março 12, 2013

Atirar ovos


Estamos, os professores, a viver semanas infernais nas escolas, com o aproximar do final do segundo período e as avaliações finais do mesmo. Reuniões, papeladas, grelhas excel, correções de testes e trabalhos, atividades de animação escolar, aulas e preparação das mesmas, tudo envolto no mais perfeito rigor, seriedade, competência, boa vontade, criatividade, enfim, aquilo que faz os nossos dias e boa parte das nossas noites. E exigem-nos alunos com bons resultados, ou pelo menos positivos, que vamos tentando e conseguindo graças a um espantoso uso de malabarismos vários. O leitor fora deste cenário pensará que mais não fazemos que a nossa obrigação. Sim, há uma parte que sim, haverá outra que levaria horas a debater. Mas o centro de recursos de habilidades que vamos construindo esbarra num pequeno, pequeníssimo pormenor - a postura dos alunos face às aulas, à escola, ao ensino/aprendizagem. E também a postura dos seus pais e mães, que, sendo muitas vezes os primeiros a apontar a espingarda contra a classe, ajuda, espante-se, a este estado de coisas - a total desresponsabilização dos discentes no sucesso educativo e nas metas exigidas pelo ministério, pelos papistas maiores do que o papa (a propósito, já há fumo? - as grelhas excel e o resto não me deixam ver mais nada, é a ignorância completa), pelos obcecados dos rankings, pelos guardiões do umbigo das suas gestões, pelos propagadores do sucesso à força. 
Vem isto tudo a propósito por causa do incrível concerto do miúdo, marcado para uma não menos incrível terça feira à noite. O que se vê na televisão quando se tem uns minutitos à mesa ao jantar  que nos permitem entrever um bocadinho do que por aí vai? Uma multidão de garotada acampada desde há dois dias à porta do local do incrível evento e a embevecida e compreensiva colaboração das suas incríveis mães. Nada tenho contra o fenómeno de idolatria nesta faixa etária (já não digo o mesmo da idolatria em idade adulta), eu própria tive os meus ídolos pop da altura e lembro-me de ter o quarto cheio de posters deles (e de alguns atores - inclusivamente os clássicos dos anos 50 e 60 - porque, sim, o gosto pelo cinema nasceu cedo). Mas não me lembro de assistir a um concerto quase a meio da semana e, pior, levada pela minha mãe. Pior porque, e agora sim, cá está, porque aquela miudagem toda faltou às aulas, pelos vistos dois dias (segunda e terça), dois dias numa semana de avaliações (e mesmo que não fosse) e as mães sabem, aceitam, colaboram, transportam- nos, sorriem. E provavelmente justificam na escola. E na justificação, dirão a verdade ou alguma mentira? Justificação - viagem a Lisboa  para/concerto de Justin Bieber ou gripe? Eu, que vivo a quase 300 km de Lisboa, também gostava de ir mais vezes à capital e ver espetáculos a que aqui não tenho acesso, e que ocorrem durante a semana, mas não penso que ninguém me aceitasse a justificação. A da deslocação, nomeadamente. Ou até a da ressaca, depois de uma noite mal dormida a regressar a casa.
E assim vai o ensino. Uma euforia enorme por faltar às aulas (todos nós o fizemos ocasionalmente, mas ocultávamos tal facto dos nossos pais e como os temíamos quando descobriam). Uma euforia natural da garotada - naturalmente - e uma complacência dos progenitores (afinal os pais também devem ter concordado) que não devia ser natural. Ai as metas, meus senhores, as metas. Não deviam ser só os professores a trabalhar para elas, ou deviam? É que não se fazem omeletes sem ovos. Por falar em ovos, apetece atirar uns. E não  propriamente ao artista canadiano.

12 comentários:

  1. Vim comentar antes de te responder no meu estaminé... :)

    O meu post é pequeno, não vai tão longe. Percebo perfeitamente, e concordo com o que dizes, claro. Obviamente que há coisas que deveriam ser resguardadas, e faltar às aulas não é de todo boa política. Só fiz questão de frisar que a adolescência tem um quê de mágico que se deve aproveitar porque é único. Também o vivi, e não me esqueci. E os ídolos são parte integrante. Beijinho Fátima.

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    1. Obviamente que estamos de acordo, Carla, numa coisa e outra. Belos tempos. :) E faltar às aulas não é nada que não tenhamos feito, ocasionalmente, mas não com a conivência (provavelmente mentirosa depois) dos encarregados de educação. Sobretudo quando se encarregam depois eles próprios de tudo exigir dos docentes - e não vou dizer o quê, levaria horas. :) Beijocas

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  2. Fátima, eu percebo o seu desespero e juro que não é minha intenção pôr mais achas nessa fogueira, mas estou à vontade para falar dos professores, porque quando digo que eles isto e aquilo, não me estou a colocar de fora, porque como sabe também sou professora, para o bem e para o mal. Leio o seu post e percebo o que quer dizer. Os pais são hoje demasiado permissivos e não apenas por justificarem faltas de meninos que vão a concertos, ou a castings, mas por fazerem os trabalhos dos filhos, por contratarem advogados para os defender de sanções disciplinares dadas pela escola, por se demitirem dos seus papéis de educadores e por tantas outras coisas.
    Mas nós, os professores, também temos imensa culpa da postura que têm face à escola, porque temos tendência para facilitar tudo e acabamos por ser também excessivamente permissivos.Em muita coisa. E gastamos muito tempo e energia, com grelhas excel e outras porcarias que nos tentam impor e que nós acabamos por aceitar sem nos questionarmos nem reclamar,mesmo sabendo que isso contribui pouco para o ensino e a aprendizagem serem melhores.
    Bom, mas dito isto, mando-lhe um beijinho de professora para professora, porque ainda que não esteja a passar por isso neste momento, sei bem como é o final de um segundo período.
    (E deixe as miúdas sonharem com o Bieber, que é um instante enquanto lhes passa. Brincadeirinha.. ;)

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    1. Há coisas aqui no seu comentário das quais discordo, vou ser mais breve (o tempo não estica ultimamente) :) - não me vergasto de forma nenhuma como professora, nem me considero tão especial que faça uma diferença daquelas. Sou a mesma de turma para turma e relativamente a todos os alunos também e nem todos chegam lá.
      Quanto ao Bieber, let him be. :)

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  3. Pois é, concordo com tudo o que dizes. É pena que os pais não tenham o mesmo entusiasmo a acompanhá-los numa visita cultural, uma ida a um museu, por exemplo... Na verdade, acho que todas as teorias que têm estado na moda em termos de educação partem de um princípio errado: o de que todas as crianças estão ávidas de aprender. Não é verdade, muitos não querem mesmo saber!... Eu chamo-lhe anorexia intelectual!
    A propósito, onde está a crise? Ali no concerto não estava com certeza, não parecia haver carências de espécie nenhuma...
    bjs

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    1. Concordo em absoluto, Teresa, nessa da moda atual em que são os professores os responsáveis únicos pela aprendizagem. Afinal, estão a dar-nos muita importância LOL

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  4. Tive que refletir pessoalmente sobre este assunto e para mim não há dúvida, não se falta a aulas para ir ver um concerto, como não se falta ao trabalho. É uma questão de responsabilidade. Beijinhos.

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    1. Os putos são os menos culpados. O melhor são os planos de recuperação de assiduidade- por causa de coisas como esta. Que só quem está dentro sabe o que significam. :)

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  5. Realmente... as aulas são um mero pormenor na vida desta maltinha!!!! E ainda há quem se surpreenda com o estado em que está mergulhada a nossa sociedade... Palavras para quê? Disseste tudo amiga... Lília

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    1. Os planos de recuperação de assiduidade, amiga, os planos... e o resto que disso decorre. ;)

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  6. Se existe uma crise de valores instalada nas novas gerações hoje em dia, esta reside no mau exemplo que recebem dos adultos, que vai desde a excessiva permissividade à falta de princípios, de seriedade e responsabilidade... Marla

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    1. É tão mais fácil pedir aos professores que façam tudo...

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