janeiro 13, 2012

Receita de homem

Modo de leitura:

1- Ler em português do Brasil – essencial porque o texto, a ter alguma graça, só terá se lido (em voz alta, de preferência) com o sotaque irmão

2- Saber que foi escrito para ocupar, impreterivelmente, apenas meia página de um jornal de escola

3- Associar as consoantes mudas presentes aqui à época pré acordo (goste-se ou não, estranhe-se ou não, entranhe-se ou não)

4- Ter em conta o atrevimento e, ok, admita-se, a insanidade da pessoa que escreveu

5- Não ter uma postura demasiado séria, não levar mesmo nada disto a sério, e ainda menos ver esta petite folie como uma afronta ao grande poeta brasileiro (é possível que aconteça, espera-se que não)

6 - Esquecer que há muitos outros textos com o mesmo título - este foi escrito na era pré blogosfera da autora


                    
Assim curtinho, curtinho, sem ter muito espaço, fica bem mais difícil escrever. Mas aí me lembrei do livro do Vinicius que a A. me emprestou faz tempo. E já que é natal mesmo, fica bem falar em receita. Não sou ligada na cozinha não, mas fiquei lembrando o poema onde esse brasileiro dá dicas sobre mulher perfeita. Ao princípio fiquei meio irritada lendo ele porque fala muito em beleza e em haute couture e como isso é fundamental. Depois ele vai percorrendo o corpo feminino e dizendo como deve e não deve ser, medidas e coisas parecidas, fala em perfume e mel, do género. Meu lado pró feminista não foi muito nessa toada não. Mas Vinicius, tou sabendo, foi realmente um apaixonado, um amante das mulheres e da beleza e da estética, de signo Libra, tudo dito, né. Daí que lendo com mais atenção a gente perceba que ele vê mulher como obra de arte mesmo. Há versos, há templos, há arquitectura, greco-romana, gótica… Ele vê mulher como força da natureza, também. Uma nuvem, um rio, uma doce relva… Aí fiquei achando, se eu tou certa na interpretação, que era bonito. Que o poema era, também ele, belo. Deve ser meu lado feminino voando, graça de ave, como ele diz, né.

Mas tem um problema. Minha parte fera, também como ele fala, me fez querer fazer o contrário. Fazer receita de homem. Verdade. Porque não? Se ele pode pra mulher, porque é que eu não posso pra homem? Então fiquei procurando maneira de escrever sobre homem, belo e perfeito com que toda a mulher sempre acaba por sonhar um pouquinho, também , né. Mas realmente venho confirmando que não tenho jeito para poesia não, jeitinho nenhum. Poema bonito e de qualidade sobre homem bonito e de qualidade(s), não tem jeito. Vou dizer o quê? Falar em medidas? Coisa mais sem graça, ficar desenhando gente. E tem mais. Não tem, não pode ter, receita. Na verdade, se ocê quer saber, não gosto de receita, ponto final. Não sei misturar direito os condimentos. Vivo esquecendo coisas. Homem ia sair esturricado de tanta desatenção ao pormenor. É isso aí. Não tou nem aí pra cozinhar o homem ideal. Que é que é isso mesmo, ideal? O melhor é saborear e dizer logo gosto ou não gosto. Tou aí ou não tou. Provavelmente, seria até bem mais fácil ficar dizendo o que não gosto, né. Mas os versos não iriam ser belos, concerteza que não. Então não só não sei versejar, que pobreza, como não sei fazer lista de qualidade(s) humana(s) envolta(s) em não só intelectual como sensual estética. Não sei. Que falta de jeito. Tou até sem jeito.

Agora me interrogo – será que homem que vem lendo esse apontamento, meio literário meio louco, gostaria de ter receita? Será que dava jeito pra ele? Acho que não. (Dava?) Não. Não mesmo, né? A de mulher do Vinicius tem uma certa graça, é engraçada, graciosa até, mas realmente, na prática, não me serve pra nada. Beleza é fundamental? É mesmo? O que é que é a beleza? O contrário de fealdade? E esta, o que é, exactamente? Tudo é tão relativo! Daí que, e verdadeiramente, eu não curta minimamente as indicações de um qualquer manual de estética. Pode até tar escrito artisticamente, pode, sim. Mas cheira a receita. E, tal como a que não queria formatar seu pé, vou dizendo directo. Receita, não, seu Vinicius, receita, não.


Recado (ESAP), dezembro 2005

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