setembro 10, 2015

Mais e mais

 
 
1- O MNE da Jordânia falou há dias sobre a crise dos refugiados sírios. Para aqueles que pensam e afirmam sem conhecimento que os países árabes não ajudam (os do Golfo não, é um facto, mas não generalizemos), a Jordânia entra no 5º ano de acolhimento, equivalendo ao 5º ano de guerra na Síria. Lembro que a Jordânia já acolhe os refugiados palestinianos desde há décadas (como o Líbano e a própria Síria; muitos sírios são de origem palestiniana, basta lembrarmo-nos de Yarmouk). E o Egito, também (tem tantos sudaneses, por exemplo). E até a pequena Tunísia ( muitos líbios atravessaram a fronteira).
2 - Os estados ricos do Golfo não estão a ser solidários e há excelentes leituras que podem ser feitas online sobre o assunto, em inglês, é um facto. Inaceitável, claro. Para além de culpas no financiamento do ISIS, pelo menos pela parte de milionários que querem perturbar e abortar as democracias (primaveras?) noutro países de herança árabe ou muçulmana. Relembro por exemplo, que a Al-Jazeera, uma televisão de que gosto, é do Qatar. Parece muito livre e até é, mas apenas em relação ao resto do mundo, mostrando tudo exceto o (muito) negativo nas "santas" sociedades do Golfo.
3- O silêncio dos EUA também é intolerável. Gosto de Obama mas aqui é igual aos outros. Quem arrasou com o Iraque à procura de armas de destruição maciça que não existiam? Inglaterra (e eu sou anglófila), Espanha, igual. A França arrasou com a Líbia e os Charlies agora estão muito calados. (E eu sou a favor da liberdade, e anti-jihad, como não?) Ou então sou eu que também não consigo ler nem saber tudo, pode ser, é verdade.
4- Os defensores súbitos dos sem-abrigo aqui na lusitânia são muitos, quase que chega a ser comovente. Eu nos últimos 3 dias (e faço-o habitualmente) dei uma moeda razoável a pedintes de rua em três cidades diferentes, mas não vi muita gente a fazer o mesmo. Podiam já ter dado mas a questão mantém-se. Eu posso ajudar os refugiados uma vez que me compadeço dos pedintes e contribuo de outras formas para atenuar o sofrimento dos mais fracos, ao longo do ano, não tanto como queria, ou até podia, é provável, mas não sou perfeita. Posso, como dizia, ajudar os refugiados, seguindo a linha de pensamento destes preocupados de última hora. A estes que não querem gastar um centavo com as vitimas da guerra e dos conflitos, pergunto se já fizeram sua boa ação do dia em Portugal. Criticam quem quer acolher refugiados mas a minha sugestão é que não querendo fazer o mesmo, estão no seu direito, possam acolher então um sem-abrigo. É justo e a sociedade agradece e seria bem melhor.
 Por agora, é isto, mas podem vir aí mais. Texto e opinião, I mean.

setembro 04, 2015

Da imagem e da fúria


As pessoas e até os media dividem-se entre partilhar a foto do menino sírio e não o fazer. Respeito a posição de cada um mas desejo tecer algumas considerações sobre isto. Pessoalmente, partilhei-a. E partilhei-a pela simples razão de denunciar uma realidade que, muitas vezes, só nos marca profundamente e nos faz agir quando entra assim, de forma inesperada e violenta, pela casa adentro, seja via televisão, jornais, internet, redes sociais. É muito fácil - ou mais cómodo - saber que os horrores (ainda) estão longe, imaginá-los ou então nem sequer pensar neles e continuar com a nossa vidinha. Que não seja mal interpretada, as nossas vidas contam, as nossas angústias familiares, profissionais, afetivas, económicas e as nossas dores também. Mas não sou daqueles que se recusa a ver imagens de sofrimento alheio apenas porque dói profundamente -, neste caso, também, a nossa angústia e dor não serão nunca maiores do que as deles - assobiando para o lado e tentando esquecer o que não pode ser esquecido mas simplesmente denunciado. Se uma imagem, que sabemos valer mais do que mil palavras, pode fazer alguma diferença, por mais pequena que seja, então serviu para algo de positivo. Por outro lado, também noto algum pseudo-intelectualismo nalgum tipo de críticas a esta fotografia. Em 1972 a imagem de uma criança vietnamita a correr completamente nua, vítima de napalm, correu mundo e fez história. A denúncia do sofrimento a oriente, feita por fotojornalistas e pela televisão, teve um profundo impacto na opinião pública americana e foi a pressão desta, back home, que acelerou - ou originou, mesmo - o fim da guerra do Vietname. Mas porque consideramos essa foto como um impressionante testemunho documental e olhamos para ela sem polémica enquanto que refutamos olhar e partilhar a de Aylan, defendendo que não é de bom tom usar a imagem da criança (pobre, pobre menino, que apetece abraçar, vivo, e levar para casa...)? É verdade que Aylan morreu e que isso é muito mais doloroso, foi agora, está a ser em direto, faz-nos chorar e abala a nossa consciência. Há gente que nunca consegue enfrentar a sua consciência, de todas as formas, em várias circunstâncias. Respeito, mas não é o caminho. A nossa sensibilidade de não matar galinhas mas comer galinhas não é o caminho, na minha opinião, discutível e subjetiva. Mas ainda a foto de 1972. Refere-se sempre o nome do fotógrafo, como se por ser da Associated Press - ou eventualmente da Time ou da National Geographic ou de outras igualmente conceituadíssimas - como se, dizia, legitimasse o documento, estilizado a preto e branco, pois, enquanto uma foto a cores tirada possivelmente de um telemóvel não recebe o mesmo estatuto de documento para a posteridade. Partilhei a foto, repito, não porque goste de o fazer mas porque repudio o que aconteceu. Tenho lido e ouvido muitas barbaridades sobre a tragédia dos refugiados. E sobre a publicação da foto, também. Pois bem, das mãos de um fotógrafo de renome (e se fosse Mario Testino?) ou das de um polícia turco ou cidadão comum que assistiu a tal drama a diferença, para mim, é nenhuma. E insisto: se a publicação deste horror, porque o é, contribuir para salvar uma criança, uma criança apenas que seja, inocentes arrastados para uma guerra e um mundo de adultos que não compreendem, então já terá valido a pena. Aylan, meu querido, ficarás sempre na nossa memória coletiva. Chorar ao ver-te, pelo menos por dentro, é um sinal de que ainda temos um pingo de humanidade. E fazer saber ao mundo como nos deixaste não o deixa de o ser. Para que as pessoas acordem, não se distraiam e, sobretudo, façam alguma coisa. A denúncia não pode ser confundida com sensacionalismo. Ocultar não é superioridade moral. É uma escolha, tão somente. Compreensível. Mas não será por aí o caminho. Ver é não ficar indiferente. Assim seja.