maio 01, 2012

Aos bons livros

                           
Ouve-se amiúde vou para o café sempre com um bom livro, não me deito sem um bom livro antes, nas férias não dispenso um bom livro. Entendemos - entendemos? - o que se quer dizer mas ... afinal, o que é um bom livro? Trata-se de, aqui, entrar em terreno algo perigoso sobretudo para quem, aí, lê muito e considera que lê os bons livros, ou ainda mais para quem considera que há os livros certos e os errados e nada no meio. Não tendo nada a ver com a literatura, não sou professora de português sequer, nem tendo nada a ver com nada, posso dar a minha impressão de tudo.
Afigura-se-me, e é meramente uma impressão, que quando falam no "bom livro" estão, na esmagadora maioria das vezes, a referir-se ao romance, que nada pode ter a ver com romântico, romance aqui no equivalente ao inglês novel. E portanto aqui caberá tudo. Desde os clássicos consagrados aos mais desgraçados, até aos ´light´ que querem desgraçar ou se desgraçaram por recriação própria, ou ainda a tipos de "literatura" em voga durante tempos que depois se vão (ao estilo pop da música, e atenção que não faço juízos de valor), enfim uma panóplia de oferta e de procura para todos os gostos, línguas, e ´moods´. Não faltam escaparates e curiosamente há menos e menos livrarias. 
Mas um bom livro tem necessariamente de ser um romance? Ou só romances? Então uma biografia? E crónicas, ensaios? E livros de análise sociológica, de psicologia? E um atlas? E uma enciclopédia? Não nos dão conhecimento? Não nos abrem as portas ao mundo e às suas diversas formas e cores? Não nos fazem entrever a alma humana? Porque é que só a ficção é meritória? Aliás, quantos romances não são escritos a partir de brutais experiências sensoriais, geográficas, psicológicas? E não podemos sentir prazer ao folheá-los, aos outros, que não têm personagens e intriga ficcionais mas que nos podem empolgar ou interessar ainda assim?
Gosto de ficção - mas há alguns anos que não leio. Por várias razões, não interessa, mas penso poder dizer que o cinema substitui fulgurantemente as minhas necessidades de sonho e evasão romântica. Nesta altura, gosto francamente de me concentrar noutro tipo de leituras. E isso é ler. Isso é também adquirir algo. Ou muito, até. Porque um bom livro é sobretudo algo que nos faz crescer. De nada adianta devorar "bons livros" se se continua igual por dentro, se nada se evolui, se se fica meramente pelo devaneio, pela coleção e debitar de livros lidos e pela ausência de abertura.
Lembra-me tudo isto agora uma conhecida há vários anos. Lia muito e continuava uma preconceituosa da quinta casa. Lia romances sem parar, e andou uma altura em que leu aqueles livros todos daqueles relatos das mulheres muçulmanas sob as garras de maridos possessivos e perturbados. Claro que existiram e existem e é importante denunciar essas (e outras) histórias de horror, mas ela esqueceu-se de ler coisas como  As Escadas do Levante (Amin Maalouf) falando em "bons romances", e de ver algo diferente por aquelas (ou outras) bandas. Mau é assumir o todo pela parte. E mau é ler muito e não discernir depois o certo do errado. Mau é achar que se lê sempre o bom. Mau é ler muito e não progredir. Mau é não evoluir. Com literatura, cinema ou sem.
Bom é ler quando com isso se vai crescer.

8 comentários:

  1. De que lhe vale um bom livro se é um mau leitor?
    :)

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  2. Completamente, jrd:) Detesto quando se exibem leituras como se se tratasse de números, ou até de cidades visitadas, tipo top. É que mesmo nas "viagens" (ou deveria escrever férias) há quem as faça e nada apreenda delas::))

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  3. Interessante perspectiva, ao arrepio do elogio incondicional da leitura. Há livros "bons" que são um desastre e um falhanço educacional... Prefiro "maus" livros. São mais meus.
    joao de miranda m.

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  4. Um bom livro, ou um bom filme, depende dos gostos e interesses de cada um. Talvez por isso raras vezes leia as opiniões dos críticos antes de ver um filme.
    Compro muitas vezes livros por impulso. Como aconteceu há uns dois anos quando entrei na Bertrand e fui atraído, por impulso, para a compra de um livro de um autor que desconhecia: "Comboio Nocturno para Lisboa" de Pascal Mercier.
    Adorei o livro mas, como quase sempre, não lhe fiz qq referência. Hoje anda nas bocas do mundo, porque virou filme rodado em Lisboa e interpretado por Jeremy Irons.
    Irei ver o filme, independentemente das criticas. Resumindo: um bom livro ( ou um bom filme) é simplesmente aquele de que gostamos. O resto é marketing e também contágio opinativo.
    PS: Estou de regresso a Lisboa e às visitas aos blogs amigos.

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  5. De acordo, mas se assim é não substitua a ficção. Inclua. Todos os bons livros têm lugar. Aliás,o grande livro dá-nos sempre completude, seja ensaio, ficção, poesia, biografia.

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  6. João: Ler por ler - tipo colecionar - não é sinónimo de abrir e humanizar:) Porque o vejo amiúde. E as "boas" escolhas são relativas...

    Carlos, bem vindo, e é uma honra que o AE esteja entre os blogues amigos. Pois o Rochedo e o Carlos são-no. Quanto ao resto, muito marketing ou apreciações demasiado canonizadas não fazem regra:)

    Pedro: Por agora é difícil. A ficção exige-me coisas que, de momento, não disponho:) Muito obrigada pela aefetiva visita:)

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  7. Um bom livro depende do estado de espírito. Pode ser um bom livro para aprender, para pensar, para sentir, para rir. Um bom livro é o que nos faz bem,naquele momento. Como uma boa refeição. Uma boa conversa. A boa conversa com um amigo de infância não é a boa conversa com um professor. Bom é sempre relativo, como tudo. Ler, é sempre bom. ;)

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  8. Eu digo: saber ler é sempre bom ;)

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