Há coisas que me irritam na esquerda. O discurso cassete, a eterna crítica, um certo elitismo intelectualóide e cultural, o não saber relaxar, o pensar que todos os desfavorecidos são naturalmente bons e merecedores, a dualidade em relação a ditaduras, a ausência de autocrítica, uma certa divinização do trabalho. Permanentemente em guerra, uma canseira que é incomportável, para mim, a tempo inteiro.
Há coisas que igualmente me irritam - e detesto - na direita. O snobismo, a indiferença social, os tiques de quem sempre tudo teve, a frieza superior e sobranceira, o preconceito étnico e religioso, o liberalismo económico levado ao extremo, a dualidade em relação a ditaduras, uma insensibilidade que brota de uma existência ao abrigo de dificuldades. Permanentemente sob privilégios e uma certa rigidez face à necessidade de melhorar e mudar o que é preciso.
O que resta então? O centro? Não me parece, a ver pelas jogadas de poder e os interesses que não são nacionais que o centrão tem sempre demonstrado neste nosso país. O que me resta, então? Apesar de nunca ter votado à direita, e não me pareça que o vá fazer algum dia, a verdade é que estou a ficar cada vez mais apartidária. Penso que nunca seria, de resto, capaz de pertencer e militar num partido, sou demasiado independente para isso. Tolher as minhas opiniões e posturas por causa de decisões conjuntas em nome de uma pretensa ideologia não faz o meu género. A ideologia é uma dimensão interessante mas está minada por questões que a defraudam constantemente. E não concebo ideologia sem humanismo, sem alma e sem prazer.
Também considero que há pessoas de real valor em todos os quadrantes. E que as temos de valorizar, independentemente do lado em que estão. Se forem humanistas, construtivas, anti-preconceito, dignas, competentes e positivas, pouco importa em quem votam. Há valores que são, ou dizem ser, tradicionalmente de esquerda e que são essenciais. E outros, que dizem estar historicamente ligados à direita, que também o são. Daí que o que importa é construir e seguir, respeitando o outro, a diferença e sendo sensível às dificuldades, evitando-as ou lutando contra elas.
Os líderes, da esquerda e da direita, também desempenham um papel importante. Há quem nos inspire e há quem nos desiluda e defraude. Há personagens inenarráveis, tanto à esquerda como à direita, tanto nacional como internacionalmente. Há inclusivamente indivíduos que usam a política e o poder que detêm para escoar as suas paranóias pessoais e os seus traumas interiores. Há mentira, há abuso, há exploração, há demência. Há perigo, portanto.
À esquerda ou à direita, as coisas que me irritam não deviam ser ou estar. Elas afastam-me, sobretudo na área onde me tenho movimentado desde que voto e mesmo desde que desenvolvi a minha perceção do mundo e da política como meio de o (poder) transformar. Será provavelmente isto fruto da sociedade atual onde vivemos, onde os valores e consciência parecem desvanecer-se, onde a vaidade, os egos e o embuste se pavoneiam, onde a vidinha de cada um se sobrepõe a tudo, onde, no fundo, a mediocridade impera.
Vou continuar a votar. À espera de um milagre qualquer, ainda e sempre. Há surpresas, apesar de tudo, no meio das desilusões. Lutando quando se quer, como se sabe e pode, e relaxando quando se quer, como se sabe e pode. Importa é que os dias possam ser melhores, tanto quanto os outros nos deixem e tanto quanto nós próprios os possamos tornar.