outubro 29, 2011

A simples o que é de simples


Andava para escrever sobre isto há algum tempo. E há três dias atrás dei por mim a explicar o significado de Less is more ao meu CEF de Tratadores. Automaticamente, veio-me à ideia a vontade em abordar o conceito de simplicidade, essencialmente no que diz respeito à escrita. Havia lido um texto do AJS na Tabu sobre o tema e dei por mim a pensar nisso e a tentar, eu própria, dissertar sobre o que afinal significa ter um estilo simples.
Não gosto de ou me identifico com tudo o que AJS escreverá mas recordo vários textos dele precisamente por serem simples, provavelmente. Com isto quero eu dizer que a simplicidade é amiga da clareza e esta da compreensão e esta da memória. Mas estou eu a afirmar que AJS escreve de forma simples? Escreve - ele di-lo, aliás, e chega mesmo a dizer que sempre foi acusado precisamente disso, dos seus textos serem demasiado simples, toscos, quase primários na forma. Que chegam mesmo a duvidar que ele os reveja e faça correções, como se a simplicidade não fosse ela, também, árdua de conseguir.
Mas estas voltas servem o meu propósito: dizer que também eu aprecio a simplicidade na escrita. Registo muito mais a mensagem do que quando leio textos demasiado elaborados,  densos, herméticos, intelectualóides, porque, muitas mas  muitas vezes, tal emaranhado nos leva a uma maior dispersão. Relembro agora mesmo alguns nomes cujos textos são habitualmente complexos, não me cativando e criando desnecessários obstáculos à retenção da informação ou captação da mensagem para uma desejável posteridade. Quantas vezes não lemos nós textos dos quais nos ficou muito pouco algum tempo depois? (Estou, nalguns casos, obviamente, a ser simpática.)
Nesta altura, poderá dizer-se que assim acontece por défice cognitivo. Mas a simplicidade, de quem a aprecia e sobretudo a de quem escreve, não é um reflexo de uma inteligência menor. Apenas é um estilo que reflete, sim, uma capacidade, em princípio natural, a de ser mais eficazmente claro. Não é, portanto sinónimo, de pobreza. Pode ser (basta recordar textos de alunos com dificuldades) mas não é necessariamente. Sobretudo, e obviamente, em escritores de renome, jornalistas conceituados, bloguistas de qualidade e outros. Claro que aprecio uma escrita interessante e envolvente, um estilo criativo, mas realmente não obscuro, não indecifrável, não sinuoso, não confuso, não rebuscado, pois realmente não. E são muitos os textos simples absolutamente grandiosos. E como ficam na memória, como se eternizam até.
Pessoalmente, sou demasiado autista e distraída e mais uns outros defeitos em cima como ler pouco comparada com leitores, diria, profissionais, para ter um léxico erudito, culto e variadíssimo como desejaria. De qualquer forma, para lá das limitações e perceções de quem gosta de escrever, são afinal os leitores os grandes juízes em relação a como se escreve. Inevitavelmente - Is less more?

outubro 28, 2011

MyZen.blog


Gosto de tudo o que é ou diz chill out, lounge, moods, instrumental, new age, zen e afins. Com esta música, ou em espaços assim talhados, saio da rotina amalucada em que se vive quando se é mulher, mãe, profissional, amiga, esposa, conselheira, dona de casa, cozinheira, e ainda mais mais. Viajo e vou para bem longe. Como gosto de estar longe, quando os dias e as horas correm apressadamente, quando o tempo foge e vai, quando não sei nem me deixam parar, quando não compreendo a canseira e a luta, quando renego e odeio o cansaço, quando quero basicamente fugir.
Tenho, admito, grandes, enormes dificuldades em correr. E não estou a falar de jogging. Que não faço, de resto. Será disso? Não deixo, digo eu, de ser, vá, um bocadinho dinâmica, mas há cá um lado ocioso, queridos leitores, que me coloca sérios obstáculos à corrida vertiginosa das alturas mais violentas em termos de trabalho. Começar a correr às 7.30 com o miúdo - e sei que já vou cá com uma sorte - e continuar a correr na escola, almoçar com as colegas a correr, voltar a correr para a tarde, sair a correr, chegar a casa e correr mais um pouco,correr depois com os papéis, não, isso queria eu, I mean,  correr para os papéis, deitar-me um tudo ou nada fartinha de uma extenuante maratona em que não me inscrevi. Correr, na verdade, não me é natural.
Por outro lado, o conceito chill out passa também, e muito, por arrefecer depois de uma grande aventura, de uma noitada cheia de animação, de uma experiência carregada de adrenalina. O sabor será o mesmo, no fim de contas, mesmo que o prazer não o tenha sido antes. Uma pausa no ritmo, um momento tranquilo, uma incursão interior. Inner time...
Viaja-se, pois, ao som dos sons calmos, melodiosos, enigmáticos, orientais e interculturais, geográficos, espirituais, daquelas mesclas fabulosas que fazem da natureza e dos oceanos, dos pássaros e da chuva, dos sintetizadores e de instrumentos new wave, dos cânticos afro e ameríndios e dos monges europeus ou made in tibet. Viajo e sou feliz. Bocadinhos preciosos e precisos. Como este.


P.S.Ainda mais, claro, com o saxofone.
P.S.2 Sim, sei o que se passou com Oliver Shanti.
P.S.2.a. Não, não consigo deixar de gostar da sua música.

outubro 25, 2011

Os Mortos



Há uns anos leccionei uma obra de James Joyce, em inglês mas adaptada a miúdos, para a  leitura extensiva que se pedia no 9º ano. Foi escolha minha ( apoiada, felizmente, pela colega com quem trabalhei) por ter gostado tanto de a ler na universidade. No original, The Dead, uma short story que faz parte de Dubliners (Gente de Dublin), conta a história irlandesa de um casal assombrado pela morte dum antigo amor da mulher. Este chamava-se, porque não esqueço, Michael Furey e, doente,  passou uma noite à chuva, encharcado torrencialmente até de manhã, por amor a Grettta,  morrendo depois de uma pneumonia.

O marido, Gabriel, não é capaz de expressar o grande amor que tem pela esposa e sofre ao descobrir que ela ainda relembra o amante, muito tempo depois. Inseguro, interroga-se onde é que falhou. A questão de fundo subjacente à obra é saber se é preferível arriscar e poder morrer cedo, deixando marcas profundas, sobretudo e aqui no coração dos outros, ou levar uma vida longa, sem riscos nem paixões e sem, desta forma, deixar marcas da sua tranquila passagem pela terra. A frase no livro, em inglês, é ela própria inesquecível e emblemática. Better pass boldly into that other world, in the full glory of some passion, than fade and wither dismally with age.

Não é a primeira vez que relembro esta obra nos textos que escrevo. De facto, a discussão desta difícil escolha foi muito bem entendida e trabalhada pelos alunos (sim, eram excelentes) e foi por demais interessante ver como optavam por um caminho ou outro, justificando-se, e na impossibilidade de, idealmente, terem os dois: viver muito intensamente e/ou viver longamente. Uma espécie de live fast, die young? Ousar, obter o sabor máximo da vida, pagar um preço alto por isso e tornar-se depois imortal, espiritualmente? Ou preferíriamos o contrário? Nunca ousar, viver by the rule,  morrer de velho e desaparecer-se completamente com o corpo? Viver  e morrer em glória versus simplesmente existir.

O verso de Dylan Thomas "Do Not Go Gentle Into That Good  Night" transparece claramente aqui. A noite como metáfora da morte e a suavidade como sinónimo de brandos atos ou ações.  Relembrando os mortos da comunidade num jantar no Natal, numa Irlanda aqui coberta de uma simbólica neve, a personagem de Gabriel surge cultivada, racional, serena, aborrecida, "pequena". Michael Furey, ao invés, surge cheio de ímpeto, fogo, paixão. E, naturalmente, Gretta preferiu este último. Penso que a história é um retrato de muitas relações estáveis, apagadas, sem chama, mortas, se olharmos para o casal protagonista, e de como a alma feminina anseia por muito mais, um rasgo, uma ousadia, um ato de amor louco, que incendeie os seus devaneios românticos.

Fiquei fascinada pelo "livro", ao contrário do que um título assim poderia sugerir. Ainda por cima vi e continuo a ver o espantoso Gabriel Byrne, ele próprio irlandês, na figura da personagem homónima (mas que não protagonizou o filme de John Huston, curiosamente). Assim, The Dead para mim está vivo. Bem vivo, apesar de não ver ninguém na figura de Michael Furey. Mas também não teve ele a parte mais difícil? Ou será que não? Leitor, escolha o seu caminho. Ou não.

outubro 24, 2011

Eternity


Podia ser um anúncio a publicitar um calvin klein nos anos 50. Mas é uma cena que ficou para a posteridade graças a uma arte que não deixa morrer os seus intervenientes mais visíveis. São incontáveis, de resto, as imagens que compõem a galeria do cinema que povoa o imaginário coletivo e também o individual.

Esta é uma delas. Numa praia, o beijo entre Burt Lancaster, musculado e viril, e uma habitualmente recatada Deborah Kerr foi, na altura, quebra barreiras no caminho para o tratamento do amor físico, erótico e sexual no grande écrã. Hoje não nos surpreenderíamos com uma cena assim. Mas aquando do lançamento do filme, a história de amor entre Burt, um oficial do exército no Hawai, e a personagem casada de Kerr arrebatou muitas plateias, numa abordagem considerada picante para a época. No filme entra também um muito jovem Frank Sinatra, que ganhou o oscar para ator secundário, e o sempre atormentado e sensível Montgomery Clift.

A ideia do beijo das personagens, deitados dentro de água, que era para ser em pé, parece que partiu do ator principal e a sensualidade tradicionalmente escondida da atriz principal parece que foi despoletada pela relação que extrapolaram para a vida real. Por isso tudo e pelo sucesso que o filme viria a alcançar, a praia de Halona Cove tornou-se parte da rota turística durante muitos anos. Ao que li, a cena foi considerada tão erótica que foram banidas fotos pela Motion Picture Association of America e porque os projecionistas ficavam com bocados da fita como souvenirs algumas versões foram encurtadas.

E, de repente, lembrei-me do padre censor em Cinema Paradiso. Numa cena perfeitamente banal para as plateias de hoje, ele estaria lá a dizer corta e o Toto vê-la-ia, concerteza, já na maturidade, nos beijos cortados do momento final do filme italiano. Porque esta sensual imagem perdurou  "até à eternidade" e de que maneira.  Na minha memória,  absolutamente confirmo. Na sua?

outubro 22, 2011

Outono árabe

Os efeitos da primavera prolongam-se.


 
1.As imagens de Khadafi/Gaddafi a ser capturado e praticamente chacinado não são agradáveis de ver. Chocam e perturbam, mesmo sendo quem foi e o que fez. De qualquer forma, temos nós uma distância física e emocional que nos permite discernir entre o certo e o errado, entre o moralmente correto e o princípio da imoralidade. Desta forma, este tipo de atos, mesmo contra ditadores, surgem a nossos olhos como violentos, irracionais, inaceitáveis. Por outro lado, poderão ser e serão vistos como compreensíveis se pensarmos na destruição, na revolta e no caos físico e emocional do país e dos que travam esta batalha há vários meses. E nas vítimas de 42 anos de medieval terrorismo. Para lá das tentativas de definir e descrever os rebeldes e do rumo que a Líbia possa tomar, a realidade é que no terreno e a quente as emoções estarão ao rubro e atos impulsivos e desprovidos de legalidade serão, invariavelmente, o seu resultado. Outra verdade é que o coronel se pôs, definitivamente, a jeito. As atitudes e as palavras dúbias e tresloucadas, assim como o não querer deixar o poder quando lhe foi claramente mostrado que seria difícil senão impossível mantê-lo, não fizeram mais do que cavar o seu fim e desta maneira. Pois não se colhe, quase sempre, o que se semeia?

2.A Tunísia vai a votos amanhã, dia 23. Os cidadãos que vivem no estrangeiro já estão a votar nas embaixadas. Ao invés dos anos anteriores, são eles que têm de se deslocar às capitais dos países onde residem para deixar a sua participação no ato eleitoral deste ano, histórico, sobretudo pela maneira como foi feita a sua revolução. Foi também a primeira no mundo árabe, o rastilho, e o melhor dos exemplos até aqui.
Parece que o candidato islamita segue na frente das sondagens. O mundo ou grande parte dele tem os olhos postos nesta eleição. Ela poderá servir de modelo para as outras que ocorrerão ou poderão vir a ocorrer, sobretudo nesta região geográfica e e humana. O mundo a ocidente estará expetante e temerá provavelmente a vitória do candidato islamita. Mas se olharmos para a Turquia temos um presidente dum partido semelhante a comandar o país. E a Turquia tem vindo a evoluir em muitos campos, nomeadamente o económico. Erdogan, pela postura e pela influência que já tem, é sem dúvida um líder equilibrado (chamou o coronel líbio à razão e fez o mesmo em relação ao presidente sírio) que tem mantido os acordos tradicionais com o ocidente. Não que tenham todos que o fazer obrigatoriamente. Não que o ocidente seja o paradigma da perfeição e do equílibrio (ainda mais nos dias de hoje, sabemos bem porquê). Mas porque acredito que a maioria de nós espera uma mudança de liberdade para o povo tunisino, neste caso. Com todos os defeitos da democracia, mas também com todas as suas grandes vantagens. E esperando a prova de que é sempre e sempre possível mudar.

outubro 21, 2011

Do lado de dentro


Promo

                   Nunca tinha estado na RTP. Fui em serviço, com 25 alunos, e pude ver como se faz um programa de talentos. A espera, os takes, o público e como se programa os seus entusiasmos e aplausos, a adrenalina da equipa de produção, o profissionalismo concentrado da apresentadora, a descontração e humour do júri, os nervos dos concorrentes, os constantes retoques na maquilhagem, o cenário do estúdio e de como tudo nos surge maior, mais brilhante e mais natural depois no pequeno écrã.
                 Não tenho muita paciência para coisas ensaiadas. Gosto pouco de repetir as coisas e já estava saturada com tanta encenação. O cansaço da interminável viagem num autocarro escolar a precisar de reforma não ajudara. Mas ao mesmo tempo não consegui evitar uma sensação de entusiasmo por ver tão perto figuras conhecidas e apreciadas da nossa televisão e da música portuguesa. O lado adolescente não terá sido erradicado com os anos. Péssimo, poderá dizer-se. Mas curiosamente ele pode levar-nos a ser mais felizes, ainda que com coisas leves, possivelmente tontas e superficiais para alguns.
                No final o contato com as celebridades que temos, os sorrisos simpáticos, as palavras agradáveis, as fotos para a posteridade. Não dou valor aos autógrafos e, portanto, não os pedi. Mas chegar à fala e ser-se bem acolhido por figuras desta nossa praça tornou a jornada bem mais reconfortante. Ainda que por breves instantes, estes foram flashes (pois não é de luzes, palco e camaras de que falamos?) que nos animam e nos fazem ver as coisas (neste caso um programa televisivo) sob uma outra perspetiva. A de dentro.

outubro 17, 2011

Do lado de fora

A indignação não me está a passar ao lado. Apenas não a comento porque há blogues onde isso é feito de maneira muito melhor, porque de uma certa forma todos estão a comentá-la por estes dias, porque não é caraterística minha comentar a atualidade aqui (embora possa haver exceções), porque tanto haveria para dizer e não estou com tempo, porque não me apetece, porque não.
E, no entanto, não acho nada digno ver a recompensa do meu e nosso trabalho ser decapitada e o meu e nosso quotidiano ser decepado abruptamente. Violenta linguagem para violentas medidas.

Na verdade,  gosto que venham à minha casa para terem um pouco de conforto (e às vezes desconforto, hélas e quiçá) ao nível da alma essencialmente, que possam incorrer em viagens ao interior de nós próprios, que percorram os mundos dos afetos e também dos factos, é certo, mas mais dos primeiros, provavelmente.

Portanto, neste momento, esta porta está fechada à crise e à austeridade. Nada de finança, nada de banca, nada de economia. Não por alheamento, não por ignorância, não por irrealismo, não por superficialidade. Apenas porque apetece-me escrever sobre outras coisas nestes e nos outros dias. Mas, e diga-se em abono da verdade, quem me conhece sabe da minha imprevisibilidade. Amanhã poderá ser diferente...

outubro 15, 2011

Momento


A entrevista de Lobo Antunes foi um momento de serena e inspiradora pausa no meio do alucinante (des)informativo e estupidificante lúdico que grassa, de modo geral, nas televisões generalistas. E foi  porque nos leva a ouvir, a interiorizar, a refletir, a ir mais além. Porque significa escutar, beber as palavras, aprender, evoluir. Não é um homem que nos faça rir ou nos entretenha, ao invés é de uma honestidade brutal, as partilhas vêm do profundo âmago, sem piadas, sem mentiras, mesmo sem certezas.  Espanta-se ele com as certezas que tantos exibem facilmente, reconhecendo rapidamente as mentiras por detrás das aparentes seguranças. Não há verdade. E, desta forma, políticos iludem e depois desiludem, a cultura, porque expressão das verdades, não tem nem pode ter lugar, o país afunda-se na mediocridade e na deceção.
Que momento de introspetivo (re)conhecimento nos deu. Como a escrita e a reflexão nos podem dar sábios de exceção, como a tolerância e a visão nos dão a conhecer humanistas de primeira. Haverá quem não tenha visto não por opção mas também quem o terá feito, mudado de canal para programas mais vorazes, que não obriguem a parar e pensar. Pois a crise também é n/do espírito. Há uma demissão generalizada em relação ao pensamento, ao silêncio, ao confronto interior, ao (auto) conhecimento, ao estímulo inteletual. Os prazeres sensoriais, materiais sobrepõem-se, de forma avassaladora, aos espirituais.
Precisa-se, exige-se mais momentos como este nas televisões mainstream, nos media em geral, na escola, na sociedade. Sob pena de não sabermos construir, criar, intervir, crescer. A cultura é fundamental para o desenvolvimento da humanidade, das sociedades. A cultura dos livros e das ideias, e também a cultura do amor e dos afetos, a cultura do conhecimento e da arte, a cultura da reflexão e mesmo do silêncio. Revigora-nos, fortalece-nos, enriquece-nos, abre os nossos horizontes, alimenta os nossos sonhos, promove momentos felizes. Como o de ontem, na RTP1.

outubro 12, 2011

China Girl

A canção do David Bowie nos fantásticos idos anos 80 adivinhava uma estrela oriental de primeiro plano. Lembro-me de a ter conhecido na RTP2, no tempo em que passavam belos filmes "estrangeiros" (leia-se não em inglês) e quando, também eu, tinha mais tempo. Ora, isto já foi há...algum tempo. Muito tempo. (?) O filme foi o Ju Dou, do aclamado Zhang Yimou. Interpretava ela uma mulher casada com um velho que tinha um sobrinho que a Ju Dou do filme haveria de amar. O cenário era uma tinturaria cheia de intensidade cromática que não mais esqueci, emblemática, de certa forma, do exotismo a oriente, do inebriar dos sentidos pelo qual é lendário. O filme é trágico e Gong Li eternizava-se como super estrela. Belíssima, exótica, um grande número de filmes marcantes viriam, festivais de cinema por todo o mundo renderam-se-lhe, premiaram-na e prestam-lhe homenagem.
Mais velha, revi-a não há muito tempo em Miami Vice, no remake da famosa série do nosso mais que apreciado detetive Sonny Crocket. Ao lado de Colin Farrel conseguiu ainda exibir uma enorme sedução, eu pelo menos fixei o par como dos que mais resultaram no écrã nos últimos tempos. Sim, não tenho ido ao cinema. Mas costumo achar que os filmes são eternos e não têm idade. Tal como toda a arte, de resto.  A minha noção de tempo, mais uma vez... Há quem vá dizer que isto foi há séculos. Mas o que queria mesmo  dizer é que a atriz de Adeus Minha Concubina é de uma beleza e magnetismo sem fim. E, ao mesmo tempo, como ela emite ondas de sensibilidade. Sensual e zen, ela é uma estrela à mais que inevitável escala global dos tempos modernos. Sou fã.

outubro 11, 2011

Puro abrigo


Vou só escrever um pouquinho sobre as pessoas puras. O facto da sua ausência total de malícia nos fazer sentir confortáveis, protegidos, serenos. E desta forma gostarmos sobremaneira de estar com elas.
Claro que há tipos de malícia que podem, por vezes, ser estimulantes, espicaçam-nos, fazem-nos dar uma resposta - por vezes também ela maliciosa, indo ao encontro da malandreca provocação. Mas o problema é que tal estímulo pode ser, ele também, cansativo, irritante se sempre constante. Para se conseguir estar fora da zona de conforto emocional é preciso estar-se forte,  fisica e psicologicamente. Ao invés, com as pessoas desprovidas de segundos sentidos e de jogos verbais, sentimo-nos abrigados mesmo em momentos mais desabrigados.
Lembro-me agora e de repente de algumas pessoas assim, sem intenções ocultas por detrás das palavras que soltam, das observações que fazem. As suas conversas são límpidas, cristalinas, saudáveis. Podem não nos arrancar  gargalhadas nem qualquer tipo de emoção mais forte mas é precisamente por isso que muitas vezes são tranquilizantes. Quem não precisa de uma tratamento spa de  vez em quando? Quem aguenta viver em constante ritmo de montanha russa? Quem não se revitaliza com silêncios cúmplices ou ausências de perturbantes brincadeiras por momentos?
As pessoas puras são cruciais sobretudo nos dias que compõem os nossos invernos interiores. Elas trazem um fiozinho de sol que aquece o desabrigo causado pelas palavras más, pelas palavras dúbias, pelas palavras que nos gelam. E, por isso, lembrei-me delas e escrevi para elas. Para que elas conservem a pureza do seu coração e a segurança que nos trazem aos afetos que sobrevivem ao alucinado torpor do quotidiano.

outubro 10, 2011

And now for something completely different

As nuvens carregadas não combinam com as altas temperaturas não outonais que temos nestes dias. Digamos que elas terão mais a ver com o mood resultante do atolanço em burocrática e administrativa papelada e reuniões e horas não letivas ditadas pelo ME que nos vão estafando como se não tivesse havido pausa de verão. Digam lá se não tenho razão. Vocês, os que sabem do que falo.
O banco está à espera de alguém com uma folguinha para se sentar. Não devemos ser nós certamente . Mas prometo que a seguir volto a postar uma coisa bem mais animada. Afinal, sempre não chove...

outubro 08, 2011

A Vez e a Voz das Mulheres


Imensamente satisfeita com o tripartido Nobel da Paz deste ano. Sobretudo pela iemenita. De véu e de preto, pega no megafone e desfila pelas ruas a pedir liberdades num país cujo regime as vai negando. A primavera árabe teria invariavelmente de ser premiada. E vai daí que me lembrei de uma mulher que conheci há um ano atrás na Tunísia.
Estivemos à conversa sentadas cá fora, ao pé da pequena mercearia da aldeia, a tentar apanhar algum fresco dum pouco frequente vento que corria. Professora primária, de cabelo curto, sindicalista e ativista, de certa forma, dos direitos das mulheres num país ainda na altura sob a alçada de Ben Ali. Diga-se que, curiosamente ou não, o antigo regime apregoava e praticava a liberdade social no que dizia respeito às mulheres. A primeira-dama, odiada pela oligarquia e corrupção da família Trabelsi, dava, no entanto, exemplos de modernidade no campo social. Era-se livre para não usar véu (mais o lenço, na verdade), era-se livre para estudar, para trabalhar, entre outros aspetos menos e outros mais importantes.
Esta mulher que conheci  falava-me da recente tendência das jovens tunisinas em quererem usar o lenço, por um lado como forma de desafiar o regime que reprimia subtilmente  a liberdade religiosa dos muçulmanos, e por outro como objeto de moda. Estava assim na moda afirmar o lenço como acessório fashion e ao mesmo tempo como marca de identidade cultural. Dizia-me a professora, que nunca o usaria, e que não compreendia, desta e de uma certa forma,  as jovens que o faziam, quando eram livres, como até ali, para não o usarem.
E ali ficámos a trocar impressões e ideias sobre a vida das mulheres e dos professores em ambos os países. Também lá a classe docente vinha a sofrer dos mesmos males que a nossa. Alunos cada vez menos motivados e mais indisciplinados, destratamento dos professores por medidas políticas cada vez mais globalizadas, burocráticas e económicas, desrespeito social por uma classe de educadores que já viu melhores dias. E eu a adorar esta conversa, a frontalidade e a força desta senhora, a espantosa liberdade que ostentava e de que, claramente, se orgulhava.
Porque há um ideia errada, erradíssima que as mulheres árabes ou são todas oprimidas ou todas submissas. Nem uma coisa nem outra. Há caminhos a percorrer, nos regimes e mentalidades dos seus sistemas políticos ou sociais, mas há muitas que têm uma voz. E dei por mim a pensar que aqui no "ocidente" onde as mulheres conduzem, têm emprego, votam, divorciam-se, e muito mais, tenho encontrados muitas que não têm, contudo, uma voz. Ou seja, apesar das liberdades todas, elas não são livres dentro de si. São modernas mas não são livres. Cumprem, criam em determinadas áreas até mas não intervêem. Não se ouve nem se conhece a sua "voz". Ou estarei redondamente enganada?

Mrs Soffel


"Just a little violet from across the way
Came to cheer a prisoner  in his cell one day.
Just a little  flower sent by a loving hand,
As a kindly meaning that true hearts  understand.
God has smiled upon it and the sender  fair,
And soon that little token, wrapped in hand neat,
Rests quietly in the  grave,
For which a heart that's true does beat."

O filme retrata um história verdadeira. Este poema foi escrito por Ed Biddle para a esposa do diretor da prisão onde cumpria pena, e com quem viveu uma intensa e trágica paixão. No écrã, a voz de Mel Gibson, ainda muito jovem, torna ainda mais eternas as palavras dirigidas à personagem de Diane Keaton - a Mrs Soffel do título do texto. A música de Mark Isham é bela, melancólica, comovente, singular... Escutá-la aqui pode ser também um forte convite a (re)ver este belíssimo, belíssimo filme. Para os românticos, indubitavelmente, mas talvez não só.
Poster de «O Fogo da Paixão»
Em português,  Mrs Soffel - O Fogo da Paixão

outubro 05, 2011

Amar Um Desconhecido




Love with the Proper Stranger, no original, com Natalie Wood e Steve McQueen
  
É possível amar um desconhecido?
Amor à primeira vista, coup de foudre, química absoluta ao primeiro encontro. É. Claro.

            No entanto, não se pretende aqui falar do amor. Apenas da relação ou contato que se pode estabelecer com desconhecidos, de alguém que apenas conhecemos de passagem, como numa estação de comboios, numa ocasião qualquer em que começamos um diálogo que ficará porventura inacabado, no caso de nunca mais virmos a encontrar tais indivíduos. Mas que valeu por aqueles momentos, porque nos mostrámos como somos, sem jogos nem calculismo de ambas as partes, e nos aceitaram e nos ouviram. Sem condicionalismos de qualquer espécie.
            A minha teoria é de que somos bem mais autênticos com quem não nos conhece. E que o julgamento que farão de nós será mais justo porque imparcial, porque desprovido de conhecimento e laços afetivos que em muito podem tolher a verdade e não levar a sério aquilo que se diz. Quantas vezes os "amigalhaços", colegas e mesmo familiares não nos escutam e até brincam com aquilo que dizemos ou sentimos? Porque às vezes há uma necessidade (?) quase estúpida de ter de se ser engraçado o tempo todo e, desta forma, não é possível ter conversas sérias e profundas. Têm-nos como garantidos, de uma forma peculiar, estranha, e não nos reconhecem muitas ânsias, receios, talentos e outros. E assim não nos mostramos como somos, eles e nós.
          Gosto de desconhecidos, no geral e ao mesmo tempo em situações particulares. E isto pode passar por falar e desabafar com um médico que nunca me viu, por falar com alguém num aeroporto (no aeroporto de Casablanca tive uma das minhas melhores conversas de sempre com um casal que seguia para Paris), por fazer acções de formação, por exemplo, em que não conheço absolutamente ninguém. Posso, nestas, estar muito mais à vontade para participar, sem que alguém se melindre ou não leve a minha parte profissional a sério e sobretudo porque as pessoas estarão concentradas na minha prestação e não nas relações que tenho com elas (não as há, e se são feitas a partir do zero). Não há expetativas, fasquia, sentimentos envolvidos, nada. Avaliação mais justa, mais imparcial, mais verdadeira.
          As pessoas desconhecidas com quem estabelemos contato podem, também e curiosamente, deixar-nos marcas profundas. Algo que se disse, que se partilhou, um gesto, um sorriso, uma atenção que não foi pedida nem podia ser cobrada, e ainda por vezes uma vaga e singular tristeza por não as voltarmos a ver. Uma espécie de saudade de quem não chegámos a conhecer verdadeiramente nem por muito tempo, estranha, estranha saudade. Porque podem ter ajudado a decidir algo, a enveredar por um novo caminho. Podem, pois, alterar o rumo da nossa vida, às vezes muito mais do que quem está perto.
          Porque os que estão perto aprisionam-nos muitas vezes, ao invés de nos libertarem. Estamos presos pelo sentimento, pela relação afetiva que existe, pelo compromisso estabelecido, pela relação de poder. E podendo e devendo ser muito bom, pode e não deve ser nefasto. Ou seja, deixem-nos ser quem somos e não nos controlem muito nem dirijam o nosso pensamento. Aconselhar quando é solicitado, ajudar idem aspas, mas deixar-nos voar se nos apetece, pensar com cabeça própria, ser independentes na nossa conduta. Ser mais livres...apesar dos afetos que nos preenchem e de que absolutamente necessitamos.
         Quanto aos desconhecidos que vamos encontrando por aí, nas encruzilhadas da geografia ou da vida, sem afetos construídos à partida mas autenticidade natural, eles têm a sua função na nossa existência. Alguns passarão eventualmente depois a conhecidos, a amigos, a amantes, como o título do texto sugere. Aí começarão os afetos. E também as cobranças... e a nossa concessão para agradar, para não magoar, para sermos amados, para não defraudar as expetativas.  Terá chegado então, sem margem para dúvidas, a altura para dizer "Mata-me de amor, (mas) dá-me liberdade"...