junho 30, 2012

Escorpião







Tens paixões muito violentas...
E então?
Amas e odeias com muita intensidade.
E então?
Isso dá cabo de ti.
E então?
Lá estás tu a ser auto-destrutivo...
Mas não morremos todos?
Percebes o que digo.
Percebo que alguém tem de viver de forma sincera as emoções.

Acredite-se

 
Acredito que temos de nos desburocratizar - e é o oposto do que acontece, nomeadamente nas escolas.
Acredito que não devemos massacrar os outros - e é o oposto do que acontece com muita gente logo que toma de assalto a cadeira de um cargo, por pequeno que ele seja.
Acredito que devemos ter mais liberdade no exercício da profissão - não do género fazer o que nos apetece, mais do que logicamente -  mas expressar mais os nossos pontos de vista e é o oposto do que acontece com medo de se perder o privilégio, o cargo, o emprego ou tão somente a imagem de funcionário zeloso que segue na linha da frente da preferência do empregador.
Acredito que podemos e temos de ser mais felizes no trabalho - e é oposto do que acontece por culpa de quem trabalha mecanicamente para agradar e de quem manda desalmadamente sem nunca querer agradar.
Acredito que não será a última vez que escrevo sobre isto - porque não foi a primeira.
E quero continuar a acreditar. Melhor seria se o oposto não teimasse em acontecer. 

junho 28, 2012

E nada mais havendo a tratar

                             
Há uma forte tendência para se fazerem reuniões neste país que não resolvem nem acrescentam nada. Desde que sou profissional da educação que me lembro de querer deixar de ser professora cada vez que tenho uma dessas. Daquelas em que apenas se faz balanços e se diz como as coisas foram excelentes - sem muitas vezes o terem sido. A pior coisa é fazer análises deste tipo - para cumprir calendário, exibir feitos, lustrar os egos que precisam disto para sobreviver, somar e seguir, sem qualquer tipo de reflexão séria, justa, equilibrada, que dê indicações precisas acerca do que correu pior e do que poderá ser feito para não se repetir o erro. Reflexão. Isto é pedir muito para Portugal. Isso é dar muito trabalho - reunir e fazer balanços acefala e acriticamente é uma coisa, afinal estamos todos a ser avaliados por estas coisas e não pelo essencial, pensar, e descentralizar os umbigos, é outra. Trabalha-se para a fotografia. E enquanto assim for ilude-se o fundamental.

junho 26, 2012

Crepúsculo dos Deuses


Absolutamente mítico. E, sim, "it´s the pictures that got small."

(Inauguro hoje um capítulo que assinala os filmes cujos romances me marcaram no grande écrã. Começando o périplo, que se prevê longo, pelos clássicos.) 

junho 25, 2012

Hábito



Ainda me lembro de ver os anúncios da Marlboro também na televisão. E depois de os ter visto desaparecer. E de terem aparecido os avisos nos maços. Não fui sensível a estes últimos porque não o havia sido aos primeiros. (Aliás, minto - sempre gostei muito de westerns.)

junho 24, 2012

Affairs ou de como dei comigo a pensar em traduções


Tenho em casa um DVD para ver adaptado da obra de Graham Greene, The end of the affair. Levei-o para cima há duas noites atrás mas nem vos digo porque não o comecei a ver - dizer que o meu pc não deixou é falar uma verdade e dizer que ele me prega muitas partidas e que preciso de um novo é seguramente outra. Portanto não vou ainda falar do teor da obra, embora fique agendado para breve quando o DVD seja inserido com êxito seguindo os caprichos de um computador que já viu melhores dias. 
Fiquei a pensar na palavra "affair". E nas traduções feitas para o português, de filmes e séries, que muitas vezes não traduzem, literalmente, o verdadeiro sentido do título no original. O fim da aventura, neste exemplo. Mas a palavra aventura tem significados que "affair" não comporta. E "affair" tem conotações que aventura não tem. Podia então traduzir-se como? O fim do caso? "Affair" é uma palavra dos diabos. Não tem uma conotação negativa, mas também não é aquela tradução de romance cor-de-rosa. Não há uma palavra em português que se assemelhe em tamanha eficácia. Um clássico que venero, The Thomas Crown affair foi traduzido, de facto, como O caso Thomas Crown. Há um relacionamento amoroso, quase sempre ilícito e piquant, mas não tão ´jurídico´, ao mesmo tempo.
Mas as traduções duvidosas são muitas, esta não é nada e é bem difícil, provavelmente não havia melhor hipótese. Que dizer da histórica Balada de Hill Street para Hill Street Blues, quando falava dos azuis (farda azul dos polícias) de Hill Street? E que dizer dos espanhóis que ainda fizeram pior e que a traduziram por Cancion Triste de Hill Street? Por outro lado há escolhas que são muito livres, o que pode ser complicado na hora de identificar os filmes. Em Portugal The Godfather é O Padrinho, já no Brasil é O Poderoso Chefão. Penso que a tradução deve ser o mais fiel possível ao original, evitando-se criatividades desnecessárias por parte de quem não criou coisíssima nenhuma. Quanto mais parecido com o título inicial, melhor. Há em Portugal muitos filmes cujos títulos são muito diferentes dos originais, vá lá entender-se porquê.
Por outro lado, também não vejo necessidade de manter muitos títulos em inglês quando é perfeitamente possível traduzi-los. Porque razão há de Tim Burton ter na sua filmografia Eduardo Mãos de Tesoura e Big Fish, por exemplo? Algum problema com (um) grande peixe?  Nota-se muito a tendência para manter títulos em inglês mesmo em filmes para crianças o que não me parece razoável- e sou professora de inglês, portanto, estamos mais do que à-vontade. Até porque há filmes de outras paragens - há, não há? - e o mesmo serve para todos, excetuando nomes próprios ou toponímicos, claro. 
Posto isto, ´end of the affair´. Ainda não é hoje que vejo o filme mas dou por terminado o caso. Quanto à aventura das traduções dos títulos, duvido que esteja terminada. No que isso significa de bom e de mau.

Autêntico

Há pessoas que cansam e escritas que cansam. As pessoas porque falam muito e não dizem nada, as escritas porque enrolam muito e nada dizem. Em ambas, uma falta de clareza, de sentido prático, de transparência e um gosto por jogos, por caminhos sinuosos, por enredos que mais não significam do que o desconhecimento que, no fundo revelam ter de si próprias. Ou  a grande incapacidade que têm de se mostrar como são. Maçam-me, habitam num mundo ao qual não pertenço nem me dá qualquer prazer mover-me.  Para os verdadeiros exploradores, a autenticidade e simplicidade são do mais fantástico que existe. E não são coisas simplistas, longe disso. Pois ser natural e entendível dificilmente está ao alcance de todos.

junho 23, 2012

Territórios


                           
"Aprendi a não tentar convencer ninguém. O trabalho de convencer é uma falta de respeito, é uma tentativa de colonização do outro." 
"Não preciso de conselhos. E não mos deem porque me irritam. (...) "
José Saramago


Estas duas citações também me definem , com a execeção de que, em relação à primeira, não aprendi coisa alguma - simplesmente nunca o fiz. E não o fiz porque não gosto que mo façam. A arte de convencer soa-me a postiço, a processo anti-natura, a ceder perante aquilo que não se quer, a uma violação de algo que não nos é querido. As coisas devem ser desejadas, livres. Ir, comprar, participar, dançar, dizer um segredo, falar de nós, viajar, anuir em qualquer projeto ou em qualquer conversa dever ser algo profundamente desimpedido. Não se trata aqui de uma insistência normal que às vezes é feita com bons intuitos quando vemos alguém renitente e a quem falta o empurrãozinho final, alavanca de ânimo e de coragem para alcançar um feito que lhe será vantajoso e do qual nós conhecemos as vantagens. Mas o convencimento, sobretudo face a algo de que por vezes não sabemos detalhes nem antevemos os  resultados, é falacioso, imprudente e mesmo perigoso, resvalando para o campo das palavras que deviam ficar caladas. Podemos dar opinião, podemos analisar situações e possíveis saídas mas não mais do que isso. Calemo-nos face a quem não pediu mais do que o ouvíssemos. 
Da mesma forma, não se deve dar conselhos. Como são dispensáveis quando não são pedidos, paternalistas, falsamente moralistas até - porque razão as pessoas os dão sem alguém os ter requisitado é coisa que ainda não consegui entender. Há sempre almas que julgam saber mais do que os outros, que se colocam acima dos outros em conhecimento, em experiência. Que há pessoas com mais experiência de vida, há. Que já passaram por muita coisa e que que podem dar uma visão dos problemas ou das coisas de forma mais alargada , sim. Mas ainda assim, devem fazê-lo de forma simples, como quem partilha e não quem exibe a sua sabedoria sobre os demais. E devem ajudar se for pedida ajuda, nunca impondo a ajuda. Há espíritos independentes que preferem a auto-descoberta, a aprendizagem por vias próprias, pagando um preço por isso ou não, a escolha é inteiramente deles. Tratar os outros como dependentes e eternas crianças que nada sabem é um erro, não acreditando nas suas potencialidades e na suas formas de auto suficiência, sobretudo se isso for feito com laivos de excessiva proteção e descrença. Não sei se não preciso deles, mas os conselhos oferecidos não deixam de me irritar. E também não tenho espírito colonizador. Nem sou colonizável, já agora.

junho 20, 2012

Futebol


2004 foi o último ano em que gostei de futebol. Dava aulas numa EBI e, portanto, não tinha secundário. Quando acabava as aulas ainda tinha disponibilidade, de vária ordem, para vir para o Rossio, em Aveiro, ver os jogos do Europeu. Eram dias de festa porque de festa se revestiu aquele mês de campeonato organizado em terras lusas. A cidade estava diferente, fotografei-a de cores nacionais e não só, pois de laranja também se vestiu num sábado em que a Holanda jogou no estádio local. 2004 foi um ano em que ainda sentia a emoção do desporto rei, em que exultava com as vitórias e me entristecia com as derrotas. Desde jovem que havia gostado de futebol, que acompanhava o campeonato nacional e que vibrava ainda mais com as competições internacionais. 
2004 foi também o último ano em que Portugal foi feliz. A seguir viria Sócrates e as coisas nunca mais foram as mesmas. Eu própria nunca mais fui a mesma. Deixei de gostar de futebol. O meu filho viria depois e fui muito mais feliz. Os meus estimulantes e anti-depressivos passaram a ser indiscutivelmente outros. Sem disponibilidade de vária ordem muita coisa passou-me ao lado. Deixei de vibrar com a bola no campo para passar a vibrar com outras coisas que não imaginava. Perdi o fio à meada de outras tantas coisas. Mas sei quem é o Ronaldo, atenção. E o Mourinho. Aprecio-os, são vencedores e têm um discurso vitorioso que o habitual desgraçadinho português não está acostumado. Ainda vou sabendo alguns resultados, afinal vivo com um doente. Claro que isto de perder paixões é extremamente apaziguador - se não conheço o êxtase, a euforia da vitória, também não conheço a deceção, a dor de perder. Às vezes tenho uma saudadezinha do sangue a correr nas veias com maior intensidade - e não é que frente à Holanda lá senti um calor a ruborizar-me as faces com os golos do puto maravilha? E que gritei golo como noutros tempos? E que até o pequeno gritou alegremente, sem saber exatamente o que isso significava? E que temos uma bandeira pendurada no terraço? E que somos dos poucos na vizinhança a ostentá-la?
Nem tudo está perdido, há esperança para mim. E esta maior será quanto maior for o resultado amanhã frente à República Checa. Sou feliz a não gostar de futebol como dantes mas também posso continuar a ser feliz, posso até ser mais feliz, com uma vitória portuguesa em Varsóvia. Não é um estimulante para o meu quotidiano mas pode ser um estímulo para uma quinta feira e até para a quinzena seguinte ,  se as coisas correrem bem. Até porque se faz os outros felizes à minha volta, como posso eu ficar indiferente? Vamos ser todos felizes também em 2012, malgré tout. Força, Portugal.

junho 19, 2012

Geopolitik

Para os que tinham ou têm dificuldades na geografia aqui fica o esclarecimento ou de como a política - e o desnorte causado pela crise -  tem chegado a pontos de ridículos contornos. O que vão dizer a seguir? Aceitam-se apostas - é que há, para quem não saiba, ainda centenas de países no mundo.

Despertares

As pessoas, às vezes, podem passar por períodos adormecidos. Períodos letárgicos, quando a falta de força ânimica ou até de raiva dinamizadora podem ser confundidos com serenidade e tranquila maturidade. Nem sempre são sinónimos destas, na verdade. Porque se assim forem, as pessoas estão felizes - podem não sentir picos de extâse em todas as áreas da sua vida, isso seria provavelmente incomportável,  mas, assim, terão de os experimentar em algumas. Agora passar pela vida como personagens secundárias, como se nada os tocasse particularmente, nada os arrebatasse, nada os enfurecesse, nada os fizesse vibrar e mover, já me parece algo que não se coaduna com a personagem principal de uma existência que se deseja mais plena. Caramba, há que agarrar a vida. Não havendo nenhum problema de saúde grave, seriamente incapacitante ou debilitante, não há como viver com mais intensidade, se isso significar tomarmos as rédeas do nosso destino. Não que consigamos dominar tudo e todos, pessoalmente sempre estranhei quem tudo e todos diz dominar, julgando-se todo poderosos numa passagem em que há que contar com um sem número de coisas que por nós não são controladas, mas há que desbravar caminhos, traçar objetivos, ousar, ir em frente, projetarmo-nos, cair algumas vezes e voltar a levantarmo-nos, aprender, cometer erros e reaprender, numa palavra, viver. Não que também advogue que se deva viver todas as experiências possíveis e imaginárias, agora que se deva viver muitas, numa diversidade que só nos pode enriquecer, sim. Triste é aquele que não vive. Que fica preso a ilusões e meras histórias ficcionais, que deixa passar oportunidades por medos e inseguranças das quais não se liberta (já todos o fizémos, o segredo é irmos largando essas limitações...), que deixa que outros travem aquilo que quer fazer. Feliz é aquele que tem vontade de viver. Feliz é aquele que está desperto para a vida. E que age. Que toma para si o papel principal da sua vida, indo ao encontro da liberdade do seu espírito. 
Não digo nada de novo mas que sirva para alguma coisa, para que se desperte, do estado de dormência ou mesmo da personalidade sufocada. Terá servido para muitos de nós. Que sirva, pois então.

junho 18, 2012

junho

junho é mês de que gosto. os dias são grandes, não há a confusão do verão e a maçada da praia - onde gosto de ir, registe-se - o trabalho começa a abrandar ou pelo menos o ritmo não é o mesmo na escola onde estou, tenho dias em que consigo ir buscar o meu filho à escola, já consegui estar uma tarde durante a semana a corrigir testes numa esplanada em frente ao mar com pouquíssima gente por perto, já desliguei de papelada e computador por razões profissionais ao fim de semana, enfim pequenos prazeres que sabem a ouro numa época em que os dias de stress intenso fogem e sinto uma luminosa tranquilidade começar a invadir as minhas horas. por mim podia viver sempre assim. ainda não experimentaria picos de entusiasmo excecionais nem incursões culturais nem aventureiras por outras paragens mas também já não sentiria os dias a correrem freneticamente e a noite a instalar-se cedo demais para quem gosta de usufruir da luz. não produziria muito mas também não abusaria das minhas forças. não criaria - ando desinspiradíssima porque em fase de descompressão- mas viveria de forma mais serena e relaxada.
pudesse eu prolongar este mês, tirar férias nesta altura, viajar a tarifas mais baixas, conhecer tanta coisa que me falta e que queria ver, pudesse eu viver o tempo assim. subsídios de volta e seria quase perfeito. se puder um dia transformo os meses todos em junho.

junho 17, 2012

Opções

Ontem num jantar de inspiração tunisina a norte, pus-me à conversa com uma rapariga de Sfax que se encontra a  trabalhar na Universidade de Aveiro sobre o uso do lenço cada vez mais frequente por parte das jovens tunisinas. Se durante anos e anos tal prática não era vista porque o regime de Ben Ali a isso se opunha agora é mais do que normal verem-se as mulheres cobrirem os seus cabelos segundo a cultura árabe e religião islâmica. A minha curiosidade prende-se com o facto de agora que vivem em democracia, tendo portanto mais liberdade, me parecer mais contraditório usarem algo que para nós no ocidente está sempre ligado a uma ideia de alguma subjugação feminina. Talvez erradamente, não sei. Na verdade acho que pouco ou nada sabemos da cultura e religião islâmica, das suas idiossincrasias e das suas contradições, que também as há e não vejo porque não as possa haver, sendo que também as há no cristianismo e demais práticas religiosas.
Comecei por relembrar, para mim, que cultura e religião estão muitas vezes intimamente ligadas e que a tradição cultural se confunde com a prática religiosa e vice-versa. Depois relembrei, já em voz alta, que as minhas duas avós, já falecidas, usaram o lenço e que as mulheres portuguesas da sua geração o usaram, pelo menos nos setores mais tradicionalistas, voilá, e que as mulheres também o colocavam para ir à igreja - há nas idosas quem ainda o faça na missa. Mas que as gerações mais jovens, 25 de abril e tantas mudanças sociais depois, o largaram, assim como tantas outras marcas de um passado que já não tem lugar numa cultura de estilo moderno, para o melhor e pior que isso possa significar. A resposta da minha conhecida, que não usa lenço nem véu (na Tunísia de cara destapada) porque diz que é livre e que não deixa de ser muçulmana por isso - a religião para ela é pessoal -, abarcou várias justificativas, a saber:
- muitas usam por convicção religiosa, num ato que também é livre
- muitas usam porque querem casar e estão convencidas que o uso do lenço ou do véu é sinal de caráter, do género as boas usam as más não usam - estas ideias são delas e de uma razoável parte da sociedade, homens inclusivamente
- muitas usam porque os homens - namorados e maridos - ciumentos assim o exigem
- muitas usam porque está na moda e é altamente "fashion", exagerando na maquilhagem para realçar o rosto
- muitas usam quando o cabelo está desalinhado até irem ao cabeleireiro
- muitas porque sentem orgulho em exibir um item distintivo associado à sua cultura
- muitas porque aplicam várias razões misturadas
E muitas não usam. E muitos homens não gostam que usem nem pedem para usar nem sequer são ciumentos. Óbvio. 
Para nós ocidentais, para mim, faz-me ou fazia-me uma certa confusão optarem por esconder um símbolo máximo da feminilidade - embora exibam outros aos quais eu não prestarei tanta atenção, é verdade. São as minhas pequenas limitações e preconceitos interiores... E fazia-me e faz-me confusão se o fazem coagidas ou por força da tradição, de uma tradição que não digiro bem em lugar nenhum, pois a minha liberdade é mais importante do que aquilo que outros decidiram por mim. Em todo o caso, há também aqui claras opções que vão para além da política e da coação social, portanto cada um faz o que quer. Posso não concordar ou não querer para mim estilos de vida que outros abraçam (mesmo com a distância cultural em causa) mas decidir em liberdade já é qualquer coisa de diferente.

junho 16, 2012

Dizeres


Da última vez que tinham falado ainda não dissera tudo. Como se o tudo fosse fácil de ser dito. Talvez nunca o viesse a dizer. E, no entanto, sentira que quase nada dissera. Por isso, havia ainda muito a dizer. Se ficasse perto do tudo, melhor. Se não, também já seria bom afastar-se do pouco. Pois a pouco lhe soubera o que havia dito. Se mais não dissera não soubera dizer porquê. Talvez porque o muito precisa de mais tempo e o tudo de um tempo que nunca mais acaba. Agora era tempo de dizer mais. E assim acrescentar ao que faltava senão tudo muito do que falta dizer. 

junho 15, 2012

Da memória



Ter memória é, à partida, uma coisa boa. A memória coletiva reconhece um passado histórico, um património cultural, uma herança de conhecimentos e saberes que muitos caminhos desbravaram e muitas portas nos abriram para sermos o que somos hoje. Até aqui tudo certo. A memória individual, feita de afetos e gratidões também, sob pena de esquecermos quem amamos e nos fez bem, num esquecimento injusto e imeritório de gente que povoou os nossos dias e lhes deu sentido maior.
Mas não sou apologista, de uma maneira geral do passadista `recordar é viver`. Ou pelo menos do que lhe está associado, do remexer no passado amiúde como forma de sobrevivência, de alavanca de vida. Veio-me este pensamento recorrente mais uma vez à memória quando lia um post no "Fio de Prumo". Na verdade, costumo viver bem mais no futuro, e não gosto de me rodear de memórias individuais que já passaram, que arrumei e esqueci. Tenho uma memória altamente seletiva, naturalmente seletiva, acrescente-se, e não me prendo ao que poderia ter sido, ao que era e ao que foi. Gosto de evocar tempos bons,  no geral, nomeadamente os de infância por causa de tempos inocentes e simples que foram, como contraposição aos corridos e tecnológicos atuais, mas pouco mais do que isso. Quantos aos afetos que se foram tiveram o seu lugar e o seu tempo, não lhes dedico mais do que isso mesmo, a não ser se roubados por razões trágicas, o que na maioria dos casos não aconteceu, felizmente.
Por isso me faz sempre muita confusão quem me vem remoer o meu passado, cavando coisas que já enterrei, às vezes tão pequenas, outras até de menos boa lembrança, como uma doença ou um problema de outra ordem, sem pedirem a mínima autorização para isso. Atiram-nos sem mais nem menos temas esquecidos, resolvidos, dos quais aprendemos a lição ou sofremos com eles, em alturas alegres, em qualquer ocasião. Deviam essas pessoas pagar um imposto por isso. Por nos fazerem lembrar coisas que não queremos porque já não nos interessam. Porque sobretudo são ou foram nossas. Mesmo as coisas que podemos dizer boas ou melhores. Lembras-te de...? E ficavam horas a falar disto, se não cortasse logo com a minha desmoriada impaciência para pormenores que já não habitam as minhas cogitações. As pessoas que todas as memórias armazenam. Não faço parte delas, não sou baú nem repositório de histórias passadas sobretudo pequenas e triviais nem descrições de espécie alguma da vida real. Vivo espontaneamente no presente e gosto de me movimentar no futuro onde ainda pouca gente está pois não é local de certezas nem de passos seguros. Mas lá é onde de forma fascinante me delicio a passar os dias como quero.
Gosto de viagens ao passado em filmes de época e da história porque sem esse património o nosso lugar na modernidade não pode ser entendível. Mas não me façam cair em demasiadas recordações pessoais. Não sou "passadista" (sic HSC) e já o disse várias vezes, nem sequer gosto de antiguidades e visitas a sótãos cheios de mofo são o mais completo atrofio. Ar, arejar, estão a ver. E olhar em frente. São os verbos que não rimando com viver lhe fornecem o estimulante impulso de que absolutamente necessita. De que o meu viver necessita.

junho 14, 2012

Razões

          

Ainda assim lembrei-me agora de que antes de ontem, enquanto inesperada mas tranquilamente almoçava sozinha no restaurante habitual, escutei a seguinte frase dita por um de dois homens que se levantavam já da mesa: "O Hitler é que tinha razão." Não sei classificar muito bem os indivíduos: não eram engravatados mas também não eram barrigudos, eram magricelas e não me pareciam endinheirados - o restaurante é de pelintras, acrescente-se, servem lá diárias muito económicas - mas também não tinham um ar assim muito muito tuga, se me faço entender. Não interessa - interessa é que não disseram o Sócrates ou o Soares ou o Cunhal ou o Salazar ou até o Estaline, salvaguardando as distâncias entre eles, não, o que interessa é que disseram "o Hitler". Posto isto, nem me atrevi a pensar a que se referiam. Pior do que isto é difícil. Pior do que isto não há. Vão querer o quê? Exterminar o mundo inteiro? Acho que os preferia mais tugas, ventre proeminente e garrafão na mão a ouvir música pimba. De longe. A razão das conversas seria, certamente, outra e mais saudável. 

Nada

Viva mas com grandes dificuldades para teclar, o LCD pifou quase completamente. Não estão reunidas as condições para poder escrever. Até à reparação ou até eu conseguir avistar um computador livre e apetecer-me pensar ao mesmo tempo, o que não deverá ser coisa fácil, uma vez que estarão em locais mais ou menos públicos. Estive 24 horas sem internet, foi o jogo da seleção, não sei mais nada porque passei o dia fora, pensar a esta hora está fora de questão. Um imenso vazio que há hoje para oferecer. Contrariada, mas é o que está. Até.

junho 11, 2012

Computador mágico

  
Estou com um problema no écrã do meu pc, ou melhor, no monitor. Isto significa que ando a trabalhar a meio gás - e a escrever - o que me tem desgostado sobremaneira. Só consigo  teclar com a mão direita, já que a esquerda tem de segurar no dito cujo sob pena do ecrã ficar completamente imóvel, sem rato atuante e quase sem ver patavina. Tem resolução, o problema.  O pior é o tempo que vai demorar e não me posso dar ao luxo de prescindir do computador mais do que umas horas. Ao ponto que cheguei. Há uns anos achei um exagero uma vizinha cheia de ares ter dito que não podia viver sem net. Eu também me encontro nesse pé, embora não seja a internet que mais me preocupa. O material das aulas, sim. Ainda não as terminei, os últimos testes ainda os vou dar e resmas de trabalho burocrático estendem-se por semanas a fio até agosto. Relatórios, avaliações, add, e ainda a famosa ação da qual vos fui dando conta com entrega do trabalho final até sexta. Avaria no timing certo, portanto. Já houve um tempo em que fui uma professora muito jovem e feliz sem nada disto. Agora sou menos jovem e menos feliz com tudo isto. Mas mais feliz seria e menos cabelos brancos teria com o pc perfeitinho a deixar-me trabalhar - depois ainda dizem que esta classe não quer trabalhar, raios - e , meu deus, a deixar-me escrever, ainda que baboseiras como esta, que nada contribuem para a felicidade de quem lê. Como alguém blogosférico de que gosto muito diz, ohmmmmm que preciso de uma boa magia para voltar a ser feliz. Não posso viver sem net, sem pastas nem ficheiros. Há por aí algum feiticeiro? Ou apenas alguém que me arranje isto em 4, 5 horas? Ou de noite? Esta era de mestre, de feiticeiro, que sempre é pessoal que gosta de trevas. Sofro...

Pilares de apoio


Em conversa com colegas do sexo feminino ao almoço que são autênticas terapias de grupo concluimos frequentemente que os estados de stress prolongado alteram perigosamente o caráter das pessoas. Ou seja, pessoas afáveis e simpáticas, com boa energia e de bem com a vida de uma forma geral, podem também ser acometidas de ataques de impaciência, de irritabilidade, para dizer o mínimo, e de reações intempestivas maiores que podem até descambar em atos de violência verbal ou mesmo física. Se parece haver indivíduos mais imunes ao stress do dia a dia, também é verdade que a carga psicológica e física e vice versa de períodos intensos de trabalho e de exigências profissionais e emocionais podem dar cabo da melhor das almas.  
Como percecionar esses efeitos? Seguramente que a maior parte de nós afirmará “descarregar” em cima de quem vive connosco, ou seja, das pessoas de quem à partida gostamos mais. Espantosa incongruência para um estado que de espantoso só tem o espanto que provoca em quem nos conhece risonhos, bem-dispostos, positivos e que nos atura debaixo de condições que não são as nossas intrinsecamente.
Alguns poderão alegar que a verdadeira natureza brotará de um período debaixo de pressão mas parece-me que assim não é – a verdadeira natureza não pode ser influenciada por nenhum fator anómalo continuado, de duração para lá do aceitável ou do humanamente desejável. Até porque há pessoas que estando sem traumas e sem pressão, não trabalhando e não tendo problemas sérios de saúde, estando mesmo de férias, continuam mesquinhas, insuportáveis e basicamente execráveis.
Mas o que gostaria de dizer hoje é que ao abrigo deste pano de fundo em que nos descontrolamos facilmente em casa, fazemos, muitos de nós, um grande esforço por nos controlarmos lá fora, socialmente e sobretudo no mundo do trabalho. Não erradamente mas de forma algo calculista, ainda que inconscientemente e sem malícia. Pois não é mais fácil, à partida, segurarmos os afetos de quem nos ama desde sempre do que quem connosco mantém apenas relações profissionais? Até porque outras coisas estão em jogo?
Mas este controlo assenta também sobre uma outra coisa. Já reparou que dentro da nossa casa, família, se nos compreendem também nos cobram mais? Também nos dizem mais vezes a verdade? Despoletando, com isso, reações pouco calmas da nossa parte? Por outro lado, também há no emprego e no círculo social pessoas com uma atitude permanentemente impecável – e na família é desejável que sim – que sabem calar e ver os sinais de stress, acalmando os ânimos quando estão prestes a exaltar-se. Já reparou que há pessoas com as quais nunca se enerva, por muito stressado que esteja? Que inteligentemente nunca inflamam?
Há, então, pontos de equilíbrio que vamos sugando para sobrevivência pessoal no meio da pressão – a natureza, o desporto, o sono, o conviver, os hobbies, as férias, seja lá o que for que nos faça aliviar. Certas pessoas também. Elas são pilares de apoio, consciente, sábio e cúmplice. Fazem bem e ainda bem que estão por perto. Este texto hoje vai direitinho para  elas - representantes da serenidade amiga tão necessária em dias cada vez mais corridos de cumplicidades. 
também no bahiamulher

junho 10, 2012

Sagitário




Tens sempre essa mania...
Qual?
A de achares que sempre tudo vai correr como queres.
O otimismo é bom.
Subestimar o adversário não.
Que queres que faça?
Saber que podes perder.
Mas se ganhar?
E se perderes?
Perco. Mas fui feliz enquanto pensei que ganhava.

junho 09, 2012

O espetáculo


                      
Hoje assisti a um grande espetáculo - e não é o que você estará a pensar, com uma bola como referência. É mesmo do maior espetáculo do mundo de que falo. Ia eu a queixar-me estupidamente do preço dos bilhetes quando alguns minutos depois de entrar me arrependo de tal pensamento. Dificilmente se paga uma vida de dedicação a uma arte, de ousadias em direto, de desabrigos familiares, de sacrifícios pessoais, de riscos profissionais. Uma vida tramada, ouvia dizer-se. Por paixão, por nascimento, por opção, por fado, por tudo isto e muito mais, o circo é um fabuloso mundo de ilusão. Da Miss Sonya equilibrista à Miss Outra Coisa domadora de animais amestrados que não é senão a mesma pessoa, da magia que ainda hoje me surpreende aos palhaços que verdadeiramente me fizeram rir, das trapezistas de esvoaçante beleza ao ritmo e humor do apresentador, tudo me fez admirar um grupo de entertainers que levam horas e horas de preparação para nos presentearem com um número que parece simples porque tão natural feito por quem sabe. De dedicação e talento, perseverança e trabalho, audácia e coragem, assim são feitos estes artistas. E porque o melhor do mundo ainda e serão sempre as crianças, o circo quer ser também alegria e uma alegria contagiante, inocente, espontânea traduzida em gargalhadas e admiração de quem entrevê um mundo de fantasia e ilusão, uma outra fábrica de sonhos que projeta muito do que é menos comum nos dias que vamos tendo. Viva o circo, não deixemos morrer nunca o circo. Para que se mantenha viva a magia que sentimos em pequenos no imaginário dos nossos filhos. Fui lá para isso. 

Porreirismo



Ontem na leitura de um post do PRD li que as pessoas porreiras também dizem coisas como "vai-te lixar" no meio de brigas conjugais e coisas parecidas que só parecem pertencer a quem não é porreiro e quem não controla bem e educadamente as emoções.  Pois bem, manancial do melhor para uma reflexãozinha, portanto. 
Oh pá, afinal os porreiros, os educados, os formados e os de bem com a vida no geral também vivem cenas destas. Também dizem palavras menos polidas, e aquela expressão é a mais delicada, quer-me parecer, também descambam em impulsos como bater com a porta, também gritam e se desiludem, até porque também se divorciam. Sim, os porreiros. E tornar-se-ão menos porreiros por causa disso? Obviamente que não. Esse era aliás o cerne do post, que aliás era uma transcrição de parte de uma entrevista lida no Público pelo jornalista. A questão que se levantava era que os indivíduos não são monstros por dizerem e fazerem coisas destas. E que a arte o(s) deveria mostrar, que um museu qualquer os deveria retratar nestas lutas conjugais do dia a dia, que os humanizasse aos olhos da sociedade, uma vez que são comuns e que fazem parte da condição humana com as suas limitações e fraquezas. 
A arte não deve glorificar o que é mau mas deve aproximar o real das leituras possíveis. Assim como o afeto, o ciúme, a paixão, o sexo e o casamento, a desavença deve ser encarada como parte integrante da dimensão imensa do amor ou dos caminhos sinuosos do amor e da relação amorosa. Que não contem palavras doces é uma realidade, que é duro de ouvir e que explode num chorrilho de impulsividades escusadas muitas vezes também. Que faz estragos, idem aspas. Mas porque negá-la? Porque alimentar sentimentos de culpa e de vergonha quando é mais abrangente do que se pensa? 
As brigas são do caraças. Não são nada porreiras. Mas porreiros ou não, todos as conheceremos. A menos que não vivamos intensamente a relação amorosa. Ou que sejamos estranhos mestres no controlo total das emoções. Portanto, encaremo-nos com mais naturalidade. Da próxima vez que visite um museu, olhe bem para a galeria de imagens. Pode ser que se reconheça lá. A dizer "vai-te lixar", claro. E sem deixar certamente de ser porreiro. 

junho 07, 2012

É de artista?



É possível gostar do artista e não da sua arte e gostar da sua arte e não do artista? É e mais vezes do que se supõe. Trabalho e caráter ou percurso de vida nem sempre andam de mãos dadas e um não tem necessariamente de refletir o outro. Tenho um excelente colega que diz que tem amigos com os quais não gostaria de trabalhar e que tem colegas ótimos com quem não sairia nunca para se divertir. Algo do género que estou a tentar dizer, portanto.
Frida Kahlo e Oliver Shanti, por exemplo. Adoro a primeira enquanto figura, persona real e cuja vida preenche bem o imaginário de quem aprecia arte e liberdade, numa mistura feminina ímpar e de recorte cultural incontornável. Mas se for a ver não gosto da maioria dos seus quadros, pois não gosto. Já o disse e reafirmo, aprecio muito mais o trabalho do seu mulherengo marido, cuja personalidade larger than life também,  bonacheirona e boémia, já deixa muito a desejar em termos de identidade masculina marital. Na música recordo com óbvio desagrado o nome de Oliver Shanti, nome artístico de um pedófilo confirmado alemão, mas também não deixo de reafirmar o gosto que tenho pela música que fez ao longo dos anos, inesperadamente espiritual para alguém com comportamentos humanos duvidosos e condenáveis. 
E se falamos do campo da música e da pintura, na arte em geral a lista de exemplos seria longa, certamente muito longa. O que não deixa de ser intrigante mas é assim que funciona, uma espécie de dualidade. As opções pessoais e os projetos de vida muitas vezes nada dizem sobre o valor da criação, daquilo que é genialmente legado para a posteridade. E quando o génio é reconhecido e o caráter se aproxima valentemente desse estatuto nada garante que o trabalho de alguém nos agrade particularmente ou de forma arrebatadora. Pode, assim, admirar-se o artista e não a sua arte. E da mesma forma idolatrar a sua arte e não lhe admirar nada para além dela.

A invenção do amor


Ah o amor...
O que foram inventar
Uma história tão bonita no cinema
Especialmente porque não há roupa para lavar.
Ah o amor...
Quem já o viu nascer 
Sabe as coisas tontas que nos faz dizer.
Quem já o pôde sentir
Conhece o entusiasmo do início
O quanto nos fez chorar ou rir.
Ah o amor...
Como sem ele os dias passar?
Mesmo crescido, com louça e tanque, fora do écrã e dos livros
É bem melhor com ele morar.
Ah o amor...
Que invenção foram criar
Como uma peça delicada que meticulosamente temos de manter
Que trabalheira essa que nos foram dar
Ah o amor...
Que história bonita nos fizeram docemente entrever.

junho 06, 2012

Pacificamente atual

Recifes no Pacífico Sul 1024x768 Papel de Parede Wallpaper
Tenho andado muito arredada das notícias. Normalmente não vejo televisão e vou sabendo da atualidade, no geral, via internet. Como é final de ano letivo, esses e outros afazeres portanto impostos, o tempo escasseia e nem os sites e blogues habituais tenho conseguido acompanhar. O que há de novo? Já saímos da crise? Os subsídios voltarão mais cedo? O Euro já começou e, talvez melhor, passou? Ou, se fizer o périplo, continua tudo na mesma? Crise profunda e o profundo marasmo como reação do povo? O mood continua em baixo, nas vésperas de férias de que tanto precisamos porque ao menos esqueceríamos tudo durante uma semana? E que, desta vez, nem isso conseguiremos fazer? Nem sei se queira saber o que vai por aí, se não. Apetecer apetecer era mais uma longa estada longe disto tudo, tipo fora da Europa, para não houver palavras como euro/Euro (sim, os dois), crise, agências de rating, economia, troika, governo, desgoverno, e outras tão queridas do nosso quotidiano desde há tanto tempo, demasiado tempo a esta parte. Pacífico, estão a ver. Em tudo me apetecia o Pacífico.
E assim se faz um post sobre a atualidade que costumo não comentar sem comentar absolutamente nada sobre ela. Só podia ser, desta forma, profundamente pacífico.

junho 04, 2012

MetamorFASES


           
Três quadros, aparentemente sem conexão, três processos de transmutação individual, três linguagens de vida que se encontram e desencontram. Voos sobre a desilusão e o sofrimento, tombos que não aguentam a fasquia do renascimento e da felicidade. Valerá a pena a esperança? É possível evitar o precipício? Pode o amor ser sempre regenerador? Ou falta sempre algo mais na ruína das emoções que às vezes se torna fatal?
Que passagem é esta que ganha e perde? Que metamorFASES nos renovam ou nos destroem? A saída do casulo é aqui assegurada através do amor, da força interior e exterior, da bondade, mas há também aqueles que não conseguem escapar aos abismos incontornáveis.
Aqui, a transformação não tem idade, diploma, género. Aqui, a metamorfose é, afinal, resultado de histórias de vida que por momentos se cruzam e encetam novas possibilidades. Resistiremos se alguém acreditar em nós? Ou residirá a nossa graça na mais profunda crença em nós próprios? O anjo que vem para nos salvar bastará por si só? Ou não será essencial à vida a borboleta dentro de nós ousar voar?

 O vídeo da peça, aqui.

(Escrita para as Escolíadas 2012; 1ª cena Quadro I- versão final - concebida e escrita pela encenadora, Andreia Silva.)

junho 03, 2012

O lugar para ser feliz


                         
Há pessoas que se apegam muito aos lugares. E para quem, desta forma, fica difícil sair e começar de novo num outro sítio qualquer. Se, de facto, recomeçar significa um acréscimo de dificuldades – conhecer, ser conhecido, ter reconhecimento, estabelecer uma reputação, tanto a nível pessoal e local como a nível profissional, então se a pessoa ainda está presa ao que ficou para trás as dificuldades serão maiores ainda. Quer-se com isto renegar a saudade? Não, mas tão somente dizer que o excessivo apego pode ser prejudicial para novos caminhos que se abrem.
Explicando. Muitas vezes são-nos propostos desafios pessoais e profissionais que implicam uma mudança de localização geográfica, de lugar. E muitas vezes, também, recusamos essas propostas porque não conseguimos cortar as amarras que nos prendem a um lugar. Claro que isto acontece mais frequentemente quando estão envolvidas pessoas de quem gostamos e aí há que pesar, de facto, se os nossos interesses de carreira valem mais do que os nossos amores ou família, na impossibilidade de mantermos idealmente os dois.
Mas, por vezes, também acontece que as pessoas da nossa vida estão dispostas a acompanharmo-nos e somos mesmo nós que não ousamos mudar, agarrados que estamos a afetos construídos num lugar que nos viu crescer, a rituais e hábitos dos quais não nos conseguimos ou não queremos libertar. Tememos perdê-los com a mudança, tememos não conseguir voltar a criar nenhuns parecidos ou que a eles vagamente se assemelhem. Porque o apego aos lugares vem, muitas vezes, acompanhado de um fiozinho de medo. Medo de perder o seguro e o conhecido e de nos aventurarmos pelo desconhecido.
Veja-se o exemplo de uma simples mudança de escola, por exemplo, para quem é professor. Há quem tema os concursos, enquanto que outros anseiam por eles (não falemos da  questão da instabilidade mas de quem já está efetivo). Os primeiros, desconfortáveis onde estão, preferem não concorrer por não saber onde vão parar, mesmo se mais perto, alegando, como já ouvi, que podem ir para pior. O pessimismo e o desconforto em relação ao que não se controla nem se conhece domina claramente a insatisfação com o presente. Nem são os afetos pelas pessoas à volta, nestes casos. E muito menos a saudade que se iria sentir. Mas o lugar, o seguro, o território já explorado, a ausência de surpresas, de dificuldades, de entraves iniciais.
Por outro lado, há algumas vezes alguns toques de possessividade carinhosa neste apego a um local– como amo a minha cidade, e, sobretudo, como amo  o meu país, alargando o conceito. Que todos dizemos, como sentimento de pertença a um lugar, peça fulcral de construção de uma identidade. No entanto, eu também sou pela mobilidade, independentemente das suas causas e são várias e variadas. Atrevo-me, por isso, a deixar uma emblemática pequena frase em inglês de que muito gosto e que serve para nos desapegar um pouco e nos tornar mais flexíveis e adaptáveis: “Home” is where the heart is. Ou isto é, de alguma maneira, passível de ser negado?
 também no bahiamulher

junho 02, 2012

Eu sei que vou te amar



Por altura do 11 de setembro o mundo ficava chocado com o ataque terrorista mais hediondo da história. Mas teria sido porque foi de facto o mais chocante, o mais espetacular, quase hollywoodesco (anos antes Schwarzzenegger havia feito um filme com uma cena semelhante, a pilotar)  ou o mais mediático, porque perpetrado numa cidade de inúmeras referências culturais para o "ocidente"?  Não tenho quase dúvidas que a resposta do subconsciente é a segunda. Ou seja, o mesmo se tivesse passado a "oriente" e o choque e o impacto não teriam sido os mesmos - não teria sido o evento "que mudou o mundo", epíteto que revela bem a importância que detém a nação dos EUA, a cidade de Nova Iorque, Manhattan na cultura que predomina no mundo, se visto deste lado. Convenhamos que o poderio económico, e daí  político, mediático, cultural de uns países é bem maior e portanto mais válido do que o de outros. Morrer ou poder morrer um americano e isso estar nos jornais e na TV é mais sério e precioso do que um afegão ou até, é verdade, um português. Foi dito por outros, é aqui repetido por mim.
Porque é que ficamos tão perturbados com as imagens de Nova Iorque? Para lá do horror por si só? Porque desde sempre nos habituamos a ver esta cidade através de variadíssimas referências como a música, a literatura, a pintura, e sobretudo o cinema. O nosso imaginário coletivo está repleto de imagens desta metrópole e, desta forma, não há como não amá-la. Temos nós a mesma relação com outras cidades  mundiais? Porventura ainda mais populosas e onde a tragédia seria ainda maior? Onde quero chegar? Bem, pretendo tão somente dizer que a nossa reação a um acontecimento funesto depende do grau de envolvimento emocional com uma cidade, neste caso, mesmo se até sejamos críticos para com a nação e as suas políticas. E que essa proximidade decorre dos laços que nos vão estimulando através da cultura e dos media, essencialmente. E que estes, consciente ou inconscientemente,  são sectários e que contribuem para a divisão e para a intolerância. 
Gosto de Hollywood - parte dela - mas nunca me foi dada a oportunidade de gostar de mais para além dela. Há uma brutal indústria cinematográfica na Índia - porque não cresci eu com Bollywood também? Há uma enorme indústria de cinema no Cairo - porque não fomos nós habituados a ver filmes em árabe desde cedo? Quantos problemas "civilizacionais"(e como detesto este conceito) não poderiam ter sido ou ser atenuados com o conhecimento? O medo e a ignorância são os inimigos da aceitação e da compreensão. Porque razão tenho que só olhar sectariamente para este lado - Nova Iorque, Paris e Londres? Porque não conhecer desde sempre Mumbai, Cairo e Teerão? Porque tem o meu conhecimento (e o "deles", do outro lado, a assim ser) de ser redutor e segregador? Os media têm de facto provocado muitos ódios e guerras - ou pelo menos não os têm amenizado - em tempos que deviam ser de mais abertura e universalidade.
A aldeia global não pode ser apenas tecnológica, ela tem de instalar-se definitivamente a nível do intelecto. E as referências culturais podem ser e são um excelente caminho. Mostrem-nos o que está lá, bombardeiem-nos com imagens de vida que não sejam só bombas e horror do outro lado, inundem-nos também com a diferente cultura dos outros. Façam-nos, por favor, amar outras cidades. Façam-nos amar muitas mais cidades.