirão os abstencionistas que não votar é também um direito que lhes assiste. Que é uma escolha pessoal, fruto do livre arbítrio que preside ao cidadão de nações democráticas. Até certo ponto, posso mesmo ter de anuir. Contudo, e apesar desse direito existir, não tenho propriamente de concordar com ele.

Os alunos podem faltar à aulas, o funcionário pode faltar ao trabalho, está nos seus direitos. Pois claro que está. (E, note-se, não estamos a falar de doença.) Mas, de forma massiva e continuada, torna impraticável a aprendizagem, a produção. Não se ajuda a construir o que quer que seja. Ora afigura-se-me que não votar, crónica e maçiçamente produz exactamente o mesmo resultado, ou seja ajuda a desconstruir, a não decidir, a não intervir,em última instância, a não actuar.

Esta demissão dos cidadãos de se responsabilizarem também pela escolha dos dirigentes não pode ser positiva. Até porque depois não lhes dá o direito de continuarem a dizer que nada muda, que tudo está péssimo, que todos são iguais. Resisto a esta visão eminentemente negativa da política. A mudança é sempre possível. Sempre o foi e sempre o será. É preciso primeiro acreditar e depois intervir. Por entre convulsões ou mais ou menos pacificamente, houve regimes que caíram, líderes que foram afastados, políticas que se alteraram, mudanças sociais que tiveram lugar, economias que mudaram. Tem sido assim o curso da história da humanidade.

Cair em pessimismos nihilistas e posições meramente anárquicas parece-me descabido e contra-producente. E também não quero acreditar que todos são iguais. Ficaram na história nomes, figuras que em muito contribuiram para o progresso das suas nações e para a melhoria das condições de vida e dos direitos humanos. Não se pode generalizar a corrupção, a mentira, a fraude, o autoritarismo. É preciso sim erradicá-los. E para isso nada como opinarmos nós em matérias como governação. Que o protesto não se transforme em indiferença. Está nas nossa mãos, pois, escrevermos os compêndios de história.

fevereiro 05, 2011

Cavaleiros das trevas

De cada vez que há um acontecimento que o justifique, lá navego pela internet  para ver os comentários postados às notícias. Que experiência aterradora, diga-se. Para além de não saberem escrever português, nem saberem pontuar, o teor medíocre que os comentaristas colocam nas suas opiniões põe-me doente. Ena tanta ignorância, tanto preconceito, tanto ódio. Donde vêm estes maus fígados, estas frustrações, este mal-estar com tudo e com todos? Emotividade violenta, virulenta, acompanhada das mais puras das irracionalidades. Como explicá-las? E, sobretudo, como digeri-las?

Ter sentido crítico, ter e expressar opinião são direitos fundamentais. Emitir opiniões diferentes, idem aspas. Mas há que discernir o bem e o mal, também naquilo que pensamos e que apregoamos. Sob pena de queremos validar coisas inaceitáveis e contrárias aos direitos, também fundamentais, dos outros. Há pontos que são claramente condenáveis. A discriminação, o racismo, a xenofobia, a violência, o ódio e outros que tais não são bem vindos nas sociedades ditas de direito, nos tempos modernos da civilização, num mundo, apesar de tudo, mais desperto para a opressão e sofrimento do outro. Liberdade, sim, sempre, mas com valores. Éticos e construtivos.

Ler comentários medíocres cujos autores se escondem sem rosto muitas vezes por detrás de alcunhas virtuais é penoso, triste e revoltante. Ver como instintos básicos ainda populam indivíduos no século XXI e como são veiculados online, na segurança do anonimato. Nessa altura, uma forte intolerância parece tomar conta, também, de mim. Ir por aí fora com uma varinha mágica e extinguir esses pensamentos, essas crueldades, esses cavaleiros destrutivos mergulhados nas trevas. Mas sendo contra as formas de violência mais primárias e gratuitas, resigno-me a irritar-me em silêncio, primeiro, e a denunciar, depois, comportamentos que estão para lá da minha sensível compreensão. E vou sempre esperando, pois claro. Esperando que se faça luz.

Uma amiga aqui há tempos dizia para eu, pura e simplesmente, não ler. Compreendo o que quis dizer e tem razão. Mas, lá está, esperançosa como sou volto à carga, esperando que apareçam almas iluminadas que saibam construir, de forma racional, aberta, informada, humanista, equilibrada e responsável, ainda que crítica.

fevereiro 03, 2011

Feminilidades

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Um dos filmes de que gostei muito foi "A Idade da Inocência". Não só porque habitualmente aprecio filmes de época, como também gosto de um romance impossível (só) na tela como ainda pelas personagens que, de alguma forma, me transmitem alguma coisa de inesquecível. A personagem da Madame Olenska poderá ser uma delas. E dei por mim a pensar que a escritora, de cujo livro se adaptou a história no cinema, Edith Warthon, é aquariana. E assim sendo teria invariavelmente de tocar o tema da liberdade e do inconvencionalismo, precisamente através da personagem da Michelle Pfeiffer, que de resto a interpretou com sublime sensibilidade. E passado alguns momentos, recordei outra heroína cuja escritora também é aquariana, Kate Chopin, e cujo livro "O Despertar" remete para a (re)conquista dessa independência e para os comportamentos livres  e sem amarras ao estipulado socialmente.

Foram dois livros que li há bastantes anos, portanto. As suas personagens femininas, protagonistas, têm de facto muito em comum. Recusam-se a levar os seus casamentos por diante e adoptam uma nova vida quando já não há laços verdadeiramente afectivos a segurá-los. Colidem, de alguma maneira, com a sociedade em que se movem. Mas, e curiosamente, são também enormes heroínas românticas. Por amor, por esse amor verdadeiro a que aspiram, acabam por fazer o contrário da heroína independente, forte, despojada, vanguardista, sem preconceito e profundamente inconvencional. Em The Awakening, Edna, depois de viver para ela e não mais só para a família, suicida-se quando é rejeitada através de um bilhete. Em The Age of Innocence, Ellen renuncia ao seu amor, volta para o marido que não ama e que a trai para, altruisticamente, não estragar a felicidade de sua prima. Portanto a sua independência e liberdade esbarram no verdadeiro amor, impedindo-as este de prosseguirem com o corte de um passado que não as fez/faz minimamente felizes. Uma contradição que aponta então para personagens ultra femininas e não feministas, de uma certa forma. Escolher o sofrimento, e ainda por cima por causa de um homem, não é coisa que movimentos de emancipação feminina possam apreciar.


Passa então, nestas duas histórias, um toque de romantismo inegável ou de como o verdadeiro amor não deixa, também, de trazer sofrimento e dor. De como pessoas, ou melhor, mulheres racionalmente independentes podem ficar somehow afectivamente dependentes. Liberdade e amor, duas vertentes que aparentemente não combinam... Com a acção a decorrer no século XIX, ambos de autoras norte-americanas, trata-se de livros belíssimos, onde perspassa uma grande sensibilidade e onde o leitor gostaria, certamente, de escrever um final bem diferente. De ter um destino mais feliz para as duas protagonistas/personagens principais. Por isso tudo e porque tratam, sem margem para dúvida, de dimensões também da vida actual, sim, sim, eis a sugestão.
A (re)ler e a não esquecer, possivelmente.