janeiro 31, 2013

O cozinheiro, o fogão, a sua mulher e o romance

                       
                               

Parece então que saiu um estudo (mais um, e há para todos os gostos) que revela que os homens que executam tarefas domésticas têm menos apetência para os momentos sensuais. Ora bem, ainda não li nada sobre o assunto, mas vou escrever antes de ir espreitar outros blogues e outras leituras, para não me influenciar nem um pouquinho. Bom, mas qual é a novidade? Que as tarefas domésticas retiram energia e magia? Mas eu penso assim há séculos, caros leitores (bom, séculos não, melhor pensando). Já o disse aqui, por outras palavras, que as donices de casa (fazendo uso de uma engraçada expressão usada por uma amiga) nos deixam estafadas e mal humoradas, a muitas de nós. Já o disse, repito. Que romance pode haver na rotina trabalhosa e cansativa do lar? Eu a dar-lhe, eu sei. Mas só se o espanto for, neste caso, por apontarem apenas os homens como vítimas da ditadura doméstica. Aí é que realmente o estudo peca por machismo. Ou pensa-se que as mulheres estão ou têm de estar frescas e maravilhosas depois de uma jornada de limpezas? De uma volta contrariada pelas rouparias? Não falo tanto da cozinha, porque a muitas, a muitos dá prazer, mas depois do prazer da mesa, também é verdade que vem a tarefa de tudo voltar a brilhar. Ora, ora, não vejo onde é que estejam as diferenças. Aliás bom seria que muitos homens, todos os homens partilhassem as ditas cujas (ajudar não chega, sabiam?), para verem como se sentem depois de uma semana a trabalhar no emprego e um fim de semana a trabalhar em casa. Não se zanguem comigo, eu até estou do vosso lado. De ambos os lados, melhor dizendo. Porque não estamos fabulosos nem "sexys" e não estamos vigorosos nem sedutores por causa do raio do aspirador, do diabo do lava louças, do maldito do tanque, e do insuportável resto que é necessário fazer. Ora pois, aqui põe-se um problema: It´s a dirty job but somebody has got to do it. Não dá para passar o cálice. Há que o fazer, pois. Preferencialmente ambos. Para aliviar um e outro e não desaparecer por completo o romance. A intimidade. Ou o humor ou a cumplicidade ou o que quer que seja que nos faz estar juntos.

                                                                                                              **

Feito. Já posso ir ler sobre isto. Sempre é bom poder conhecer e refletir sobre outros pontos de vista. 
E lembrei-me de outra coisa - sempre vai haver mulherio que exulta com a domestiquice. E delas que até ficam bonitas depois de tanta esfrega. Mas há as que não (que não exultam, não querendo dizer que fiquem feias). E, pasme-se, não são tão poucas como isso. 

Post da saudade

                              

Ontem foi o dia da saudade, pelo que vi assinalado no FB, já que não costumo prestar atenção a efemérides deste tipo. Não sendo exatamente uma pessoa saudosista, porque não sou, sinto, porém, ocasionalmente, saudades de tempos e coisas, lugares e pessoas. Sinto também, e estranhamente, saudades de sítios onde não estive e de coisas que não fiz. Pensava que era a única, mas já vi que não, inclusivamente aqui na blogosfera. Uma espécie de nostalgia que me assalta, em relação a percursos não calcorreados. Mas falemos das saudades do que foi ou esteve, do que ficou e acabou.
As saudades da infância, por exemplo. Dos tempos das pedaladas na bicicleta, das horas tardias a que chegava, esbaforida, a casa no verão, das caminhadas até à escola primária, numa alegria incontida que significava o ir para a escola. Ainda hoje sonho muitas vezes com a minha escolinha, ainda intacta, e com as brincadeiras naquele recreio cheio de árvores.
Saudades da minha primeira casa, do pátio e do quintal, da rua e do pinhal, da árvore do maracujá sobre as escadas, da figueira onde subia muitas vezes.
Saudades dos tempos de liceu, da leveza que era não ter responsabilidades praticamente nenhumas, das risadas nos intervalos e da espera pelo toque de saída para ver os rapazes mais bonitos por quem suspirávamos, das tardadas sem aulas passadas no centro da cidade, avenida acima e abaixo, era pré-centros comerciais.
Saudades de algumas aulas na universidade, de estar sentada do lado de cá, ouvir, participar,  aprender, especialmente as aulas em inglês, com os professores estrangeiros de quem mais gostei, informais, brilhantes, marcantes.
Saudades dos primeiros anos de ensino, muito novinha, o estágio em Espinho e as minhas primeiras turminhas, meninos do 7º ano, e depois os anos da ESMC, com a tertúlia que dantes havia nos intervalos nas escolas, naquela escola em particular, tanto que sonho com ela até hoje, da inocência daqueles anos menos burocratizados e da frescura física e sobretudo psicológica desses tempos.
Saudades dos meus avós, especialmente os paternos, por ter vivido perto deles e convivido mais com eles. Que não conheceram o meu filho.
Saudades de muitos colegas que fui deixando nas escolas, muitos que se tornaram amigos naquela altura e que depois não encontrei mais.
Saudades de muitos alunos que me passaram pela sala de aula e pela vida profissional e que deixaram marca por alguma razão em especial.
Saudades de viagens, de locais onde estive e onde não voltei, de aventuras em terras não familiares, de sensações novas, de descobertas enriquecedoras, de pessoas que encontrei e não vi mais.
Saudades do Alentejo, que tento matar sempre todos os anos. Saudades de ser criança no Alentejo, de estar sentada à sombra e ler, desenhar, pintar, naquele pátio, ao pé dos avós maternos e dos vizinhos em dias de muito sol e calor.
Saudades do verão, muitas. Sempre, sobretudo em janeiro e até à primavera.
E mais, talvez. O resto leva-se, levou-se. Como se leva tudo, na verdade. Não se pode viver na saudade mas também não é mau senti-la. Apenas significa que se foi feliz. Algures, de alguma maneira, com determinadas pessoas. Não invalidando que não se continue a ser e que não se possa ser mais ainda. 

janeiro 30, 2013

Vai uma fatia?

A partir de hoje, mais um. Uma fatia de bolo para quem por aqui passa. E champagne, pois então. Não há festa melhor do que esta que não aparece no calendário coletivo. Seja a tua ou, neste caso, a minha.
           

P.S. Nem pensem nisso. Mala, perdão, carteira clássica Chanel é que não. Não dão nada com tudo. Não dão comigo.  Mas posso fazer uma lista... :)

janeiro 29, 2013

Todos

nem todos temos o mesmo grau de paciência.
nem todos temos o mesmo grau de paciência para as mesmas coisas.
nem todos somos temos a mesma descontração.
nem todos temos a mesma descontração com as mesmas coisas.
nem todos temos as mesmas preocupações.
nem todos temos as mesmas futilidades.
nem todos temos as mesmas crispações.
nem todos temos os mesmos prazeres.
nem todos temos as mesmas angústias.
nem todos temos o mesmo entusiasmo.
nem todos temos o mesmo entusiasmo perante as mesmas coisas.
nem todos temos o mesmo grau de stress.
nem todos remos o mesmo grau de stress nas mesmas coisas.
somos, por isso, mais parecidos do que diferentes.
porque todos nos impacientamos, todos nos descontraímos, todos nos preocupamos, todos nos ocupamos de coisas fúteis, todos nos crispamos, todos sentimos prazer, todos nos angustiamos, todos nos entusiasmos, todos nos stressamos.
com coisas diferentes, em graus diferentes.
por isso, tudo somado e subtraído, somos mesmo muito parecidos.
iguais? 


janeiro 28, 2013

Dúvida

Nunca soube responder à questão se é melhor viver feliz na mais completa ilusão ou infeliz na mais cruel das verdades. 

janeiro 27, 2013

Quantos mais, pior

                               
Na sexta feira, depois do almoço, saí da aula francamente estafada. Foram dois blocos de 50 minutos, com um fugaz intervalo de 5 minutos pelo meio. A turma fez tudo o que foi proposto, como sempre, mas exigiu de mim um grande esforço. E porquê? Porque é de longe a turma maior que tenho (quase 30). Tenho tido, desde há 4 anos, a hipótese de lecionar a turmas pela metade, praticamente, já que a outra está na outra língua estrangeira. Isso tem-me beneficiado e a eles, alunos, claro. Tenho rendido muito mais, sentido mais energia para outras atividades e empenhado-me na escola doutra forma. Isto para chegar a uma questão essencial. 
O aumento de alunos por turma é uma medida que só prejudicará professores e alunos. A perspetiva economicista que tem presidido a todo o tipo de cortes no pessoal (e no resto) só pode acumular desastres, pelo menos no que à educação diz respeito. O desgaste que implica dominar uma turma grande, o trabalho que implica corrigir testes em turmas assim (e até fazer mais avaliações, pois facilita, à partida, se se fizerem várias, de vários tipos), a dificuldade que é atingirem-se pontos de concentração para melhor se aprender só podem trazer desvantagens às performances escolares. Os alunos em turmas pequenas estão mais sossegados e o professor está mais tranquilo durante a aula. A relação dentro da sala de aula tende a melhorar, a estar mais baseada na confiança porque há uma intimidade q.b que é facilitada. Sai-se da sala, docente e discente, com uma sensação de serenidade, porque a aula foi um momento de partilha, em que todos ouvem, todos participam e todos evoluem. Há um prazer de ensinar porque é mais fácil ter prazer em aprender. Nas turmas grandes é o oposto. Por muito que os alunos sejam até interessados (assim, vamos com sorte), é mais natural dispersarem-se, conversarem e, desta forma, abstrairem-se da matéria, perturbarem a aula e a lecionação dos conteúdos e obterem resultados aquém, muitas vezes, das capacidades que têm.
O meu pai diz-me que no seu tempo as turmas eram grandes, o mesmo oiço dizer em relação a outros países por esse mundo fora. Mas tal facto não reconforta, e mais - não deve a evolução social corrigir o que esteve mal ou ainda está para tornar tudo mais eficaz e justo? Ou não aprendemos lições entretanto? Porque se volta a um passado ou a um presente que não foi nem é o certo? Os tempos mudaram. O acesso à informação, muito mais facilitado hoje em dia, tem sido acompanhado de uma maior dispersão e níveis de concentração muito baixos. As tecnologias têm permitido o melhor e o pior, em sala de aula. Por isso é importante haver focos de serenidade e concentração em momentos de real aprendizagem.
As turmas grandes são um tormento nos tempos que correm. Os senhores que acham que não deviam experimentar uma temporada a rotina acelerada numa escola, com a disciplina ou falta dela oriunda de grandes grupos e a burocracia inenarrável que se tem juntado ao calvário. 

janeiro 26, 2013

O ciclo da vida




I have killed the deer.
I have crushed the grasshopper.
And the plants he feeds upon.
I have taken fish from the water.
And birds from the sky.
In my life I have needed death
So that my life can be.
When I die I must give life
To what has nourished me.
The earth receives my body
And gives it to the plants
And to the caterpillars
To the birds
And to the coyotes
Each in its own turn so that
The circle of life is never broken.

(American Indian Poetry)


Apostila: Pois é. Sempre admirei a audácia de Marlon Brando quando, em 1973, recusou receber o Óscar pelo filme "O Padrinho" em protesto contra o tratamento dos Nativos Americanos no cinema de Hollywood. Depois disso, já houve, de facto, uma outra abordagem. É bom que se mostre o outro ponto de vista, o de quem sempre preservou o ciclo da vida. Sem reservas. 

Momentos



Veio-me no outro dia ao pensamento, já nem sei bem porquê, a espécie de acusação que certa imprensa faz ao facto de figuras públicas (meritórias ou não, não é isso que interessa aqui) não se mostrarem acessíveis quando confrontadas com um problema (que poderia interessar aos leitores e público em geral, vendendo muito mais, pois claro). Queixa-se a imprensa, essa mesma, de que anteriormente foram simpáticas e abriram as portas da sua casa quando tudo corria bem e que agora que não corre as fecham e não dão satisfações (a quem sempre os tratou bem, costumam acrescentar). Não vejo onde esteja o problema, pelo contrário. 
É extraordinariamente natural que as pessoas, públicas, neste caso, e as outras também, gostem de partilhar os seus momentos bons mas já não o sintam o mesmo quando postas perante uma adversidade, um fracasso. Nem sequer vou fazer a distinção entre problemas decorrentes da vida quotidiana (doença, divórcio, perdas físicas) e outros que decorreram da falta de caráter (comportamentos moralmente criticáveis e crimes). O cerne da questão é o mesmo; perante um problema que implique uma razoável dose de sofrimento, merecido ou não, é expetável que as pessoas não queiram partilhá-lo publicamente. A dor e a vergonha, respetivamente, impedi-las-á, impedir-nos-á, de aparecer com um sorriso estampado e de ter apetência para conversas e confissões, sobretudo numa escala tão alargada. 
O argumento de que já se mostraram disponíveis antes e que agora já não estão também não serve. Nada me obriga, nos obriga, a abrir as portas da nossa casa (e do que está dentro de nós) o tempo inteiro; se o fiz uma vez, ontem, não tenho que o fazer hoje, se não me apetece e é contra a minha vontade. Ninguém consegue estar disponível sempre, em qualquer circunstância, dizer não é, ainda e sempre, uma grande forma de viver de forma livre. Posso e podemos estar condicionados de outras formas, porque os acontecimentos nos ultrapassaram, mas a vontade persiste e tem de ser respeitada. E isto vale para a imprensa, esta ou outra, e para tudo.
Se há cortesias que devem ser observadas, por cortesia, se há compromissos que devem ser respeitados, por respeito, não há obrigação de nada se a nada estou ou estamos obrigados.  Há tempos de silêncio, de fuga, de ausência. São precisos e pena é que signifiquem, muitas vezes, um encontro marcado com a adversidade, no caso de ausência de culpas pelo sucedido. São precisos e preciosos, e palavras e imagens nestas alturas são frequentemente dispensáveis e mesmo danosas. Respeitar o fecho das portas nestas alturas é a melhor maneira de garantir a admiração e o afeto de alguém que quis refugiar-se. 
Estava na mó de cima e aparecia e agora já não. E daí? Deixemos cada um ondular ao ritmo dos seus momentos, deixemos que apareçam e sorriam quando querem e sossegar quando precisam ou desejam. Um momento, por favor. Agora, não.

janeiro 24, 2013

Yin Yang


A última escola onde estive, uns anos, antes de mudar para a atual. Uma parede preenchida com cacifos, na sala de professores, e uma sugestão para os colorir de forma algo artística e pessoal. Disseram-me que devia ser uma coisa que nos simbolizasse ou que tivesse a ver connosco. O meu aqui está. Ou melhor, lá está, ficou, como lembrança da minha passagem. O meu, portanto. O que significa?  Nada. É só uma pequena porta no meio de muitas. Ou muito. É possível.

janeiro 23, 2013

Naturalmente


Não sei como é com os outros mas pessoalmente acredito que as coisas boas acontecem quanto mais naturais forem. Ou seja, a preparação, o controlo, até a a maquinação, em último caso, são completamente adversas ao sucesso individual, seja lá em que área for. Tudo deve fluir naturalmente, ou até onde for possível. E tem sido mais ou menos isto que tem presidido ao meu percurso pessoal, penso eu.
Gosto das coisas naturais, sem esquemas, sem enredos, sem fabricações. Ou é ou não é, ou tem que ser ou não tem que ser, ou dá ou não dá. Quer, quer, não quer, não quer, estar contrariado é que não, algo deste género. Quer isto dizer que não deve haver investimento, esforço, luta? Não, nada disso. Deve investir-se o mais possível naquilo que nos agrada e faz feliz, deve lutar-se o mais possível contra aquilo que não nos agrada e faz infeliz. Mas só posso dizer não à manipulação para se conseguirem resultados e vitórias. Porque não funciona, pelo menos comigo. É possível que funcione com outros, realmente. Há quem o faça e siga em frente, a tentativa de controlar tudo o que lhes diz respeito é compreensível. E até é mais fácil, é mais fácil, julgo, tomar certas rédeas na mão e obter uma conquista do que esperar que o sucesso surja de forma natural. É mais rápido, não testa a paciência.
Mas ainda assim considero que o melhor e o mais verdadeiro sucesso advém dessa naturalidade que o deve acompanhar. É mais real, mais pura, mais autêntica a obra da natureza, se comparada com a obra no laboratório. Que se entenda. Não são as pessoas que não se esforçam, ou que não investem sem si e nos outros, nem as pessoas que se estão nas tintas para as coisas que ganham no campeonato da vida. Realmente, não. Pode parecer, mas não. Não se trata disso, de longe. Mas também não são as que manipulam, as que intrigam, as que fabricam e não jogam de forma limpa que lá vão. Pode parecer e parece, muitas vezes, mas não. É ilusório e passageiro. Acredite-se. O melhor de tudo é quando as coisas vêm com a mais completa naturalidade, ainda que brotem se para tal construímos algo, de forma positiva. O natural é sempre, sempre mais saboroso, mais verdadeiro. Ponha-se verdade nisso. E, sempre que possível, deixemos a natureza atuar, a das coisas, nossas, pois, é de nós que falamos. Milagres acontecem. Naturalmente.

janeiro 22, 2013

Sabedorias


Precisamente o que penso. Rico é o indivíduo que viaja pelas fronteiras físicas e espirituais do mundo, que as atravessa e derruba, segundo o tempo que vai sendo e será e as ondas da vontade e da possibilidade. A sabedoria reside no observar, no sentir real, na aprendizagem do que é e como é, sem filtros nem refúgios. Alunos do que não se sabe para verdadeiramente saber.

A luta continua



Nem os apreciava, confesso. Mas a ida à gravação do programa, nos estúdios Valentim de Carvalho, fez-me entrever um profissionalismo a que não fiquei indiferente. A concentração, a seriedade, mesmo no meio do teor humorístico que dá mote ao programa, a incrível movimentação no estúdio, sobretudo e também por parte da equipa técnica, o trabalho que envolve e do qual não temos noção enquanto meros telespetadores sentados confortavelmente no nosso sofá. Muitos alunos tiveram a sua primeira experiência deste género, para mim foi a segunda, e todos anuíram que é bastante mais trabalhoso e stressante do que aquilo que imaginavam. A parte final destes programas é sempre motivadora, para discentes e docentes. As vedetas televisivas têm sempre, ou tiveram até aqui, aquela atenção especial, em tirar fotos com o público, dar autógrafos e trocar umas palavrinhas simpáticas que alegram quem faz uma deslocação de uns bons quilómetros para os ver. Foi convite, outra vez, da Estela Santos, mas é a escola que os aceita. E estar num programa que nunca tinha visto (e que não vi novamente, estava sem eletricidade), daquela natureza, fez-me pensar que, apesar de tudo, vivemos numa espantosa democracia. Afinal, a sátira e crítica social e política são o cerne do programa. O Tim dos Xutos e Pontapés participou, cantando palavras de criticismo aos nossos governantes. Passa na SIC, ao sábado à noite. Não sei se o programa é bom, nunca o vi do lado de fora, mas do lado de dentro foi engraçado, divertido e os Homens ganharam uma outra luta - a de gravar de forma profissional e de colher simpatia por parte do grupo onde me inseri nesta visita a Lisboa.

janeiro 21, 2013

Gente feliz e tonta sem lágrimas

Já há algum tempo a esta parte que assisto a comportamentos nos funerais que me fazem espécie. Trata-se de um momento que pede solenidade, seriedade, silêncio, pesar, mesmo se a pessoa não nos foi próxima. Mas estaremos lá porque teremos alguém a ela ligados que nos é. Sendo assim, não vejo as piadas e as gargalhadas como nada a não ser uma tremenda falta de respeito perante o sofrimento alheio que não nos devia ser alheio. 
Quando vou, vou consciente do que significa e do que envolve, não me apetecem conversas, sobretudo as superficiais e as maliciosas, porque não considero que seja o espaço ou o momento. (Não quer dizer que as aprecie por aí além noutro lugar, mas aqui são intoleráveis.) Não é uma questão de dramatizar, mas tão somente de compartilhar a dor de alguém que a estará a sentir. (Isto para não falar quando somos nós que estamos a sofrer. E, já agora, o que sentiríamos nós se ouvíssemos risos e graçolas mesmo perto de nós?)
Obviamente que a vida continua - embora não da mesma forma para quem perdeu alguém, nunca da mesma forma - e que nós cá estamos e ainda bem, obviamente que as pessoas têm de conversar sobre qualquer coisa, obviamente que as pessoas gostam e precisam de aligeirar os assuntos de alguma forma trágicos.  Mas temos mesmo de conversar como habitualmente? E porquê? Porque não aguentamos o silêncio? Porque o silêncio e alguma introspeção nos fazem confrontar com a grande fragilidade que afinal carregamos connosco? Parece-me que sim, que este confronto com a nossa pequenez e impotência perante o universo, a existência, o destino assusta a maioria das pessoas. E aligeirar significa precisamente isso -  o fugir à constatação da nossa vulnerabilidade.
Não se trata de um elogio à tristeza, mas de um apelo à mais profunda sensibilidade individual. A mesma que nos faz transportar para a pele do outro, sentindo-lhe as dores mesmo se não derramando lágrimas. Um funeral é um momento duro, de encontro com uma dimensão que não dominamos nem conhecemos. Mas na dureza de emoções, é preciso estar à altura. Crentes ou não crentes, não se pode celebrar a perda. Ou ignorá-la, apenas porque não bateu à nossa porta. E, pior, gracejar por causa dela. Ou sou eu que sou sensível. Ou que não sei o que se faz. Ou não sei.

Back to basics



Praticamente isolada durante todo o fim de semana: eletricidade foi-se às 10 da manhã de sábado e voltou - com um mega gerador instalado perto do meu pátio - apenas ontem às 10 da noite. Sem net desde sexta à noite. Escrevo da escola para vos dar conta de que é difícil viver sem as comodidades da vida moderna: aquecedor (afinal faz frio), microondas, máquina de lavar roupa (nem vos digo nada), frigorífico, televisão, telemóvel (bateria foi abaixo, pois claro), telefone, net. Sobretudo esta última, que dor. Hoje já vi que o AE passou à final na categoria Diários de Bordo, no concurso a que faço referência ali no canto superior direito. Agradeço a simpatia, carinho, amizade, cumplicidade de leitores, eventualmente, e de amigos e colegas, alunos também, acredito, que foram de uma dedicação para lá de reconfortante. A votação continua, até dia 26.
De volta, e a preparar o próximo post, que esperançosamente vos interessará mais. Espero eu.

janeiro 17, 2013

O fácil e o difícil

Áreas variadas. Uma mulher bonita e tonta é um mundo de facilidades. Uma feia e inteligente também. Pior é algo no meio. Do género não feia nem tonta. E é isso.

janeiro 16, 2013

Educação cultural

                                                
Está a tornar-se cada vez mais difícil lecionar conteúdos culturais aos alunos. Muito mais do que  as dificuldades linguísticas de alguns, e da falta de jeito para a língua estrangeira, é o total desconhecimento de história, geografia, cinema, cultura em geral que é tremendamente assustador e desmotivante. 
Naturalmente que há um fosso geracional que se vai acentuando com a passagem do tempo, cá do meu lado. Eles continuam na mesma faixa etária de sempre e eu não. A nível da música isso é notoriamente percetível. Falam de coisas que desconheço, ainda que o meu fator idade não explique tudo. Podia ter à mesma os anos que tenho e saber tudo acerca das novidades musicais. 
Mas numa era em que a tudo têm acesso, nomeadamente através deste mundo fascinante que é a internet, tem vindo a agravar-se o desconhecimento generalizado sobre aspetos culturais, nacionais e ainda mais mundiais. O seu mundo é pequeno, cada vez mais pequeno, diria. Porque há um desinteresse total por saber mais e mais, mesmo que sejam apenas curiosidades ou conhecimentos extra aquilo que é necessário para terem boas notas e especializarem-se na sua área.
Todos nós temos lacunas várias e podemos sempre saber mais acerca de determinado assunto ou esfera. Há quem saiba muito de pintura mas não de cinema, por exemplo. Ou que saiba de ciências e nada de literatura. Ou muito de escultura e nada de geografia. E por aí adiante. Mas há um conhecimento geral, de nomes, figuras, lugares, acontecimentos, que é ou pode ser acessível à maior parte de nós. Com os condicionalismos vários do nosso quotidiano ou meio, educação e percurso profissional. 
Aquilo que angustia é que estes condicionalismos hoje estão mais esbatidos com um simples toque no rato do computador. Está lá praticamente tudo e tempo não parece ser algo que falte aos miúdos, comparativamente com os adultos e as responsabilidades do dia a dia. O desinvestimento nos conhecimentos culturais é enorme, e a falta de curiosidade também. Muitas vezes dizem não sei nada disso, ao que respondo não tem mal, hoje vais ficar a saber. Menos mal. Pior é quando dizem não me interessa nada disso. Porque é verdade.
Há também um aspeto que salta à vista da minha experiência pessoal. As raparigas perdem, se compararmos os dois géneros em termos de conhecimentos de cinema, geografia, política, sociedade, cultura geral. Porque será? Porque a coquetterie pessoal, os namoricos e os media de fraca qualidade levam avante? Os media, nomeadamente a televisão e alguma televisão privada, têm arrasado as gerações mais novas culturalmente. E isto serve para ambos os sexos, certamente. Apenas me dá a ideia que as miúdas se distraem com outras coisas mais  e são várias.
Não querendo generalizar muito, porque posso errar, a minha experiência é a que, de facto, tive sempre mais rapazes a partilhar e a mostrar curiosidade em aprender do que meninas, com muita pena minha. Há exceções, felizmente, mas tem sido assim. Por outro lado, uns e outros cada vez sabem menos, e parece-me que será transversal a muitas escolas, muitas mesmo. Ora isto é uma realidade dos diabos. Porque a angústia e a preocupação não se confinam a uma sala de aula, elas estendem-se a toda uma sociedade futura.


(Sempre defendi a ideia de haver uma disciplina de cultura geral obrigatória, uma vez por semana, com avaliação e tudo. Nunca a pude apresentar em lado nenhum, claro.)

janeiro 15, 2013

Mens sana



No final de dezembro entrei, pela primeira vez, numa clínica psiquiátrica. Foi em Celas, Coimbra, e desloquei-me até lá com duas amigas para visitarmos uma pessoa conhecida das três, que, entretanto, até já saiu. Por razões óbvias, não vou adiantar qualquer pormenor acerca desta situação pessoal. O que quero expressar aqui é que realmente nós somos, muitas vezes, fruto de mensagens que nos passam desde sempre, seja por via familiar ou pessoal ou por via dos media. E que, desta forma e neste caso, continua a ser vista como um estigma qualquer perturbação ao nível psicológico.
Enquanto me dirigia para lá, senti um desconforto estranho, uma apreensão esquisita, temendo um pouco o que poderia encontrar. Lá vêm à mente as imagens de gente altamente perturbada, tresloucada, com aparências igualmente desalinhadas e comportamentos assustadoramente pouco reconhecíveis. Não gostando propriamente de hospitais e do sofrimento que eles, na grande maioria das vezes, implicam, a verdade é que a sensação de ir até uma ala de ortopedia ou de psiquiatria difere notoriamente. É muito triste, dizia, mas no fundo não são tristes todas as doenças graves ou todas as que fazem as pessoas estar internadas e confinadas a uma cama, a um mundo que lhes é, naturalmente, estranho? Não é triste verificarmos a fragilidade humana, a impotência, muitas vezes, em fazer frente a este tipo de adversidades? 
Ainda assim, continuamos especialmente cruéis com as patologias do foro mental. Lamentamos e desculpamos as outras, não imputando qualquer culpa aos doentes, mas já acusamos, troçamos e catalogamos de fracos os pacientes desta área. Continuamos a achar que é sinal de fraqueza, de desiquilíbrio, de incapacidade inata, de distúrbios da personalidade. Esquecemo-nos de que todos podemos passar pelo mesmo e se não passamos por este mesmo podemos passar por um outro, sofrer de algum tipo de problema de saúde que nos fragilize ou incapacite de alguma forma, Esquecemo-nos de que somos humanos, portanto, falíveis, frágeis, impotentes em relação a um determinado número de coisas superiores.
A clínica está no meio do silêncio e de algum verde. O que seria excelente, em circunstâncias normais. Mas o edifício é velho e ajuda a criar um clima de suspense, de (ir)realidade fora dos padrões normais a que estamos habituados. Enquanto esperava cá fora, à entrada, uma mulher de roupão apareceu para fumar. Parecia extremamente lúcida e estivemos à conversa, porque ela assim o desejou. Não se lembrava de nada mas mostrou os pulsos vermelhos, de ter sido apertada à força, disse. Foi-lhe dito que tentara atirar-se da janela abaixo, do seu apartamento, e que o marido a quis enfiar ali, concluiu. Era a segunda vez que ali ia parar. Parecia absolutamente lúcida e até inteligente, falou dos filhos e de coisas concretas. No fim, disse que a deixaram ali porque queriam ir para a passagem de ano e não queriam ter uma doente como empecilho. 
O que parece ser, não é. A lucidez, afinal, era atraiçoada por laivos de alguma paranóia. Mas não haverá tantos assim? Que exibem uma normalidade que não corresponde à realidade? E não haverá tantos que sendo lúcidos podem desorientar-se para além do normal? Mesmo que por pouco tempo ou apenas por instantes? E não podem ser eles qualquer um de nós? Podem, podemos, e aí é que está. Não estigmatizemos nem julguemos porque não sabemos se não usaremos um roupão durante o dia um dia qualquer. Esperando que não, claro, assim como esperando que não relativamente a qualquer outro problema de saúde. Porque é desta - ou da sua ausência -  que se trata.

janeiro 13, 2013

As insustentáveis injúrias dos seres

O fenómeno das redes sociais, das quais não sou detratora, pelas vantagens e comunicação que permitem, tem criado, no entanto, ondas de indignação consecutivas relativamente a coisas  que não compartilho. Ou porque são absurdas, ou porque é preciso serenar e refletir nas coisas mais a a frio, ou porque realmente não sou de reações em cadeia, ou ainda porque comportam tons e palavras insultuosas que são absolutamente inadmissíveis. 
Estes comportamentos online não são, de resto, exclusivos das ditas redes. Aparecem também em foruns e em caixas de comentários de notícias ou artigos publicados na internet. Jornais ou blogs ou outros, tudo é pretexto para as pessoas mostrarem picos de agressividade verbal intoleráveis de tão intoleráveis mentalmente que são. Ainda ontem lia o artigo do Daniel de Oliveira sobre o cão de Beja e foi aterrador ler os insultos, a falta de respeito, o teor dos comentários, o quase ódio declarado, apenas porque se tem uma posição política divergente ou uma opinião consubstancialmente discordante. Já escrevi sobre isto em posts anteriores, há bastante  tempo, aqui. Mas o que é certo é que não é assunto arrumado. A internet tornou-se terreno fácil para este descarregar de posturas agressivas, maledicência avulso, acusações irrefletidas, como se de hordas de linchamento se tratasse. Também me toca alguma irritação e discordo de muita coisa que se passa na sociedade atual, na política, nos media, na educação, em várias esferas da vida portuguesa. Mas se discordar e indignar-se é natural e preciso, muitas vezes, com ações concretas e que sejam construtivas, insultar e agredir já fazem parte de um modo de estar que não é compatível com a tolerância, com a ponderação, também necessárias, e como. E surgem essas injúrias abrigadas sob identidades anónimas ou nicknames, pois claro.
Tenho tido uma sorte desgraçada aqui com o meu modesto blogue, com comentaristas de uma educação extrema, talvez por serem poucos, ainda, mas bons, muito bons. No dia em que aparecerem insultos, afrontas ultrajantes ou formas agressivas de discordar, não poderei compactuar com eles. Chamar as coisas pelos nomes é positivo, tendo em conta o tom, o lugar, o timing e o alvo. Já chamar nomes de forma hostil nunca o será. 

Maiorias


Convenhamos.
A maioria das pessoas quer pensar pouco.
A maioria das pessoas não se conhece.
A maioria das pessoas não faz autocrítica.
A maioria das pessoas não assume fragilidades.
A maioria das pessoas acha gravíssimo fazê-lo.
A maioria das pessoas usa uma máscara que raramente é tirada.
A maioria das pessoas julga.
A maioria das pessoas olha para os outros e nunca para si.
A maioria das pessoas acha que tem sempre razão.
A maioria das pessoas nunca tem dúvidas.
A maioria das pessoas é perfeita.
É difícil conversar com a maioria das pessoas.

janeiro 12, 2013

Desejos para 2013


Une jeune Tunisienne affronte courageusement une bande d'islamistes, venus l'obliger à se voiler : Elle monte sur la voiture et répond : " Ici c'est la Tunisie, un pays de plus de 3000 ans d'histoire! Vous, vous n’êtes que des intrus, des parvenus de l’histoire, les descendants du sanguinaire Okba Ibn Nafu .. Jamais, la Tunisie ne sera l'Afghanistan."

Tirado do FB, da página anti-Nahdha, via amigo tunisino.
O meu francês é fraquito mas dá para perceber a coragem da jovem, numa altura particularmente sensível e perigosa para o futuro da Tunísia. Laico e livre socialmente há décadas, teme-se pela perda de direitos, vários, inclusivamente os da mulher. Mas mostra também que há quem persista no caminho da modernidade e do respeito pelas liberdades individuais. Voltar atrás seria um retrocesso e seria desvirtuar o teor da revolução de jasmim. Pessoalmente, desejo que, quando voltar à Tunísia, possa sentir o aroma a jasmim, solto e fresco, nas ruas e nas pessoas. Porque foi assim que conheci o país e assim que me afeiçoei a ele. E, sobretudo, porque quem lá vive e quer viver, de forma digna e livre, assim o merece.

janeiro 11, 2013

A mãe que sofria



As notícias surgem, vorazes, o tempo flui, rapidamente, a mente espera, para se organizar, e os dedos caem finalmente sobre o teclado, contrariando a indiferença e o refúgio consciente em outras coisas. 
1 - Sei que muitos leitores poderão não gostar do que vou escrever, se não perceberem as minhas palavras. Mas, vamos lá. Tenho o maior respeito pelos animais e passo horas a ver programas sobre vida selvagem e a maravilhar-me com a natureza e os bichos. Mas, como diz uma bloguista favorita aqui, não concordo com fundamentalismos. A petição que soube existir contra o abate do cão de Beja, no caso da criança de 18 meses que perdeu a vida, causou-me alguma irritação, confesso. Parece-me que andamos com as coisas trocadas. Penso que há desenvolvimentos novos neste caso, dos quais ainda nada sei, mas partindo apenas do que sabia ontem, não compreendo a vitimização do animal e a quase indiferença perante a morte de uma criança (lamento, mas uma criança ou uma vida humana é sempre, sempre mais importante do que qualquer animal, ponto). Falou-se do cão e acompanhou-se os momentos em que ia ser levado para o canil/abate, criou-se, pois, um cenário praticamente a apelar ao drama do bicho e nada, nada em relação ao sofrimento da verdadeira vítima e da sua família.  (Não sei se recusaram aparecer, também é possível.) Pessoalmente, também estou fartinha do argumento de sempre, que a culpa é exclusivamente dos donos, o que, podendo ser verdade em muitos casos, poderá e pode não o ser noutros. O cão é calminho, nunca fez mal a ninguém, nunca houve problemas, é sempre o que se ouve. Mas não é isso o que se diz dos psicopatas, tantas e tantas vezes? Os serial killers não exibem, frequentemente, uma aparência calma e um comportamento elogiado por familiares e vizinhos? E então? Não há um dia em que a sua verdadeira natureza vem ao de cima? Por estas razões, o post que citei aqui é curto e certeiro. O que fazer, pois? Não sei a resposta, mas passa muito pela fiscalização e criação de leis que possam responsabilizar os donos, sim, e proteger quem não pode ser vítima desta forma. Eu cá, sendo mãe e tendo ficado horrorizada com esta e outras histórias semelhantes, não assinarei petição nenhuma contra o abate de animal nenhum numa circunstância assim. Os amigos dos animais que me perdoem mas cada coisa no seu lugar. E o meu filho e os dos outros estão primeiro. Ah, pois estão.
2 - Impressionou-me saber que mães africanas provocam danos nos fetos para poderem vir a usufruir dos subsídios normalmente atribuídos aos deficientes e às respetivas famílias. Isto e a leitura deste post, levou-me a pensar que realmente o continente africano parece ter sido abandonados pelos deuses. Nunca estive na África sub-saariana e desconheço a experiência africana no seu esplendor natural, selvagem, imenso, que dizem nunca mais se esquecer. Mas tenho por este continente de cores quentes e paisagens deslumbrantes um grande fascínio, o maior carinho e, simultaneamente, a maior compaixão. Fascínio pela terra, carinho pela alma africana, nos seus estilos de vida simples e quase servis, e compaixão pelo sofrimento de vidas simples, mais uma vez, desprovidas de tanto. Como se chegou e chega a um estado de pobreza tal que faz uma mãe optar por um ato extremo desta natureza? As explicações são várias e não serei eu quem as dará de forma mais acertada e conhecedora. Só sei que a imigração africana no continente europeu é um dos temas que mais me comove, pelo desespero que é o de arriscar a vida, quase sempre, para chegar a uma espécie de terra não prometida mas desejada. Que significa a fuga a uma existência dura, áspera, implacável e que se abate cruelmente sobre os filhos de África. Uma existência que não assegura, sequer e muitas vezes, a sobrevivência. E depois a salvação que teima em chegar, quando se lhes fecham as portas e se tornam vítimas de preconceitos, de discriminação, de violência, de desemprego, de um destino que insiste em lhes ser adverso. Mas voltemos  ao território africano. Crianças sem hospitais, sem escolas, sem livros, sem roupa, sem comida, sem casa, sem brinquedos, sem direito às felicidades próprias da meninice. E crianças no ventre que não têm direito à perfeição natural porque outros - tantos outros - lhes traçaram a sorte.

O ano do perigo


Não, não é Portugal 2013. Indonésia, 1965. Apetecia-me passar aqui a música - "L´Enfant", de Vangelis, o grego que tem, a meu ver, composições antológicas em filmes também eles emblemáticos. E apetecia-me passar o filme, o trailer do filme " O ano de todos os perigos". Trata-se de um filme datado de 1982, creio, com um Mel Gibson muito, muito jovem - e muito, muito belo. Faz de jornalista, um correspondente australiano que se encontra em Jakarta por altura da queda de Sukarno e que se apaixona por uma britânica da embaixada no meio da convulsão que as revoluções e mudanças de poder tantas vezes trazem. Porque gosto tanto do filme? Bem, porque conjuga a geografia longínqua e exótica com romance e porque sou fã da música inesperada e pouco terrena do compositor grego no cinema. Os vídeos que posto aqui são então dois, primeiro, o da música, acompanhando  uma das cenas dos protagonistas in love, segundo e último, o trailer do filme, como proposta para quem ainda não o viu ou dele já não se recorda. Sim, gosto de jornalistas-correspondentes, já o tinha dito aqui. E, sim, gosto destes panos de fundo realistas, perigosos e imprevisivelmente sedutores que alimentam seguramente tantos amores por esse mundo fora. O realizador é Peter Weir, mas isso quem conhece The Year of Living Dangerously já deve saber.


janeiro 09, 2013

O amor não acontece

                                         
Tenho para mim esta ideia que muitos passam pela vida sem conhecer o amor. O verdadeiro, o sublime, aquele que vemos no cinema e nas paixões difíceis ou proibidas que nos deixam em êxtase. Não falo das pessoas solitárias, mas de todas, mesmo daquelas que tiveram ou têm tido um grande número de paixões e de relacionamentos. E das que se dizem felizes - e não temos motivos para duvidar - nos seus casamentos e relações estáveis. Entre estas todas, muitas há que nunca experimentaram o sabor do verdadeiro amor. Ou, que tendo-lo entrevisto, deixaram-no escapar. É uma ideia tola que tenho, esta, a de que ficamos muitas vezes pelas opções mais fáceis e mais convenientes, que não comportam grande risco nem dor. Nós e os outros, claro. Haverá química, haverá desejo, haverá romance, haverá fusão, física e espiritual, haverá exclusividade, e isso leva-nos a acreditar que estamos enamorados. E estamos. Há vários graus de intensidade no amor. Mas aquele amor brutal, não convidado, que irrompe de sentires não esperados, por vezes nem pretendidos, que, a ser vivido, traz uma boa dose de sofrimento de alguma espécie, porque significa cortar com o que é e tem sido, ora, esse amor não é para todos. Muitos nunca o viveram e, provavelmente, muitos lhe terão fugido. Teme-se, quantas, quantas vezes, um amor com esta força avassaladora, que abana as estruturas existenciais de alguém até aí.  Queremos o amor mais possível, que não faça sofrer e não nos dê trabalho. O romantismo perfeito e feliz, que dure e acabe bem, como nos contos de fadas. Pelo menos, que seja essa a previsão. Queremos o amor ao nível da camada mais superficial. Porque o outro, o mais profundo, a um nível que permitirá vislumbrar o sagrado, é coisa de filmes e de livros e de histórias que se podem dar ao luxo de acabar mal. E, no entanto, fugindo-lhe ou desconhecendo-o de todo, nunca se mergulhará na felicidade mais completa que é a vertigem de amar no maior limite.

janeiro 08, 2013

Espíritos livres

Ainda com laivos do post anterior, tenho dias em que telejornais e politiquices me fazem ficar perto da náusea. São os dias de serenidade interior, de mergulho em algo mais profundo, em que não me apetece participar das coisas chatas ou tolas de todos os dias. Nesses dias, não tolero o snobismo, o elitismo e a insensibilidade da direita, de alguma direita, e não digiro a demagogia, o discurso cassete e as teorias do caos da esquerda, de alguma esquerda. Quer isto dizer, exatamente, o quê? Bom, que me identifico com o pensamento livre, com a independência de posições face a etiquetas político-partidárias e sobretudo com os discursos e convicções humanistas que atravessam fronteiras ideológicas e culturais.  Os intelectuais livres, os pensadores sem amarras e os espíritos sábios, éticos e bondosos serão sempre quem mais admiro e admirarei. Pelo realismo das análises, pela sensibilidade humanista, pela coragem de observar o mundo pelo seu próprio filtro e, essencialmente, pela reflexão. Quando venho à superfície, também eu me indigno, também eu brado, também eu falo, também eu marco posição. Mas fico por cá pouco tempo, maça-me porque proliferam as visões caóticas ou as leituras arrogantes. Do género opinar, sentenciar, sem uma reflexiva análise e sem visão. Assim vão os media e os opinion makers e a política e a sociedade em geral. E neste mundo feito de guerrinhas por tudo e por nada, a interpretação dos discursos, por exemplo, dos discursos que acontece serem públicos, engloba tudo menos ponderação. Tudo a quente, cada um pega numa parte do discurso e disseca-o de acordo com essa visão parcelar. Não se olha para  as coisas ditas como um todo, ao invés, os pormenores são retirados do contexto, cada um reforça, pela negativa, sempre pela negativa, aquilo que quer e esvazia-se o todo pelas partes. Ora isto é mau, francamente mauzinho. Nunca se constrói, nunca se dá o benefício da dúvida, nunca se acredita, nunca se confia, nunca se serena, nunca se edifica. Prevalece a confusão - cultiva-se a confusão - e todos pretendem ganhar através dela. Bem sei que muitos não conseguem entender nada disto, nem sequer ler este tipo de coisas. Estão sempre lá em cima, no terreno do fácil, do imediato, do reagir (que não quer dizer agir, já agora). Ocasionalmente tudo isto é compreensível e natural, todos o fazemos, mas em estilo non-stop é uma tremenda canseira que não cria nem traz qualquer espécie de evolução. À esquerda e à direita, prefiro sempre o humanismo. E, elementar, a liberdade. A liberdade consciente e construtora.


janeiro 07, 2013

De profundis

Estou a ler Alberoni - Viagem pela alma humana - e eis que me deparo, logo no início, com o contraste entre superficialidade e profundidade. Deliciada, vejo também confirmadas algumas das teorias "made in me", inclusive aquela que diz que tudo passa para segundo plano quando temos um problema ou encantamento maior. Ou seja, as pequenas coisas da vida ao nível superficial perdem importância quando postas perante um encontro ao nível da profundidade. E que, a par do amor, do pensamento e da arte, são muitas vezes as experiências negativas que nos fazem entrever o sagrado.

O que fazer depois disto? - pergunto eu. Nada, a não ser viver. Superficialmente porque a profundidade não é comportável a tempo inteiro. E profundamente porque uma existência a valer não se coaduna com meras formas de superficialidade. Quando sentimos verdadeiramente? Quando sofremos? Lá na profundidade. Quando nos conhecemos a nós mesmos? Lá, sem dúvida. Quando nos divertimos? Quando nos irritamos? Na superfície. Quando rimos e festejamos? Na esfera das banalidades. Quando exultamos?  É possível que nas duas, dependendo do aspeto em questão, embora o êxtase maior, creio, advenha da vitória sobre dificuldades sérias.

Se é bom usufruir dos prazeres e necessários os diálogos ao nível da superfície, a verdade é que  pobre é aquele que nunca sai da trivial espuma dos dias, pois nunca descobriu um nível mais profundo, uma outra forma de existir, mais dolorosa ou mais sublime. Pois é nele que "vemos algo da nossa essência e daquilo que poderemos ser".

Vendaval

Muitas pessoas desiludem-se com os filmes depois de terem lido os livros. Raramente me acontece, como darei prova através de alguns exemplos que trarei aqui neste capítulo novo. Também me acontece ver o filme primeiro, muitas vezes, e ler o livro depois, para completar informação, essencialmente. Sou cinéfila (e cinematográfica, mesmo na linguagem, muitas vezes). E não sou muito dada à imaginação, não exulto por aí além a fantasiar lugares e coisas na minha mente. Gosto essencialmente do real, da ausência de interpretação, das coisas como são. Daí que o que me deixa maravilhada e em êxtase seja sempre mais o bom cinema. Por muito que goste de um livro o prazer não é maior, nunca, do que aquele que tenho com um filme inesquecível (podem atirar-me pedras, vá. Não, não podem, pensando bem.) O som, a imagem, o movimento, o carisma dos atores (sim, gosto desta gente, muito), a vida que um filme tem ultrapassa a leitura, mais quieta. Quando falamos de ficção, claro. Um filme maravilhoso é uma experiência sensorial avassaladora, completa, um vendaval de sentidos. Gosto de livros, desde criança, e gosto ainda mais de filmes. Dirão alguns que o filme é já uma interpretação de outros, que assim fantasiaram com o livro. Pode ser, é, seja. Mas cada um escolhe a sua realidade - crua ou filtrada -  preferida. Sou altamente seletiva quando leio ou vou ao cinema, ou vive-versa, e raramente um filme, adaptado de uma obra literária, me desilude.





"O Monte dos Vendavais"
Li o livro, que adorei, as paixões trágicas na paisagem de época inglesa marcam o meu romantismo literário, mas curiosamente não vi o filme. Ou, devia dizer, os filmes. Ao que sei, são 3 as versões, a primeira já mais antiga (se bem que isto do cinema ser velho seja relativo, os bons filmes são intemporais, a única coisa que os data mais será a fotografia) com Laurence Olivier, a segunda a que deixo aqui através do trailer, e uma mais recente, em que Heathcliff é de raça negra, arriscando-se porventura um pouco mais na leitura de uma das irmãs Bronte.

janeiro 05, 2013

Gémeos



Brincas muito... 
Iludes e iludes-te...
                                    Nem sempre, também digo a verdade.
Pois dizes, mas de que forma...
Por vezes, dizes o pior no meio de um sorriso...
                                    Deixaste-me sem palavras.
Impossível, elas nunca te faltam.
                                    Sim, e o que seria da vida sem elas? E sem ilusões? 
                                    O espetáculo não pode acabar.

janeiro 04, 2013

500



Estava a ver que me passava ao lado, mas não. Post nº 500, é verdade. O que significa? Bem, que no primeiro ano não escrevi quase nada, no segundo acelerei e no terceiro escrevi menos do que seria desejável, provavelmente. Venham mais 500, independentemente dos ritmos e das vontades, do possível e da inspiração.
O blogue é modesto, em números e no resto. Este mundo é difícil como os diabos. É mais fácil cá fora, apesar de tudo. Até porque, no mundo real, há um todo e os posts - crónicas ou textos -  aqui são apenas uma parte. E depois há outras questões. Da província, profissão desinteressante no sentido em que não é mediatizada, sem nome, furar entre milhares de blogues mais ou menos iguais (milhões no Brasil, não posso esquecer este país) é tarefa árdua. E figurar entre maiores, os de renome porque com nome(s), nem que seja só por referência, quase impossível. Talento, tempo e mais coisas seriam precisas. E ainda por cima, há elites. Mas também há surpresas maravilhosas, generosidades inesperadas e sem compromissos, reconhecimentos animadores e cruciais. Por isso e por mais, vamos indo, crescendo aos pouquinhos, amparada por amigos e leitores queridos e fiéis, palavras encorajadoras, afetos que se criam virtualmente, e pela enorme vontade e extremo gosto de partilhar ideias, pensamentos, tudo aquilo que me vai mais ou menos assaltando a mente. O prazer é colossal, numa aventura em que já poderia ter entrado há mais tempo e com mais conhecimento de como isto é e funciona. 
Ensino inglês. Preocupa-me saber escrever bem em inglês, língua em que fiz um natural investimento. A forma em português não será perfeita mas a minha responsabilidade máxima é com outra língua, de resto estou aqui para me divertir, expressar-me, partilhar, repito, aquilo que me faz refletir ou apenas coisas boas que vão acontecendo, preferencialmente boas, já agora. Não tenho responsabilidades públicas de nenhuma espécie a não ser a que referi há pouco. E pronto, é isto. Espero continuar a sentir alegria no AE, por vossa causa, exclusivamente, pois não sou fã de monólogos nem de coisas fechadas. Este blogue está sempre aberto, prontinho para receber-vos. Haja um certo número de coisas que o permitam. Como mais 500 posts, pois então.

janeiro 03, 2013

Ainda não se vive duas vezes

Estive em modo natal - compras, consoada, prendas, família, amigos, jantares, convívios, passagem de ano, festejos, com uma incursão literária de um amigo pelo meio - e agora, para mal dos meus pecados, estou em modo enxaqueca. Desliguei totalmente de notícias e país, crise e mundo. Não sinto qualquer entusiasmo por ser ano novo - nunca o senti, de resto - nem receio especial, já agora. Os receios e os entusiasmos são os de sempre, sem data marcada. Mas dizia que nada sei sobre o que vai por aí. Parece-me que o governo ainda é o mesmo, que o presidente disse o que já deveria ter dito e que melhorias económicas a curto prazo, pelo menos, nem vê-las. Por outro lado não li nem me interessei em ler balanços nem prognósticos. Um dia cada dia e espero aguentar-me, espero que nos aguentemos. Quando se tem problemas de saúde crónicos há coisas que passam para segundo plano, há um relativizar de muita coisa porque o principal é conseguir estar-se bem. Penso que é assim, mal ou bem, a energia da indignação e da luta tem de ser canalizada para o bem-estar físico e, consequentemente, psicológico. Ainda assim, as histórias que ouço chegarem da Índia abanam inevitavelmente as estruturas mais resignadas ou letárgicas destes dias. Os crimes sexuais desta ou doutra natureza existiram desde sempre e pelos vistos não abrandam em tempos supostamente mais modernos e mais humanos. A consciência moderna da humanidade, que leva séculos de construção, desvanece-se brutalmente sob as garras de cabeças anacrónicas associadas a comportamentos animalescos. A selvajaria e a barbárie continuam a existir e a perpetrar-se, abrigadas ou não sob mantos ideológicos ou culturais. Quando o estão, é o choque e revolta perante sociedades medievalescas, quando não o estão, é o choque perante pulsões demasiado primárias e primitivas isentas de racionalidade e respeito pela dignidade humana. Em ambas as situações, o repúdio, o horror, a indignação mais profunda e a exigência de não haver impunidade.  Porque, tal como na doença, é da salvaguarda da vida que se trata. 

Possível



Tirando aquilo que não podemos controlar - porque existe - é muito bom usar esta borracha.

janeiro 02, 2013

Os ex

Imagino que toda a gente tenha ex-amigos. Eu tenho e não são assim tão poucos. Trata-se de pessoas com quem já tivemos uma proximidade grande, física e emocional, e que em hoje em dia já não fazem parte da nossa vida. Ou, menos radicalmente, do nosso círculo de cumplicidades ou afetos. Sentimos ainda alguma coisa por eles? Penso que sim, eu não desgosto dos meus ex-amigos, e há alguns de que continuo a gostar. O que nos afasta, então? Afastou-nos uma mão cheia de vicissitudes, conscientes ou não, voluntárias ou não. Coisas que interferiram no nosso percurso em comum, como seja a deslocação de local de trabalho (há uma tendência natural para todos criarmos amizades na área laboral), mudança de cidade, interferência de terceiros, incompatibilidades de feitios ou atitudes que se vêm a observar, historietas amorosas no meio, de forma variada, palavras a mais ou mal colocadas, silêncios que não deviam ter ocorrido, influências ou intromissões que não toleramos, entre outras arestas que ficaram por limar.
Se os queremos de volta é pergunta que pode dividir. Por um lado, alguns haverá que gostaríamos de repescar, uma vez que foram circunstâncias algo involuntárias que ditaram o nosso estado atual, o da separação. Por outro, existem outros que sacudimos dos nossos dias, porque mantermo-nos com eles seria comprometer algo nosso, da nossa personalidade ou estilo de vida. São escolhas, foram escolhas e há que seguir com as nossas. E possivelmente haverá um terceiro grupo, o de aqueles que se perderam sem se saber exatamente como nem porquê, mas fruto de um desinvestimento de ambas as partes, porque é preciso alimentar a amizade de alguma maneira. 
É verdade que há amigos que podem ser eternos, mesmo sem aquela presença física constante, apanágio de muitas amizades, independentemente do conceito não estar a ser explicitado aqui. Basta um telefonema, uma visita, uma mensagem mais pessoal por e-mail, em tempos e ritmos que muitos achariam incomportáveis. Mas funciona assim e quando os vemos é como se os tivéssemos deixado ontem, tal é a osmose de emoções e pensamentos que com eles se consegue criar. Mas, lá está, sabemos onde estão, o que fazem, que pensam em nós. E nós neles. Outros precisam de maior amparo afetivo, de uma maior proximidade física, embora pessoalmente não goste de cultivar amizades com pessoas dependentes, causa-me alguma impressão que a pessoa precise de mim para existir, prefiro amizades independentes, seguras, estimulantes e não apegadas demais.
Mas falava dos ex. Os ex tiveram a sua importância, datada no espaço e no tempo. Conhecemo-los como forma de nos conhecermos mais a nós mesmos, por simpatia e empatia ao princípio e contraste depois. Não guardo más recordações de nenhum, só as boas. Tendo saudades de alguma coisa ou outra, porque de certa forma também já fomos felizes com eles, há que saber deixá-los lá, no baú das memórias que enriquecem a nossa história pessoal, embora, por vezes, nos apetecesse reescrevê-la. (Claro que não faríamos tudo igual de novo, isso é uma enorme mentira.) Os ex-amigos já não são nossos amigos. Não se aguentaram connosco nem nós com eles. O que diz isso de nós? Talvez alguma coisa e possivelmente nada. Vivam os presentes e sabendo que haverá sempre futuros.