dezembro 28, 2010

Celebrações


Aqui há uns anos li uma hilariante crónica da Júlia Pinheiro sobre a passagem de ano. Arrancou-me várias e sonoras gargalhadas, pois de forma engraçada e sagaz foi capaz de captar o ridículo que às vezes tal festa pode conter. Sobretudo aquela parte em que ela diz que àquela hora já mais de metade se arrependeram de ter saído de casa.
A minha posição face ao reveillon não é, lamento eu, nem tão brilhante nem tão bem-humorada, pois acabei sempre por ter uma opinião um pouco dúbia em relação ao evento. Por um lado, gosto de sair e de me divertir, por outro, não gosto que me digam quando. Por um lado, sempre quis celebrar com os outros, fazer parte dos "felizes", por outro, celebrar o quê não sei exactamente porque no fundo no fundo é uma festa que não me diz rigorosamente nada. Não me sinto especialmente animada por terminar um ano velho e começar um novo, detesto balanços, não tenho nem quero ter grandes expectativas só porque se altera uma data no calendário e na verdade e obviamente engolir ou não as passas é literalmente igual ao litro, já que nos últimos anos me deixei disso, consciente e propositadamente, e a vida graças a deus, continuou e avançou.
Penso que a maturidade e a maternidade, ainda por cima conjugadas, trazem uma serenidade incrível. Não se está constantemente a fazer planos e a desejar acontecimentos incomuns porque a vida fica bem ocupada e momentos felizes podem ser de outra natureza, bem simples e mais caseiros, porventura. Não há necessidade de tornar o tempo ocupado e recear ficar sozinho porque de facto não se está mais sozinho. Quer dizer, pode estar-se socialmente mas não se está no coração. Daí que esta data não me cause mais nenhuma angústia (de ter de ir ou fazer algo) ou, simultaneamente, gosto especial. Que trabalheira, a de ter de arranjar um sítio para ir porque toda a gente faz o mesmo. Com  os anos, e thank god, trata-se agora quase de uma noite normal. Ficar em casa surge como algo natural e até prazeiroso. Não o será completamente porque somos bombardeados com imagens de festejos e aparente felicidade espalhadas pelos quatro cantos do mundo, e o lado social às vezes ainda lá saltita um pouquito. Mas estamos no bom caminho...
De resto, não sou apreciadora de todo da maior parte das datas assinaláveis no calendário. As ocasiões que gosto de celebrar, realmente, são os aniversários. São exclusivos, únicos, pertencem àquela pessoa e a mais ninguém. Aí admito gostar de festejar e muito. Precisamente porque não sou obrigada a e isso é valioso e para além disso a pessoa é valorizada, sem o pano de fundo das massas em histeria que o calendário acarretaria. Concluindo, ainda digo viva a festa e as festas. Não as mainstream, já disse, mas aquelas que eu escolho celebrar e onde eu possa optar por coisas e gestos bem simples ou mais faustosos.

dezembro 03, 2010

Palavras que faltam ou de como a generosidade se faz com verbos

       

A propósito do voluntarismo e da abnegação bondosa de pessoas como os médicos sem fronteiras, apetece-me hoje falar da generosidade vista sob um outro prisma. De facto, parece-me que ela não se esgota em estender a mão a quem precisa, ou seja, ela consiste em mais do que apenas dar "fisicamente", de acordo com as necessidades de ordem prática que se observam por esse mundo.
         Há, para mim, algo precioso a que chamaria a "generosidade das palavras" e que considero como das coisas mais fundamentais para tornar as pessoas psicologicamente felizes. Infelizmente, constato que grande parte das pessoas, por vezes até muito solidárias nas causas, não cultiva esta belíssima característica. Como se, ao fazê-lo, pudessem perder alguma importância ou poder em relação ao outro. Porque muitas das relações que estabelecemos com os outros assenta numa estranha dinâmica de poder, em que se pretende dominar e, assim sendo, não reconhecer o valor de outrém. Francesco Alberoni, cujos livros devoro, fala exactamente disso no seu livro "O Optimismo". Diz este sociólogo italiano que há pessoas que dominam outras anos e anos, sendo mesmo infinitamente medíocres e inseguras, pelo não uso do elogio, do reconhecimento, da valorização. Mantêm as suas "vítimas" presas, à espera de uma apreciação positiva, de uma palavra elogiosa, de um afecto verbal. Fazem o outro, superior na inteligência e na alma, sentir-se diminuído, frágil e sem qualidades.
        Ora isto é de uma crueldade e de uma frieza atrozes. E podem ser pessoas até simpáticas e faladoras a fazê-lo, ainda que as silenciosas e frustradas o possam fazer também. Penso poder dizer que há pessoas assim em todo o lado. Que teimam em não ser generosas verbalmente. Será que é por não serem capazes de o ser? E se tentassem, que tal? São muito tímidas? Que tal ir soltando essa timidez e abrir mais o coração? Não ficariam porventura mais reconfortadas com o obrigado vindo do outro lado? Dizer - tens talento, fizeste um trabalho excelente, isto está óptimo, gostei imenso, tu és fantástico, parabéns, e outras palavras motivadoras e estimulantes - é assim tão difícil? Ou é mesmo consciente e fruto de algum sadismo? Serão ecos de inveja mal disfarçada? Lamentável que assim seja. Sobretudo se se passar ao nível de familiares ou amigos...
        Parece-me que todos temos de fazer um esforço no sentido de fomentarmos cada vez mais a dávida das palavras...O nosso espírito português, não é segredo nem novidade, é algo mesquinho, não gosta muito que os outros brilhem, receamos perder importância ou protagonismo, isto é estupidamente ridículo e profundamente triste. Deveríamos saber que positivismo em relação ao trabalho, criatividade, habilidades e qualidades dos outros é algo contagiante, que palavras calorosas, inspiradoras e afáveis trazem felicidade e realização, e que receberão gratidão e amizade em troca. Há decididamente muito espaço para muitas, mesmo infinitas, estrelas cintilarem, não temamos ficar na sombra por reconhecermos o valor de alguém.
        Eugénio de Andrade diz, num dos seus belos poemas, que as palavras podem ser como um punhal... Mas diz também que algumas delas são como um cristal.  Ferir ou criar brilho, eis a questão. É nossa a escolha e está ao alcance de todos nós. Basta querer ser, verbal e afectivamente, generoso.