fevereiro 11, 2012

Diário de um professor de aldeia



1. Não que o ensino seja propriamente na aldeia. A bem dizer também não o é na metrópole, longe disso. Mas só assim o título evoca a missão e o cinema ao mesmo tempo.

2. Continuação de Stop ou como era bom acabar com isto. De cavalos passamos para tabaco.

3. Aula. Aponto as faltas de material que persistem em fevereiro. Uma aluna de quinze anos,  nível quatro a querer chegar ao cinco, está com ar enfadado e de quem está mal com tudo - e ao que soube posteriormente não estará bem com muitos, na verdade, mas por culpa própria. Não tem livro. O colega ao lado diz como é possível. Ela diz que já não há livros, os tais de 5 euros de caução, na papelaria. Ele diz-lhe que já devia ter lá ido há mais tempo. Ela diz que não tinha dinheiro. Ele responde mas tu fumas. Ela espanta-se. Ele insiste se tens dinheiro para tabaco tens dinheiro para um livro. Ela diz-lhe desagradada a minha mãe está desempregada. Ele ai sim e então, os cigarros? Ela responde, entre o desgraçado e o irritado, tu não sabes mas eu trabalho para os pagar. Ele ri-se ela olha para mim à espera de aprovação.

4. Mais tarde sabe-se que a aluna, que frequentemente enrola cigarros nas aulas, usa uma marca não comum, a combinar com o refinamento próprio de quem diz não ter 5 cêntimos para uma fotocópia.

5. Os livros continuam à espera, às resmas, na papelaria.

7 comentários:

  1. Eu não tenho nenhuma sensibilidade para esses fenómenos sociodeprimentes.
    Não tem livro, tem falta. 5 faltas dá 0 em atitudes e valores. No profissional. Normalmente, isso dá chumbo no Módulo.Depois é só fazer a pauta e os tipos acabam por ir pregar para outra freguesia. O director puxa-nos as orelhas e tudo segue na paz do Senhor. :)
    joao de miranda m.

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  2. Já somos dois - ela olhou para mim à espera de uma aprovação que não teve, logicamente. Isto dos manuais tem sido do pior. Mas o engraçado é que outros alunos conseguem ter posturas interessantíssimas, como foi o caso deste miúdo. Que é um doce tagarela mas que soube ver para além da justificação mentirosa.

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  3. Preocupam-me muito os que não têm manual porque não o podem comprar, preocupam-me menos os que se estão nas tintas. Problema deles. Se os apaparicarmos nunca vão crescer. Têm de perceber de quem são os problemas afinal.
    :)

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  4. Claro que há os que não podem - mas aqui só posto situações de absoluto deixa andar, que são as que não compreendemos. A menina em causa não fala verdade, é mesmo compulsivo:)

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  5. Mas por vezes, nem sempre, mas por vezes, os que se estão nas tintas têm uma vida que se está nas tintas para eles... Não deve ser fácil...

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  6. :) Oh pá, sorry...É a minha veia...

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  7. Não será bem o caso CF...:) Os casos que vou relatando aqui são mesmo de "tou nem aí"... pessoalmente custa-me a engolir que alunos de 15 anos que fumam no intervalo não tenham 5 cêntimos para uma cópia... Lá está, são as tais prioridades trocadas.
    (Há miúdos com vidas terríveis, sim, mas não tenho escrito sobre isso...e tanto havia para dizer.)

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