janeiro 05, 2012

Stop ou como era bom acabar com isto


Vamos mal em matéria de prioridades. E vamos mal nos valores passados em casa.
Na escola onde leciono há um sistema de empréstimo de livros desde que lá estou para fazer face às dificuldades económicas dos alunos e às despesas que sempre acarreta a compra de manuais escolares. Os alunos têm de entregá-los, e em boas condições, no final do ano letivo, o que nem sempre acontecia. Vai daí que este ano tiveram de pagar uma caução por cada um deles, no valor de 5 euros.
Alegaram que não podiam pagar (a maior parte das turmas precisará apenas de 3, 4 manuais). E foram adiando, mais por preguiça e relaxamento, o empréstimo. A capacidade de imaginação e de trabalho dos professores, mais uma vez, foi salvando a situação - fotocópias, recursos a powerpoints, listenings, vídeos e demais tecnologias, escola virtual). Alunos aplicados, entretanto, nem sequer o compraram na escola - arranjaram-no prontamente, fora, nas livrarias, ou, havendo reais dificuldades, e apesar dos subsídios, por intermédio de amigos ou familiares.
Hoje perguntei pelo livro - é janeiro, as aulas começaram em setembro. Vários, imensos alunos continuam sem manual para trabalhar na aula. Está metade com, metade sem. Estratégias reformuladas na hora, aulas que não são como deviam, atenção dispersa, o velho filme de quem recusa aprender. Mas o pior não é isso. O pior é mesmo não terem dinheiro para os livros. Na maioria dos casos de que  me apercebi: portáteis, telemóveis, iPads, consolas, playstations, sapatilhas nike, marcas e marquinhas, cavalos. Sim, cavalos. Deu-me, assim, a bem dizer, uma cólera que não queria tão súbita. A progenitora acabou de lhe ofertar uma égua, decerto para juntar ao cavalo da menina que está nas boxes do centro hípico da escola, não vá este sentir-se sozinho.
Claro que os livros escolares devem estar em segundo, quarto, vigésimo-segundo, centésimo, último lugar. Primeiro o entretenimento e a equitação. Os tempos livres, caramba, moldam o nosso caráter e potenciam o nosso percurso profissional, pessoal e mais ais que tais. Eu cá também acho que não devia gastar alguns muitos euros em fotocópias, quando a reprografia está fechada em horário que devia estar aberta, nem tinteiro em casa. Não sei se comprava um cavalo mas podia comprar, por exemplo, um camelo, afinal sempre é mais exótico e eu sou dada a paisagens do deserto.
Vai-se mal no mundo dos animais racionais. Que racionalizam muito pouco e assim deseducam brutalmente os mais novos. Comprar um dicionário de inglês? Não, não dá, os pais depois não podem comprar um nokia topo de gama ao menino. Ai, estas prioridades. Não as entendo e como são difíceis de entender.

13 comentários:

  1. Engraçado. Os meus alunos não são muito de gadgets. Têm telemóveis normais e não os vejo com roupa de marca, mas é claro que também acho, globalmente falando, que as prioridades estão todas trocadas.

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  2. Não têm playstations e afins, Leonor, a sério?:) Ou não dizem/mostram ou têm a sorte de terem pais em condições, espero que sim, é sinal de que serão alunos motivados.
    Por aqui vê-se pouco ou nenhum investimento escolar a este nível e muito a outros. E acho que é geral... É os filhos que vamos tendo...num país em que consumir e ter é mais importante do que saber e ser. Hard times...:)que são também unwise times

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  3. Não sei se têm playstations, Fátima, mas não os vejo usar nada de mais. No outro dia à conversa com as miúdas sobre roupa descobri que uma parte se veste na Primark e que por isso acha tudo muito caro. Uma coisa engraçada é que são muito mais infinitamente mais forretas dos que antes, mas devem sê-lo para depois comprarem o que gostam, digo eu :)

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  4. Bom, também tenho alunos do melhor em termos de postura, educação, valores. Esses têm manual:), e não será coincidência. Tb não andam todos com marcas, claro. Há nesta escola miúdos com grandes, grandes dificuldades e esses têm manual e subsídios e mesmo estão isentos de pagar. A questão, Leonoe, e ainda hoje falávamos disso ao almoço é a que não é desculpa dizer que não se pode pagar quando se compram coisas que não essenciais e ainda p cima mais caras do que um dicionário, do que uma caução de 5 euros. Há muito disso, é inegável. E nós que vemos, refutamos este tipo de prioridades. Foi o nosso tema de almoço, hoje:) Professor muito fala de escola, não é? ::))Kisses

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  5. Sei do que falas.Fátima..Podem não ter cavalos,mas telemóvel têm de certeza...Um ou dois...Podem nem usar grandes marcas, mas continuam a preferir gastar o que têm em gomas todos os dias, em tabaco, em hamburgueres e afins...Continuam a reclamar que não há dinheiro para os livros,mas tomam o pequeno-almoço na pastelaria, quando eu o tomo em casa e não vivo de rendimento mínimo...Os nossos meninos são fruto desta sociedade:facilitismo,chico espertice,irresponsabilidade, ignorância atrevida...Não serão todos,graças a Deus, mas em número suficiente para nos indignarmos diariamente com situações semlhantes às que descreves... Enfim..Não nos desgastemos! beijinhos, Nené

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  6. Acabo de ler o teu texto...Sim, é a nossa triste realidade! Penso que em todas as escolas se sente isso. Não há dinheiro para a cultura e para livros. Vivemos num mundo materialista em que o livro perdeu todo e qualquer valor. Beijinhos. Gi

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  7. Li e gostei do teu texto. Concordo plenamente...o raio das prioridades andam mesmo trocadas. Eu acho que qualquer dia destes os pais têm de voltar à escola para serem educados para depois poderem educar os seus próprios filhos...já só lá vamos assim e eu sei bem do que falo. Bj
    Manela M.

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  8. Eduardo Coelhojaneiro 06, 2012

    Autêntica inversão de prioridades/valores, fruto da má orientação dos pais, que incutem direta ou indiretamente esses valores nos filhos e má influência da sociedae inculta que temos, virada apenas para o consumismo... Impõe-se à escola uma estratégia educativa mais incisiva junto das famílias dos alunos! Beijo e Bom 2012, Faty!

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  9. A minha alma está parva com o iPad e a égua! Já se sabe, que a sociedade portuguesa (e não só) está cada vez mais estupidificada e ignorante, moldada pela publicidade e inversão de valores que grassam pelo mundo fora. Mas chegarem a este ponto... Caramba! A educação e a cultura estão cada vez mais restritos a uma elite. Quando abrirem os olhos será tarde demais e os grandes poderes económicos terão o povão nas mãos! Lamento a tónica pessimista, mas a realidade caminha nesta direção. Espero que ainda seja possível inverter a situação! Marla

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  10. procurar a felicidade investindo no TER e não no SER continua a ser uma ilusão predominante. Escrevendo Deus direito por linhas tortas, poderá a crise vir a fazer repensar esta situação? bj
    luisa

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  11. É tudo isso, claro, uma inversão perniciosa de valores que só prejudica a aprendizagem, a formação, a sociedade em geral. Primeiro as tecnologias, a diversão, e depois a escola. Triste!

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  12. Concordo que esta realidade vai sendo geral... Quero ver como vão fazer com todos os factos que aí estão... Provavelmente uns deixam de comprar bens essenciais para q os filhos possam ter o q os outros têm... Acho q um dos grandes problemas disto tudo é eles não perceberem q uns podem ter e outros não.
    L.

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  13. Os meus são de escalão A, faltam às aulas, fumam, bebem, às vezes nem vão comer a refeição que têm de graça na cantina mas têm portáteis, 2 ou 3 telemóveis de última geração e vão para os bares e discotecas à 6.ª, sábado e domingo e alguns ainda destruiram no primeiro dia o material escolar que lhes deram do subsídio. Escola para todos? Uma ova!
    Sagi

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