outubro 31, 2012

Os que deixam marca

Imagino que as pessoas marcantes são aquelas que não esquecemos, que se perpetuaram na nossa memória de forma voluntária ou não. Acredito que é sempre de forma involuntária, até. O que não significa que não queiramos lembrar algumas, muitas. Mas outras há que gostaríamos de apagar da lembrança e, no entanto, não nos é possível. Estão lá para nos confrontarmos com encontros menos felizes, opções que fizemos ou falhámos, momentos que escolhemos viver ou não. Estão lá para que possamos tirar algum tipo de lição, na maior parte das vezes. Para que os encontros, as opções, os momentos presentes e futuros sejam encarados sob outras perspetivas, uma vez dotados de experiências passadas. E que dizer das pessoas marcantes que desejamos recordar sempre, ainda presentes na nossa vida ou, frequentemente, levadas com a aragem dos anos, das escolhas, dos imprevistos, dos desencontros, dos momentos que não foram mais eternos? Porque razão persistem ou persistirão na nossa memória para além do comum? Pode ter sido uma convivência intensa, um amor que não maturou, uma frase que se disse, um estilo de vida que vislumbrámos, uma atitude ousada, uma partilha de qualquer espécie, um conforto quando precisámos, um rasgo de loucura, um ensinamento inesperado, um instante que nos deixou feliz. Qualquer coisa de belo, de intrigante, desconcertante, inteligente, doce, inesquecível, que nos reforçou o alento, a esperança, a confiança, a cumplicidade, a audácia. Qualquer coisa que nos fez evoluir de alguma forma. Que nos fez ir mais longe.
Podem as pessoas que gostaríamos de esquecer ter conseguido algo parecido? Provavelmente. Se houve dor, esta também faz crescer. O enveredar por outros caminhos, o explorar outras possibilidades. As pessoas marcantes subsistem na nossa mente, e muitas vezes no coração, porque algo nelas desencadeou alguma espécie de movimento em nós, de processo, ou mesmo de revolução. Independentemente da duração e da intensidade, elas podem ter mudado - e mudaram - algo em nós e no modo como vivíamos ou pensávamos que vivíamos. São muito diferentes daquelas que esquecemos, tantas, boas pessoas ou não, mas indiferentes, e que se apagaram porque nada de novo nos trouxeram. De forma positiva ou negativa, as pessoas marcantes deixaram-nos um legado, por muito estranho que este possa ser. Acredito que se tratou de um legado maioritariamente positivo, se encetou uma mudança de que necessitávamos, se nos deu um outro olhar sobre nós e o resto. Por isso nos marcaram - essas pessoas. Ou nós a elas.

outubro 30, 2012

O jogo



Nas escolas exigem-nos sucesso. Praticamente total. Disso depende a abertura de cursos, a criação ou perda de turmas, o assegurar ou não de postos de trabalho dos docentes. Deste sucesso depende, pois, a sobrevivência. Digam lá se o jogo não está viciado. Digam lá se podemos ser honestos intelectualmente face a uma espécie de ultimato. Ou passas ou morres. Digam lá como manter a fasquia da exigência e do rigor, sobretudo no que diz respeito ao conhecimento, nestas circunstâncias. Porque queremos sobreviver, tão somente. Exigem-nos, assim, piruetas, malabarismos, habilidades, talentos que não sabemos que temos. Porque há alunos que não querem aprender, que nada fazem, que esperam o diploma, que se dedicam apenas às componentes técnicas e ainda assim nem todos. Como promover o conhecimento, o saber e, sobretudo, a honestidade intelectual nas escolas? Quando os dados estão como estão e o jogo está perdido se não aceitarmos as suas regras sujas? Que tipo de gerações futuras e sociedade teremos sem uma base sólida de esforço, de trabalho e, relegado para segundo ou terceiro plano, de saber?
Trata-se de um dilema, daqueles que provocam revolta se quisermos jogo limpo. As metas são altas, muito altas tendo em conta os discentes que se estão nas tintas para o estudo. Mas o preço também é muito alto se não soubermos fazer milagres. 

outubro 28, 2012

Nasce selvagem




Cinquenta por cento doce, cinquenta por cento selvagem. O segredo era conseguir-se despertar-lhe a ternura e não acirrar o seu lado indomável. O segredo era saber quando afastar-se e aproximar-se. O segredo era ter um lado dócil e um lado bravo que exigisse dele os mesmos cuidados. Ou os mesmos tormentos. O segredo era apreciar a sua natureza, quando chovesse ou fizesse sol. Era saber conviver com ela, ou com ele, surpreendo-o com a espantosa gestão do seu lado imprevisível. E à força de tanta mestria conseguir domesticar essa imprevisibilidade. Era o segredo. Que poderá ou não continuar a sê-lo.

Patriotismo

Finalmente lá me resolvi a escrever uma coisa que poderá desagradar a alguns leitores - pois teve o mesmo efeito em mim. Há dias, um estrangeiro meu conhecido, que está em Portugal a doutorar-se na área das letras no Porto, dizia-me que achava que a crise em Portugal era basicamente propaganda. Vindo da Sorbonne, onde esteve 7 meses, salientava que em Portugal as pessoas vivem bem, têm belos carros, casas, que os hipermercados estão cheios e que há muito consumo. Disse-lhe que a crise se vem arrastando e que esse estilo de vida, observado por inúmeros estrangeiros, verdade seja dita, está a perder-se, pois até na classe média estão a sentir-se sérias dificuldades. Não estamos a conseguir viver como outrora, tem havido cortes nos salários, em subsídios e a austeridade é para continuar. Ficou surpreso quando lhe falei, desagradada, pois então, que, também no meu caso, me cortaram subsídios e que isso significa perda de benefícios e outros. Mas têm de contribuir para recuperar o vosso país, isso é inclusivamente uma questão de patriotismo, avançou. Aqui, o verniz estalou. Não discuti mais o caso porque o nosso encontro estava a chegar ao fim e eu estava com pressa. Mas... patriotismo? Patriotismo quando trabalho há anos e vejo cortados tantos direitos de que outros já usufruíram, em várias áreas? Bem sei que tem razão quando diz que nós, portugueses, consumimos demasiado. Sabemos que este consumo desenfreado, baseado no crédito e nas aliciantes bancárias, também fez claros estragos. Mas porque me hei de eu sentir patriótica se cumpri o meu dever, paguei os meus impostos, fui uma cidadã exemplar e em retorno vejo despojadas as minhas posses? Mas o meu caso, classe média, funcionária pública (ah, será esse o meu pecado, claro) nem é nada relevante. Ou é muito pouco. Mas que dizer de quem ficou desempregado? De quem tudo perdeu? De quem não pode sequer sustentar uma família com os bens essenciais? Que fazer quando há um casal a viver desta forma? E com filhos, muitas das vezes? Que dizer da emigração forçada dos jovens e não tão jovens como escape para uma vida aqui, sem dignidade possível? Que espécie de patriotismo poderão eles sentir? Como lhes exigir que amem o seu país e se sacrifiquem por ele quando os seus projetos estão constantemente a ser adiados? E como explicar a um idoso que deve contribuir também com o seu esforço (e que esforço, tantas vezes) quando já se havia esforçado como forma do estado lhe assegurar uma velhice tranquila?  Penso que são precisos sacríficios, de vez em quando, a nível pessoal e coletivo, como nesta situação. Mas isso também é fácil de dizer quando ainda há muito que se consegue assegurar. Impossível dizê-lo quando já se tem pouco ou nada. O que é que podes fazer pelo teu país e não o que é que o teu país pode fazer por ti. Parece-me, é verdade, que precisamos de nos lembrar disto, ocasionalmente e com sentido de responsabilidade, com a responsabilidade que também devemos ter e que nos é naturalmente exigida. Mas o teu, o meu país também não pode retirar-me tudo, desiludir-me quando cumpri e acreditei. Porque, lá está, não o amarei da mesma maneira.

outubro 27, 2012

Esplendor na relva

       
Maravilhoso filme, o primeiro de Warren Beatty, e um de muitos em que Natalie Wood surge esplendorosa, apesar de sofrida. Um romance que não podia acabar como acabou, uma história com demasiadas interferências, um eco de um tempo e ainda assim tão intemporal, tão eterno. Porque o amor torna tudo possível, mesmo quando não desejamos que assim fosse.

"Though nothing can bring back the hour
Of splendour in the grass, of glory in the flower,
We will grieve not, rather find
Strength in what remains behind."
                                                                                                                                                                        (William Wordsworth)                                                         

Transições



De repente, hoje lembrei-me que os períodos de transição não podem ser senão complexos, confusos, arriscados e cravados de incertezas. O que constitui um álibi muito bom para quem não defende a mudança. Seja em que área for e a propósito do que quer que seja, são períodos que não tranquilizam e não asseguram necessariamente uma melhoria. Mas o que é facto é que a podem trazer. Posto isto, continuaremos alguns a querer conservar o que tínhamos, por receio de virmos a ter algo pior. E continuaremos outros a desejar e a realizar a mudança, convencidos, porque esperançados, de que teremos melhor. E desta forma, ganha-se e perde-se, algumas vezes, inúmeras vezes. Não podemos é classificar, adivinhando, o estado final pela transição que acompanha o processo. A transição agita, erra, questiona, avança e recua, inquieta, assusta. Porque também, e no seu melhor, renova, transfigura, repensa, faz evoluir. Aguentando-a apenas ou até usufruindo dela, mas não esperando que seja idealmente perfeita. Não julgar, pois, o aftermath pelo tumulto natural das transições.

outubro 26, 2012

Chamar, não, desligar a música



Já lá vão uns anos. Li algures que o teste da velhice surgiria quando deixasse de identificar as músicas e os artistas que passam na MTV. Já lá vão uns anos. Em que me tornei velha, portanto. Já lá vão uns anos em que deixei de ver canais de música, inclusivamente. E já lá vão também uns anos em que a música deixou de fazer parte das minhas áreas de cultivo, independentemente do tipo de música de que gosto e se é a certa, a culta, a moderna ou não.
Na verdade, apesar de adorar certas melodias, sons e músicas, estas sobretudo passadas, não sou nada musical atualmente. Era-o, fui-o, na adolescência e prolongou-se até alguns anos depois, uma cultura musical simpática (apesar de ser muito mais cinéfila, desde sempre). Tinha tempo, tinha boa memória, não havia internet, sobretudo em casa, nem facebook, nem um traquinas a espalhar-me brinquedos pela casa toda. Literalmente toda. Desta forma há um desconhecimento descomunal sobre tudo o que é música e artista novo nos panoramas nacional e internacional. Reconheço vozes e estilos apenas dos cantores e bandas que já conhecia antes. Nomes novos, nada. Em casa gosto do silêncio, da net e a televisão está ligada nos canais infantis. No carro, venero o silêncio e a comunhão com o espaço exterior, pelo menos no verde trajeto que faço para o trabalho. Por vezes lá escuto alguma rádio e aprecio uma canção ou outra, verdade seja dita, sem saber muitas vezes, a maior parte das vezes, quem canta. Tornei-me distraída para estas coisas, e proliferam nomes novos a mais para uma pessoa velha. Antes de ser mãe, espantava-me quando as minhas colegas, as que tinham filhos, não tinham visto nem ouvido nem sabido de uma data de coisas. Tornei-me igualzinha a elas. Ou pior, pois há mulheres super que tudo conseguem acompanhar, embora seja difícil com crianças a precisar de cuidados e atenção permanentes e um trabalho absorvente. Esta ignorância musical atual cava um abismo enorme entre mim e os meus alunos adolescentes. Não me venham com hip hop e trance, techno e house, alternativa e agora gangnam. Que falta de paciência e que falta de conhecimento e já agora falta de prazer para escutar estas coisas. O que me vale é que quando levo canções para a aula, velhas mas populares e eternas, eles conhecem-nas relativamente bem. O revivalismo dos anos 80 (que grande década musical) e a cultura musical de alguns ajuda. Mas ainda assim sou gozada por não conhecer muita coisa.
Ainda vai/s a tempo de se/te atualizar/es e de curtir/es os sons de agora, poderão dizer. Oh meus amigos, sei que estou velhíssima, não me deem música.

outubro 25, 2012

Deslumbrante



Não podemos, mas não podemos mesmo, perder a capacidade de nos deslumbrarmos. O deslumbre não precisa de ser face a grandes gestos, a grandes ousadias, a grandes eventos, a grandes façanhas humanas. Pode ser mas não apenas. Pode tratar-se do deslumbre perante pequenas coisas, simples, de natureza geográfica e física por exemplo, ou então pequenas coisas vindas de outros, de quem amamos ou apenas conhecemos. O que importa é a sensação de paz e de plenitude, a surpresa com a generosidade e com a elegância, o sentir da vida que pulsa numa manhã de verão e o sentir dos afetos que vão povoando os nossos dias. O deslumbre exige que sejamos capazes de nos maravilhar, ainda, como se crianças fôssemos. Quem conserva um lado infantil, genuíno, pode mais facilmente espantar-se amiúde com a beleza do mundo e também a das gentes, a interior, a que é invisível à primeira vista. Mas ninguém consegue o deslumbramento em estados depressivos. É preciso a energia vital estar desperta para nos enternecermos com um final de tarde outonal, um banho de mar numa praia quase vazia, uma rua fresca sob o arvoredo, o chilrear de um pássaro numa manhã de sol. É preciso a energia vital para nos deliciarmos com as mãos de uma criança, com um sorriso franco e amigo, com um convite para chá e torradas, para uma tardada no sofá em família. Quando um problema é avassalador, tudo parece perder - perde - o encanto. Envelhecemos de repente e não acreditamos no futuro. E isto pode ser devido a uma tragédia, a uma doença, a uma perda, a um viver sem dignidade de alguma forma. Resta-nos esperar. E no meio da angústia, esperar por um tempo melhor. Um tempo em que, esperançosamente, nos voltemos a deslumbrar. Buscando o menino ou a menina que há em nós. Só assim olharemos em frente e esboçaremos sorrisos interiores. Porque, se bem, e no meio de imperfeições diversas, tanta coisa nos soará perfeita.

outubro 24, 2012

Leão


Esse ego...
Confiança, honey.
Essa individualidade...
Criatividade e independência, darling.
Essa teatralidade...
Emoção e humor, my dear.
Essa mania de seres o rei...
Pois, sim, mas com quem mais serás e sentir-te-ás tu uma raínha?

Cantar é triste

A voz e as suas músicas tocam-me. Para lá do usual, muito para lá do usual, mergulho num oceano de sentido sentimento, até de uma estranha espécie de dor. É uma viagem que faço, de forma rara, à mais profunda portugalidade e a um tempo em que história e memória se entrelaçam, enternecendo-nos e comovendo-nos de forma única. Há uma tristeza  e ao mesmo tempo uma beleza sem fim, um sentir de melancolia e o raiar da esperança em forma absoluta. Assim é este cantar. 

outubro 23, 2012

Da razão e da emoção



Ao ler este texto da Carla, também me assaltou a vontade de discorrer sobre o mesmo assunto. De como raciocínio e sensação devem co-habitar, criando-se equilíbrios que nos enriquecem e nos fazem mais completos.
Há indivíduos em que, claramente, prevalece a razão sobre a emoção. Têm, pois, uma grande necessidade de racionalizar as coisas, analisando-as, tentando encontrar explicações, levantando questões, dissecando-as, bem ou mal, não importa, e fazendo dessa prática a componente básica da sua existência. Neste sentido, não criam momentos de puro relaxamento, em que pensar e raciocinar tenham direito a uma pausa. Têm, pois, imensas dificuldades em descontrair-se, em deixar ir, em deixar fluir, exercendo uma espécie de controlo sobre tudo o que existe, sobretudo um controlo exagerado sobre eles mesmos. Conheci algumas pessoas assim, em que falar, discutir, bradar, indignar-se, concluir vinha sempre primeiro - ou substituía completamente - qualquer tipo de sensação mais livre. Há uns largos anos atrás, combinei andar de bicicleta com uma colega. Não voltei a repeti-lo. Apesar de ser uma pessoa com caraterísticas positivas, claro, a experiência sensorial que para mim deve ser o contacto com a natureza, o ar livre, o físico, saldou-se por um rotundo fracasso. Falou, intelectualizou e analisou o tempo todo, sentindo-me eu esgotada depois das pedaladas, não com estas, mas com tanta vertente cerebral quando o que queria era criar um momento de natural relaxamento. Trata-se de um pequeno exemplo, e vale o que vale. Mas, desta forma, concluo que não podia viver - sem a sensação, a emoção, as gargalhadas, o silêncio, a natureza, os prazeres, o que seja que me faz apenas sentir e usufruir.
Por outro lado, encontraremos indivíduos que são o oposto. Que apresentam grandes dificuldades em pensar, analisar, refletir sobre as coisas, deles e dos outros. Prevalece o sentimento, a emoção sobre qualquer tipo de razão. Reagem à base de sensações e pulsões primárias, com tudo o que a ausência de pensamento implica, na tomada de decisões, na análise de um problema, no diálogo que tantas vezes é preciso, nas atitudes que tomam e no curso de vida que acabam por trilhar. Extremamente emotivos, por vezes sentimentais demais, magoam-se e magoam, não pela frieza dos cerebrais, mas pela avalanche de emoções, frequentemente baralhadas, desarrumadas em que vivem. É-lhes difícil esfriar certos acontecimentos, palavras e gestos, numa espécie de turbilhão irracional que os arrasta e desgasta. Como viver a sentir o tempo todo? Como não teorizar e refletir? Como não aprender e reaprender? 
Posto isto, a Carla tem razão. Somos feitos - será bom que sejamos feitos - destas duas complementares componentes. O equilíbrio, nosso e dos que nos rodeiam, será bem maior se conseguirmos estabelecer uma união entre as duas, que resulte, umas vezes cometendo erros,  outras alcançando sucessos. Não nos dará a chave da felicidade total, nem esta existirá. Mas dará para nos aguentarmos, pensando quando há que pensar e sentindo o que há para sentir. Q.b. Ou não?

outubro 22, 2012

Quando o rei faz anos?



Gosto do otimismo, do otimismo-esperança, do acreditar no futuro. Não gosto do otimismo-cegueira, do ignorar os obstáculos. Gosto de reflexões sobre o positivismo, se bem feitas, sólidas e convincentes. Não gosto de frases feitas, à pressão, que proliferam nas redes sociais e outros. Que procuram sempre dizer coisas otimistas, do género faz isto para seres feliz. Atentem nesta : "vive cada dia como se fosse o teu aniversário". Estava em inglês e pus-me a pensar. Credo. Imagine-se o que seria viver todos os dias como se do meu aniversário se tratasse. Não aguentaria de tanta emoção e mimo.
Se há festas de que goste realmente, são as de aniversário. São exclusivas e vejo sempre os dias de anos - o meu dia de anos - como um dia diferente. Já foi mais assim mas ainda o é. Adoro os telefonemas, os votos via FB, as sms, os beijinhos, os parabéns recebidos fisica ou virtualmente, as atenções sorridentes e afáveis de familiares, amigos, colegas, alunos (se por acaso souberem, o que é raro) e conhecidos. Mas é, assim sendo, uma tremenda canseira. Todas estas mostras de carinho e amizade deixam-me sem fôlego, adoro-as e quero-as mas não as sustentaria numa base diária. Não faria mais nada - seria uma mimada ociosa entre prendas e confortos e ao mesmo tempo chegaria esgotada ao fim do dia de tanta emoção.  Até porque há dias em que gosto de estar sozinha. Com tudo o que isso implica.
Por outro lado, há quem não ligue a mínima ao seu dia de anos. Um dia perfeitamente normal, que não lembrariam se não houvesse alguém a recordar-lhes e que não festejariam não houvesse alguém a surpreendê-los. Ora isto não seria, também, sustentável numa base diária. Não haver picos de entusiasmo nem uma emoção especial, passando pela existência e pelos acontecimentos sem margem para a alegria, a festa, a celebração da vida. Uma passagem monótona, modesta demais, pouco dada a momentos especiais. Provavelmente muita racionalidade e pouca sensação. Longe da matéria de que devem ser feitos muitos dias.
Por todas estas razões, que afinal são só duas, não podemos viver cada dia como se do nosso aniversário se tratasse. Porventura achará o leitor este texto completamente inútil, descabido, nonsense e sem interesse absolutamente nenhum. Tem toda a razão. É isso tudo. Exatamente como a frase, pois claro.

outubro 21, 2012

A propósito

Pequenas reflexões, de propósito, e a propósito de...

A menina que ficou sem almoço numa escola. Custa a saber, trata-se de uma criança e seríamos capazes de o fazer? Mas não serão os pais também culpados pela situação extrema a que se chegou? Isto porque eu própria, sendo distraída com as datas de pagamento, uma vez fui avisada (aviso geral, que incluía outros mas também a  mim) de que se não regularizasse a situação até tal dia, na semana seguinte o(s) pequeno(s) não iria(m) poder comer na escola, em hora de ATL. Corri para a escola a amaldiçoar a distração crónica de que padeço (e o pai também) e tudo se resolveu, pagando atempadamente - quando já o devia ter feito. Assim sendo, penso que temos de estar atentos e cumprir com os compromissos. A não ser que não seja possível monetariamente. Mas aí as coisas devem ser apresentadas e discutidas - não sei se foi o que se passou.

Depois do Allgarve surge Poortugal, pelo The Economist. O trocadilho não é novo, essa piada circulou tantas vezes nas redes sociais já faz tempo. Penso ter partido dos próprios portugueses e pelo que vi online, o jornal britânico não clama a criação de tal epíteto para si. Não li o texto original. De qualquer forma, tem, teria graça, o trocadilho, não fosse a desgraça que tal jogo de palavras indicia. 

Durão Barroso a receber o Nobel da Paz, em nome da União Europeia, juntamente com outros dois responsáveis. A acreditar no que li, claro. Não deixa de ser, no mínimo, curioso que o anfitrião da cimeira dos Açores, em que se planeou ou ultimou a ideia iluminada de invadir o Iraque a propósito de armas que afinal não existiam, vá receber um prémio que significa em tudo o contrário. Ele há cada uma. Uma coisa é certa - quem se porta mal ainda recebe prémio. E isto é do pior se for essa a conclusão que tirarmos.

A história da miúda canadiana que sofreu de cyberbullying é assustadora e, mais uma vez, lembra-nos do perigo a que estão expostos miúdos e adolescentes face a um mundo virtual aliciante, enganador, criminoso. Costumo discutir esta temática com os alunos quando dou os media no 11º ano, as desvantagens da internet e a ameaça que pode constituir para as crianças e jovens em geral. Vou passar um filme brevemente, que espero poder contribuir para alertar os meus alunos. Aqui fica a sugestão:


Tenham um bom domingo.

outubro 19, 2012

Portuguese do it better?

Não me passaram ao lado as manifestações, evidentemente, embora não me tenha debruçado sobre elas de forma sólida. Não me movo na área do jornalismo nem da política para escrever de forma suficientemente sábia e que diga mais do que tantos bloguistas mais experts na matéria. De qualquer forma, saliento um pormenor, provavelmente algo em que muitos não terão pensado mas que a mim  me assaltou o pensamento. É apenas um pormenor, repito. No Facebook circulava há dias ou semanas (sou tão intemporal com certos tempos, por vezes) a foto da jovem abraçada ao polícia ( a tal miúda que depois viria a mostrar-se menos de uma forma e mais de uma outra numa revista cor de rosa). E como legenda da foto aparecia o seguinte: Portuguese do it better (por comparação com uma foto das manifestações espanholas em Madrid em que os ânimos foram bem outros). Ainda que muitos se espantem, não gostei nada do que vi/li. O que significa isso? Que somos melhores do que os espanhóis? Um povo pacífico (amorfo, é mais o caso) que sabe sempre comportar-se de forma digna, mesmo num protesto? Realmente é bom não haver violência. É bom as pessoas controlarem os impulsos mais primários, atitudes provocatórias e destruidoras de bens e património. É bom a polícia não exceder-se - nem os manifestantes. Mas isso faz-me sentir feliz? O ser melhor do que o povo espanhol? Exibir uma superioridade na desgraça? Condenando a violência, por vezes não é ela uma forma de desespero? Resultado de uma situação incomportável e que as pessoas já não controlam? Como posso sentir-me superior no desespero? Na tragédia? Não deveria estar solidária com um povo que sofre o mesmo que o meu? Partilhar a dor e não gabar-me da minha civilidade nestas circunstâncias? Não sei o que os leitores pensarão. Volto a dizer que achei descabido, arrogante e, mais, não gostaria que os espanhóis no Facebook pusessem "Spaniards do it better" em relação a qualquer coisa em que os portugueses porventura pudessem ter falhado ou estado menos bem. Que conclusão tola de uma manifestação. Tão desviante daquilo que verdadeiramente importa. Nós portugueses somos assim - falamos mal de nós próprios a maior parte do tempo, denegrimos, mal ou bem, a imagem da nossa sociedade frequentemente mas depois gostamos tanto de nos comparar por cima em relação a outros países assim que surge uma oportunidade.  Gostamos tanto de passar por um país de passivos, perdão, brandos costumes. Já tantas vezes li também não somos a Grécia, não somos como os gregos, bla bla. Depois espantem-se e indignem-se quando outros - os alemães, os franceses, etc - dizem ou parecem dizer algo parecido. Estou-me nas tintas para ver qual é a manifestação melhor. Quero é que elas resultem,  em práticas concretas para fazer face aos problemas. Cá e, porque não quero ser  etnocêntrica, também lá. 

outubro 18, 2012

ARTEsanato


É-me muito difícil resistir a peças deste género e outras de cariz étnico, de vários pontos do mundo. Feiras e lojinhas deste tipo sempre me atraíram, embora tenham fechado muitas lojas que visitava regularmente com evidente prazer. Afinal, não são bens de primeira necessidade. Tão somente objetos decorativos que nos fazem viajar (na impossibilidade de o fazermos geografica e fisicamente) e dar um toque mais exótico aos nossos espaços europeus, urbanos, rotineiros e/ou funcionais. Gosto, gosto, gosto.

outubro 16, 2012

Os putos ... a aprenderem


Em França o presidente pondera acabar com os trabalhos de casa nas escolas, à semelhança de outros países que já o fizeram, de diferentes maneiras, até. Estive a ler a notícia no Público online, onde se diz também que Eduardo Sá, conhecido pedopsicólogo e psicanalista, corrobora esta posição, fundamentalmente para dar às crianças tempo para brincarem.
Bom, sou docente. Há três anos que não mando trabalhos de casa - estou numa escola profissional, pública, não são propriamente crianças os meus alunos, mas como não os faziam e também não sou apologista de passar aulas a corrigir trabalhos de casa, estamos assim. Falo do trabalho de casa de hoje para amanhã ou para a aula seguinte, porque há alguns, a médio prazo, que são pedidos, certamente. Isto pode ser e será discutível, tendo em conta a faixa etária dos alunos e tendo em conta que os trabalhos de casa obrigam os alunos a organizar-se, a concentrar-se nas matérias, a aprender mais, à partida.
Contudo, no caso de alunos mais jovens, e sobretudo crianças, não é tão controverso. É bem mais claro para mim que, de facto, as crianças precisam de tempos para brincar, para explorar, para descobrir ou apenas estar sem nada fazer.  São tantas as atividades extra-curriculares em que crianças, desde tenra idade, e miúdos maiores participam que lhes resta pouco tempo quando chegam a tarde tardíssimo desse movimento todo. Já fui pequena e nunca ia brincar antes de fazer os trabalhos de casa. Mas as aulas não duravam o dia todo nem havia o ballet nem o inglês nem o basquetebol nem nada parecido. No meu caso e em muitos casos da minha geração. Tinha, pois, imenso tempo de tarde para brincar, correr, saltar, andar fora de casa e mesmo regressar da rua perto da hora do jantar. Os tempos mudaram. Crianças e jovens estão enclausurados ou em grupo - nas aulas, nas atividades, no computador, na playstation, nos jogos vídeo, nas explicações. São cada vez menos as oportunidades de vida ao ar livre e não há momentos em que possam estar fora da pressão que sempre comporta estar em grupo. São essenciais espaços e tempos em que se possa fugir a essas exigências, libertadores, próprios da infância e da juventude primeira. 
Com isto quero dizer que não sou contra esta medida política. Um dos fatores que leva os  políticos franceses a ponderarem esta opção é a de que pais e família com maiores habilitações ajudam mais do que pais com habilitações inferiores, alastrando-se os contrastes socioeconómicos negativamente à aprendizagem  e avaliação escolares. Também tem, desta forma, uma vertente social que não é descabida. Poder-se-á alegar que sempre foi assim e que portanto será uma questão menor. Mas, de qualquer forma, não me repugna que haja poucos trabalhos de casa para jovens que têm tantas disciplinas e o horário cheio e tudo aquilo que já mencionei. E se falarmos de crianças, então muito menos. Porque que bom é, especialmente nesta fase da vida, ter um livro para ler e não o fazer.

outubro 15, 2012

Coisas


Uma coisa que não me enfureceu mas também não me agradou por aí além:
- a atribuição do Nobel da Paz à União Europeia. Pode ser que os fundamentos da sua criação sejam inspiradores e apaziguadores, serão, no rescaldo do que foi a Segunda Guerra e numa tentativa de aproximar as nações para lá do ponto de vista geográfico. Mas não se evitaram cenários como a dilaceração cruel da ex-Jugoslávia, cruel porque mortífera, nem a recusa até hoje da entrada da Turquia me parece algo profundamente conciliador. E depois a Paz, o Nobel da Paz, sempre distinguiu alguém, ou deveria, com caraterísticas humanistas e não propriamente com conotações económico-consumistas, certo?

Uma coisa que me chocou, como choca sempre:
- um indivíduo da Guiné Bissau, desempregado, sem antecedentes criminais, foi parar ao hospital por carregar 18 bolotas de cocaína dentro do corpo e uma ter rebentado. Que desespero pode levar alguém a cometer um ato de puro suicídio? Embrulhada em preservativos, a substância não circula(va) mundialmente para fazer o bem. É um negócio sujo, odioso e que espalha desgraça. Mas ao mesmo tempo, o horror que me faz sentir esta notícia, a de alguém engolir, desta forma chocante, cocaína que não só destrói outros como mata sobretudo quem a transporta.

Uma coisa que me sensibilizou, entre tantas outras:
- atores portugueses em grandes dificuldades económicas, num estado de amargura, tanto pelo desespero de não conseguirem remuneração como pelo vazio de não conseguirem fazer aquilo que sabem. Uma reportagem na SIC que mostrou um desencanto com o país, a cultura e, pior, com a vida. Palavras e tons que entristecem, que refletem os tempos difíceis, e muitas vezes também a queda de quem já esteve bem mais alto. Não são os únicos, obviamente, mas dói saber que gente com talento(s) e que nos habituámos a ver ao longo dos anos está na prateleira. Com tudo o que isso significa.

outubro 13, 2012

Ponto de viragem

A questão é conquistar aquilo que lhes foi negado e arriscar aquilo que conquistaram.

Esta é a frase - e conclusão - final de um excelente programa que vi no canal Nat Geo Wild sobre Cuba. Se há programas que nos fazem aprender, viajar e enriquecer, este foi seguramente um deles. Realizado com extrema sensibilidade, contando alguns aspetos da história recente da ilha mas sobretudo focando as dificuldades do povo cubano mas também as suas vitórias, este foi um programa que mostrou as potencialidades futuras da nação castrista e também as suas limitações presentes. Estas decorrem de opções políticas e de um regime que isolou os seus habitantes, evidentes através da degradação geral dos edifícios, da má qualidade da mancha urbana e da inexistência de infraestruturas a vários níveis. Também o isolamento - fruto de outro fator, um aniquilador embargo que dura há anos - a que chegou a ilha caribenha se sente a nível dos consumos básicos, desde comida, produtos de higiene e outros. E, claro, depois a abertura ao turismo como solução para o socialismo cubano, criando paraísos para estrangeiros e fazendo os nativos entrever um pouco do estilo de vida de paragens mais consumistas. Por outro lado, a educação e a saúde são  acessíveis e gratuitas para todo o povo.  Há ainda uma simplicidade geral, nos gostos e nos divertimentos, quase uma ingenuidade que toca, comove. Pureza geográfica e humana. Portanto, se Cuba se virar cada vez mais para o estilo de vida ocidental, nos desejos e no novo-riquismo que vai surgindo em algumas camadas da população (rendimentos vindos da família no estrangeiro), pode muito bem vir a fazer parte da (des)ordem mundial, com os bens de consumo a palpitarem. Resta saber então se o estado - e a nação - conseguirá aguentar triunfos que a revolução também trouxe.

outubro 11, 2012

Deserto vermelho


Já passou tempo, bastante tempo em que via filmes italianos em tardes passadas frente ao televisor. Só havia um canal, o estatal, e foi quando pude ver tantas obras-primas, nomeadamente da corrente neorrealista.
Il Deserto Rosso, de Michelangelo Antonioni, deixou-me desde cedo memórias de claro vazio existencial, antecipando as angústias modernas que povoam cada vez mais a nossa existência. Dupla internacional, que me conquistou, Monica Vitti e Richard Harris.

outubro 09, 2012

A idade da inocência



Há sempre uma altura em que perdemos a inocência. Geralmente isso acontece com uma desilusão, e pior, avanço eu, se for amorosa. Porque a deceção com uma amizade magoa mas com um amor que vislumbrámos como exclusivo fere ainda mais. Há quem não tenha desilusões durante grande parte da sua vida ou mesmo até nunca. Outros têm-nas cedo ou na idade madura. O discurso, após uma grande deceção pessoal, é diferente. Há um certo travo de amargura, resultado do contacto com um tipo de sofrimento emocional que não foi pedido nem previsto. Nada já surge de forma tão inocente, ingénua, crédula. Quem se dececionou será sempre mais desconfiado e menos maravilhado perante o mundo e as pessoas.   Mesmo se continuarem, como devem, a espantar-se e a deleitar-se com um número infindável de coisas boas, a perceção dos outros terá mudado alguma coisa. Desiludiram-se com a condição humana. E vai demorar o seu tempo até se reconciliarem, até se encantarem de novo. Que é a cura ideal para a deceção com alguém. Talvez menos inocentes, talvez nada inocentes, agora. Trará esse facto a certeza de evitar mais um baque de alma? Talvez não. Mas poderá torná-lo bem menos surpreendente ou mesmo menos doloroso. Embora o ideal fosse, neste caso, conservar sempre a inocência. Bom sinal seria.

outubro 05, 2012

As novas vidas


A maternidade (e acredito que o mesmo se possa dizer da paternidade) traz-nos grandes e pequenos prazeres, pequenos e grandes pânicos. Passamos a dar valor a pequenas coisas que passamos a fazer e enchemos o coração com um afeto maior do que tudo. Passamos a preocupar-nos com pequenas coisas que não faziam parte do nosso rol de preocupações e ganhamos grandes medos face a outras realidades. Relativizamos coisas que antes nos angustiavam e tememos outras que antes não nos atemorizavam. Tornamo-nos mais serenas e também mais stressadas. Ganhamos forças e perdemos coragem. Reforçamos o nosso mundo de sentimentos e perdemos o sentido de aventuras. Já não queremos estar em todo o lado e queremos estar sempre ao seu lado. Pois os filhos trazem essa transformação, interior e exterior, com marcas visíveis na atitude e na postura perante as maravilhas ou dificuldades da vida.
Pessoalmente, tornei-me mais serena, menos impulsiva, menos aguerrida. Provavelmente menos corajosa e certamente menos aventureira. Não estou sempre a desejar viagens e estar em locais diferentes, nem me apetece ir ao outro lado do mundo, à procura de sensações diferentes. Pelo menos, com a mesma intensidade ou frequência. Passei a viver pequenas coisas quotidianas com outra perspetiva, com entusiasmo, pois olha-se o mundo pela segunda vez. Assim sendo, descobrimos coisas há muitos esquecidas ou aprendemo-las pela primeira vez, já que nos é naturalmente exigido que ensinemos o que sabemos, e o que não sabemos, aos nossos filhos. Também não me exponho tanto a confusões, profissionais ou outras, porque a serenidade é maior e aprendemos a gerir e a centrarmo-nos no que verdadeiramente importa.
Há, pois, uma centralização muito grande em torno da família. A dispersão de espaços e atividades e a socialização de que antes fazíamos questão, saem afetadas. Há quem consiga ainda gerir os dois mundos, o familiar e o social quase de igual forma, mas para quem trabalha e tem responsabilidades várias, torna-se mais difícil. Obviamente que temos todos de matar saudades da vida social de vez em quando mas não é possível fazê-lo com a mesma intensidade se se respeitar os horários vários de crianças e todas as suas necessidades. Ao mesmo tempo, há muitas vezes a preferência por ficar em casa, em família, porque a necessidade de acompanhamento é natural e é saudável que assim se faça.
Quando não se tem filhos, não se sente a falta, já dizia uma grande amiga. Mas quando se tem a falta é quase permanente. Não se está mais completo, e não é uma mera questão de saudades, é mais do que isso. É a preocupação constante com o seu bem-estar, a certeza de asseguramos a sua segurança e podermos protegê-los de possíveis perigos. O mundo lá fora surge agora como algo perigoso, de uma forma que não antevíramos antes. E dessa forma queremos manter-nos por perto.
A maternidade (ou, mais alargado, a parentalidade) é o grande teste da vida. Há um antes e um depois. Uns dias mais atarefados e cansativos, uns dias menos glamourosos e ousados mas sempre compensadores e felizes. Porque é, afinal de contas, a grande aventura.

escrito para o bahiamulher

outubro 03, 2012

Mudam-se os tempos... e as vontades?



Hoje de manhã, enquanto tomava um café, peguei num jornal nacional diário, o que não acontece com frequência, até porque a esta hora costumo estar nas aulas e não tenho acesso a jornais deste tipo. Isto leva-me a escrever sobre dois aspetos. O primeiro é que ler "no papel" é um prazer tão infinitamente maior do que ler online. Até porque a qualidade dos jornais escritos, físicos, é completamente outra. Pude ler, entre outros artigos e notícias, uma interessante crónica de Baptista Bastos, por exemplo. O autor falava do caráter dos homens, assente em qualquer coisa como o estado sólido, gasoso e líquido. A abordagem era essencialmente política e social, e não pretendia, à partida, distinguir os géneros. Mas fiquei eu depois a pensar se nas mulheres também é observável esta circunstância -  a de que há cada vez menos mulheres sólidas e do que esse estado significa - e os outros - no sexo feminino. Mas adiante.
Nas escolas, quando comecei a dar aulas, havia nos intervalos oportunidades de termos excelentes conversas, havia um jornal sempre sobre a mesa central na sala de professores e havia também um televisor. Penso que os jornais ainda se manterão na maior parte das escolas mas a televisão desapareceu. Os intervalos são de 5 minutos e é o tempo que levamos a sair de uma sala e a entrar noutra. A tertúlia que encontrei e que me elevava nos princípios da profissão desapareceu completamente. As pessoas entram e saem apressadas da sala de professores, vão tirar fotocópias, imprimem documentos e tentam dar conta das imensas papeladas de que o ensino se reveste atualmente.  Por outro lado fala-se muito e mais dos alunos e menos de outras coisas que ficam fora da esfera escolar. Deste modo, tornaram-se locais desinteressantes, sem espaço para falar e abordar outras temáticas que também nos enriqueceriam e que fazem parte do mundo que nos rodeia. As escolas são lugares pequeninos, com conversas pequeninas e visão pequenina. Nem interessa de quem é a culpa - poderia dar-se algumas explicações -, está-se assim e pronto. A ausência de televisão é uma coisa que não percebo. Deve ser porque não nos podemos distrair da missão nem um bocadinho. Nem que isso signifique estar alheado do mundo, claro. O mundo está cada vez mais pequeno dentro da sala de professores. Claro que ninguém tem tempo para estar sentado a ver televisão numa manhã ou tarde cheia de aulas e outros afazeres mas o que é um facto é que estava, dantes, lá e por causa das notícias ou o que fosse as pessoas conversavam e trocavam ideias sobre algo mais do que os problemas disciplinares, testes e outros parecidos. Os professores falam demasiado em talk shop. O assunto escola domina sempre os espaços, mesmo quando vamos almoçar. Satura e cansa-nos mais do que possamos imaginar.
E pronto, foi a reflexãozinha de hoje. O papel continua a ser precioso e a leitura dessa forma é inigualável. Não há modernidade virtual que o ultrapasse. E as escolas já não são o que eram - à força de concessões a não sei bem o quê. Ou sei. Uma excelente quarta-feira.