janeiro 13, 2014

Tortura obrigatória

                     

Não me interessa comentar a proposta da juventude centrista sobre a redução da escolaridade obrigatória, não em termos políticos, diga-se, e dissertar sobre os possíveis objetivos de tal proposta. Agora, como professora de alunos, muitos alunos, com mais de 15 e menos de 18 no ensino básico tenho apenas a dizer o seguinte: é penoso, para discentes e docentes, ver alunos contrariados e que manifestamente não gostam nem querem estudar arrastarem-se pela escola e mandriaram nas aulas e que só estão à espera, alguns, de completar 18 anos para se porem a andar da escola para fora. Assumidamente. Não trazem material, não fazem rigorosamente nada, chegam atrasados e mantêm-se apenas na escola e nas aulas, não em todas em abono da verdade, porque a CPCJ (Comissão de Proteção a Crianças e Jovens) está em cima deles e das suas famílias. Com o esforço acrescido - e maioritariamente inglório - que os serviços de psicologia das escolas têm com isto, os diretores de turma e mesmo os tribunais, se a coisa for mesmo complicada. 
Há alunos que já têm emprego assegurado nas empresas de familiares. "Faltam quatro meses, professora." E assim perturbam as aulas, espalham o mau comportamento e o desinteresse ao resto dos que lá estão e ainda querem fazer alguma coisa. Assim vamos, indo muito pouco. Só quem trabalha em escolas de elite ou quem desconhece completamente a realidade na sala de aula - e as realidades socioeconómicas ou culturais por detrás dos alunos -  é que pode concordar com uma lei absolutamente contraproducente. O saber desta rapaziada é mínimo, zero, abaixo de zero, muitas vezes. Ninguém aprende contrariado. Também nem todos têm as mesmas capacidades, a mesma curiosidade ou o mesmo background familiar. E a verdade é que nem todos podem ser doutores, sob pena de desaparecerem ofícios muito dignos e úteis em qualquer sociedade.
Seria muito bom que toda a gente soubesse muito, gostasse de aprender muito, chegasse muito longe ( e mesmo isto é relativo). Mas é preciso poder e querer. E não podendo ou não querendo, é impossível. Torturantes as aulas para este tipo de alunos, torturantes as aulas para os colegas mais novos que ainda querem aprender e tirar uma qualificação, ainda que não alta, torturantes as aulas para os docentes que têm de apresentar resultados e sucesso a toda a força. "Faltam quatro meses para fazer 18 anos", escuto diariamente Até lá, tanta água passará ainda debaixo da porta da sala de aula. 

8 comentários:

  1. Bom dia Faty, tem toda a razão fala com conhecimento do assunto. Concordo quando diz que nem todos podem ser doutores, muitas vezes digo "onde moraria o doutor se não houvesse pedreiros ? " mas, como seria bom ( para eles e para o País ) se pedreiros, serralheiros, carpinteiros, mecânicos e outras profissões muito dignas tivessem um pouco mais de cultura e conhecimento. São muito jovens, muitos não têm capacidade e outros são pouco estimulados pelas famílias. Já disse, não sou professora mas sou muito atenta ao que se passa a meu lado e no País. Beijinhos

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    1. Claro que seria muito bom, o conhecimento é um direito e é sempre uma mais-valia. Tantas vezes lhes dizemos que a ignorância é inimiga da liberdade e da qualidade de vida. Mas os factos são mais fortes, infelizmente, do que os nossos anseios e ideais. Não se fazem omeletes sem ovos e é penoso assistir ao que retrato no post. Retribuo o beijinho aí para o sul, amiga Aliete. :)

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  2. Nao me sinto "habilitado" para aprofundar o tema, mas confesso que não gostaria de ver regressar os tempos em que os doutores eram filhos de doutores e os "outros" eram filhos dos "outros"...

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    1. Pois, jrd, eu também penso assim, idealmente. Nem sequer ponho isso em causa, claro. O direito à aprendizagem. O privilégio e as vantagens da escolarização. Isso digo-lhes eu, dizemos-lhes nós. Mas há que ver a realidade e, por vezes, não há como mudá-la. Bastava vir a algumas aulas, diariamente, ver o que vejo e talvez compreendesse o que digo.:)

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  3. Teresa Estevesjaneiro 14, 2014

    Muito bem dito... tortura obrigatória para todos. A escola é, para quem nos governa, uma escola idílica. O mundo é, para eles, um mundo idílico. Ou então não: estão apenas a aplicar normas que ficam bem e a borrifar-se para tudo. Ao instituir 30 alunos por turma, não me restam dúvidas.

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    1. 30 é muito bom... :) Eu tenho 35 numa e noutra 39 :) E estão fora do terreno, sim. Idealmente é fantástico, na realidade, não é.

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  4. Nem os alunos, nem muitos dos pais dão valor à educação. Precisam forçosamente de serem mergulhados noutras realidades: países em situação de guerra/ conflito, fome, miséria, pobreza,... onde as crianças e os jovens fazem um enorme sacrifício para ir à escola, muitas vezes em péssimas condições, ou dariam tudo para frequentar uma escola e ter acesso à escolaridade e serem alfabetizados. Marla

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    1. Neste momento, e mais do que nunca, assisto a uma desresponsabilização total por parte de quem também devia fazer um esforço. E mais tinha para dizer mas vou calar-me sobre educação durante uns tempos. Ando mesmo irritada, com o facilitismo disto tudo e com a ideia - falsa - de que escolaridade obrigatória significa saber e ser mais capaz. Uma coisa é as estatísticas, os certificados e os diplomas, outra é aquilo que se aprendeu efetivamente. E andamos todos a construir uma grande falácia. Beijos, Marla.

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