
No outro dia espreitei os comentários à notícia que dava conta de que os portugueses que tinham visto "Gabriela" nos primeiros episódios eram em larga escala. Os comentaristas, num português, vá, longe do ideal, insultavam o povo português por estar a ver novelas e não a ver, a fazer ou pensar em outras coisas. Bom, vejamos. Sabemos que há uma crise e que estamos, todos embora uns mais do que outros, a atravessar maiores dificuldades. Sabemos que devemos disso estar conscientes, intervir e tomar posições. Sabemos que a vida real é feita destas dificuldades sérias e de outras de outro tipo e às quais não podemos nem podíamos estar indiferentes. Mas também não é por vermos uma telenovela, com a acrescida curiosidade de a compararmos à versão original, que literalmente parou o país há tantos anos, que vamos ser menos sensíveis e menos preocupados com a realidade circundante. Apenas nos damos ainda a um pequeno luxo que é poder apreciar alguma coisa que nos ponha um pouco mais bem dispostos, menos apreensivos com o presente e com o futuro durante uma meia hora. Os divertimentos podem ser criticáveis em tempos difíceis, vistos como formas alienadas de fugir da realidade e como egoístas inconsciências, sociais e políticas, mas na verdade é legítimo também que as pessoas tentem aliviar as pressões quotidianas. Também pode ser discutível a noção de entretenimento de boa e de má qualidade. Há quem possa ver este tipo de programa como menor, intelectualmente pouco enriquecedor, podemos até concordar se é só isso que vemos e se apenas isso é transmitido pelos canais generalistas, o que sucede, infelizmente, com frequência. Sem dúvida. Mas há ficção que é adaptada de grandes obras literárias, como é o caso, e é um prazer vê-la no pequeno (ou grande) écrã. Pessoalmente sempre apreciei a ficção brasileira adaptada da literatura e tenho acompanhado "Gabriela" sempre que posso e quero. Comparo as duas versões, considero melhores alguns aspetos e algumas personagens não tão marcantes, sobretudo as femininas, essencialmente as femininas. E por estar meia hora por dia distraída não invalida que não esteja consciente do resto. Apenas é preciso sobreviver e ainda fazer alguma festa, se possível e quando possível, a propósito de pequenas coisas ou quiçá maiores. E não é só em Portugal que séries fazem furor, não somos menores do que os americanos ou ingleses que também se deixam seduzir por um ou outro programa televisivo. Poderá voltar-se à questão da qualidade, e levar-nos-ia para um outro tema, mas neste caso muita gente até releu ou está a ler pela primeira vez o livro de Jorge Amado para melhor compreender a história. Digam lá se isso não é positivo. Não é, pois, por visitarmos de novo a Bahia que perdemos a dignidade ou o envolvimento - quando eles existem. Não é.