novembro 25, 2012

Das palavras aos atos

"Digo o que penso e, muito simplesmente enuncio factos pois que, apesar de poetisa, ligo bem maior importância aos factos do que às palavras por bonitas que sejam. Palavras são como as cantigas: leva-as o vento." (Florbela Espanca)

Quando li esta frase lembrei-me de uma colega, há anos, que dizia, falando do amor e do casamento, não serem as palavras importantes mas sim os atos. Na altura, manifestei alguma resistência a esta ausência de poesia. Disse que também eram importantes, que as coisas expressas verbalmente, e mais ainda de forma positiva, também dão significado a tudo isto.
Pois é um facto que muitos de nós são sensíveis às palavras, especialmente se, como sempre desejamos, forem belas. Elas podem querer dizer muito. Elas podem falar verdade. Elas podem ser exclusivamente para nós. Podem confortar-nos, deliciar-nos, motivar-nos, projetar-nos, fazer-nos sonhar. Portanto, têm um poder enorme sobre nós.
No entanto, de nada servirão se os atos as contradisserem. Dou a mão à palmatória, os atos são bem mais importantes do que as palavras. Se estes não corresponderem ao que é dito de nada valem os enunciados que nos fazem felizes. Vejamos a questão amorosa. O que significa alguém dizer que gosta de nós e nos quer muito quando na prática se comporta de maneira oposta? Como reter-nos se nos dececiona pelo que faz, ainda que nos murmure palavras encantatórias à la Cyrano de Bergerac?
O comportamento, sim, é revelador do caráter. A habilidade discursiva, as capacidades de encanto verbal, o fulgor das palavras que se proferem podem ser apenas isso mesmo – talento nas artes da sedução. Talento, audácia, arrojo, astúcia, o estilo valmont. Se as atitudes depois forem exatamente o contrário, elas terão sido uma mentira. E a mentira não sustentará o amor por muito (mais) tempo. Não se tivermos o outro amor, o próprio, o que nos faz gostar de nós e manter a dignidade.
Ainda assim, porém, não podemos ignorar completamente a importância das palavras. Alguém que nos agrade em todos os seus atos mas que não tenha para nós palavras de afeto e outras coisas mais, também nos pode começar a perder. Porque a incapacidade de alguém dizer que gosta de nós, embora o demonstre de várias formas, mas não dessa, também nos pode gelar. Sobretudo se somos expressivos e não temos nós dificuldades em dizer o que sentimos, o que apreciamos no outro.
Isto nos amores, não querendo dizer que não se possa estender a outros campos das relações humanas. Em qualquer um deles, o ideal será o equilíbrio entre o que se diz e o que se faz. Ou de como é bom quando os gestos acompanham as palavras e estas estão de mãos dadas com os gestos. Na impossibilidade de termos as duas coisas, por defeito ou feitio, vão as palavras e fiquem as atitudes. Porque as palavras, como vimos, podem não querer dizer nada, podem ser levadas pelo vento. Já os gestos, parece-me, não há vendaval que os abale.



10 comentários:

  1. De facto o "sim" do casamento está a diluir-se e em breve é capaz de ser introduzido na cerimónia do divórcio.
    Por isso é que "Les liaisons dangereuses" dispensam essa formalidade.

    :)

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    1. É mesmo, aquilo que se diz depois não encontra eco na prática. Portanto,na prática, passemos aos atos:)

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  2. O texto está muito bem escrito e concordo plenamente! (Por experiência própria: dava muita importância às palavras e aprendi a importância dos gestos!)

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    1. Obrigada, Rosa, um grande beijinho para si*
      Sem dúvida que os gestos contam mais - na verdade, sou extremamente "desromantizada" nas palavras:) Isto se falarmos do estado amoroso:) Quanto ao resto costumo ser mais expressiva:) e apreciar isso também nos outros. Mas sou prática e só com palavras não vou lá. Nem vai ninguém. :)

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  3. Concordo que o texto está muito bem escrito. Já não concordo tanto com a tese.Aprendi com Jakobson e muitos outros que "o que está dito, está feito". De facto, é o discurso que nos constrói e nos destrói. O verbo primordial. Ou não!
    joao de miranda m.

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    1. Pode ser, pode ser, João... mas olha que nos amores não me parece que o que se diz, de bom, neste caso, é necessariamente ou sempre o que se faz. Era bom era! :)

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  4. Li e reli a ultima frase "Porque as palavras, como vimos, podem não querer dizer nada, podem ser levadas pelo vento. Já os gestos, parece-me, não há vendaval que os abale." É tão verdade!!!

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    1. É, embora goste das palavras expressas - as boas, sobretudo :) - aprecio a franqueza e francamente os gestos são mais fortes do que a palavras.:)

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  5. Os gestos serão mais fortes do que as palavras porque as pessoas nem sempre fazem aquilo que dizem. Ou, como já disseste, as palavras que dizemos nem sempre traduzem as nossas atitudes. Por isso, os atos poderão ter mais impacto. Mas também considero que palavras têm um peso significativo, quer sejam positivas ou negativas; e estas últimas podem deixar marcas. Marla

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    1. É verdade:) E às vezes palavras negativas, numa confrontação verbal, podem ir contra os atos:) E fazem mossa:) Mas penso, Marla, que o que referia tem mais a ver com as boas que depois não encontram eco nos gestos.

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