maio 22, 2010

Do amor e variedades


N´”As Viagens na Minha Terra”, Almeida Garrett introduziu o verbo inglês “to flirt”, “ uma palavra que não há nem pode haver noutras línguas”, a propósito das aventuras e desventuras da sua personagem Carlos em terras britânicas. Chega a adaptá-lo para a língua portuguesa: “Eu flartava, nós flartávamos, elas flartavam” (capítulo XLIV).

De facto trata-se de um espantoso vocábulo. Poder conversar e seduzir ao mesmo tempo. Brincar, espicaçar, deixar pelo beicinho e, no outro dia, ignorar, esquecer, voar para outro local e voltar ao... mesmo. Trata-se, de alguma maneira, de romancear o que não é romance, potenciar a capacidade de sedução ao que se sabe capaz de resistir, em mais ou menos floreados verbais ou afins... Partindo do princípio que este flirt é só mental, pois a sua passagem ao carnal já nos levaria a entrar em outros domínios. Tratar-se ia de invocar os casanovas e os valmont deste mundo, numa abordagem a todas as ligações perigosas e mais alguma...

Mantenhamos a perspectiva discursiva, oral. Há pessoas que, claramente, gostam de flirtar. Fá-las sentir bem-dispostas, estimula a sua inteligência, permitindo-lhes conservar a liberdade que geralmente não conseguem dispensar. Podem até ser completamente fiéis ao amado, a um amado, fisicamente fiéis, mas há ali um prazer maroto, um jogo aparentemente mas quase sempre inofensivo, para além de uma lustradela ao ego de que não podem nem querem prescindir.

Por outro lado, a língua portuguesa contrapõe, com o verbo namorar. Um excelente professor inglês na universidade dizia que considerava esta palavra, também ela, única... Que os ingleses não a tinham, que só nós, os portugueses, para a termos, dizia, envolto em malícia inocente.

Namorar não será flirtar, é mais sério do que isso. O namoro implica um certo compromisso, uma certa dose de exclusividade que muitos gostam de cultivar e até de apregoar. Torna as coisas, o que quer que sejam, na verdade, oficiais... De repente, as pessoas tornam-se uma da outra. Terceiros estão a mais. As famílias fazem planos. Indica algum sucesso social. Prepara também, algum tipo de conhecimento do outro que pode levar (ou não) ao passo seguinte...

Mas namorar pode ser visto também como algo só absolutamente prazeirento, divertido e mesmo picante... Namorar às escondidas, por exemplo. Ou dar uma escapadela para namorar. O espírito exulta, algo atrevido, ao som destas expressões. O cinema, a literatura popular, a música, em muito têm contribuído para esta dimensão. A tela, sobretudo, tem feito sonhar os corações, fazendo-os bater mais depressa e lançando-os para inúmeras fantasias...

Recentemente o namorar tem vindo a adquirir contornos comerciais, também. Do kitsch dos peluches e dos cartões cor-de rosa, das flores às montras vermelhas por altura do S.Valentim, todos correm para lembrar o outro, não vá a cara-metade enfurecer-se por tamanho esquecimento. É vê-los de manhã bem cedo nas floristas ou a elas no dia anterior a comprarem pequenas lembranças supérfluas e de cores duvidosas...


Em jeito de conclusão, haverá certamente quem cultive o flirt e quem defenda o namoro. Ou quem, mais ousado e e criativo, consiga um espantoso equilíbrio entre os dois, divertindo-se (que mal haverá?) e amando (para valer?) ao mesmo tempo. De qualquer das formas, viva os afectos, as pessoas e, neste caso, o amor. Efectivamente.