dezembro 31, 2012

De novo


Merry xmas and Happy New Year - gold stars no94387
Desejo a todos os leitores ou curiosos que por aqui passam um bom ano novo.
Queria escrever um post em condições, mais longo e talvez em jeito de balanço mas efetivamente tenho pouco jeito para fazer balanços e não tenho inspiração - nem tempo - para mais hoje (não quer dizer que tenha muito mais nos outros dias).
Que resta dizer, então? Que as estrelas possam abrigar-nos e que não falte luz aos nossos dias. Daquela que vem de dentro, é melhor explicar. Sorte e força, se não for pedir muito.
E amanhã falamos. Ou no próximo ano, pois é.
Afetos,
Fátima

dezembro 29, 2012

Epopeia infantojuvenil


Lançamento da obra infanto-juvenil ''A vida a rimar''


Hoje tive a honra, porque me foi totalmente inédito e me enriqueceu bastante, de apresentar em Coimbra o primeiro livro de um querido amigo. Conheci-o vai para dois anos, via FB, através de uma amiga comum. Para os detratores do Facebook, esta é uma amostra do que de bom também pode e deve ter. Há uma semana atrás, o meu amigo, pseudónimo Mino, nome pelo qual também é chamado, lançava-me o repto - estar na mesa com ele e a responsável pela editora para falar do seu "filho", abordando a sua temática e lendo passagens do mesmo. Estou tão atarefada, pensei. Vem aí o natal, recebo em casa, tenho uma peça de teatro para levar a concurso para as Escolíadas para terminar, o pequeno quer atenção e prometi dar umas arrumações a coisas em lista de espera. Mas acedi, porque me sensibilizou o convite e sei - imagino - como é importante o lançamento de um livro, de um primeiro livro.
De que consta este, afinal? Trata-se de uma abordagem ao estilo camoniano da epopeia lusitana, dez histórias que são uma viagem pela infância e primeira adolescência, com a nona a ser chamada, simbolicamente ou não, propositadamente ou não, Nove ilhas dos amores. As histórias são em verso, e a leitura a rimar é uma leitura a brincar, ainda que com narrativas impregnadas de mensagens e valores que importa cultivar. Desde os romances e desilusões amorosas de quem é pequeno, passando pelas pequenas queixas e aparentes infelicidades de quem tudo tem, contrastando depois com meninos que nada têm, até à desertificação das aldeias e abandono das velhas profissões do interior, numa história contada pelo "filho da montanha", temos nesta obra um desfile de crianças que vivem emoções e aventuras tiradas diretamente do real, do quotidiano de todas elas e de todos nós que também já o fomos.
Pessoalmente, foi um prazer que o Mino me proporcionou, a leitura expressiva (esperançosamente) de passagens das histórias que considerei mais significativas, numa obra de estreia excelentemente escrita e ilustrada com desenhos da sobrinha do autor, com dez anos. O meu pequeno, a traquinar desde o almoço, esteve caladinho na assistência, concentrado no que ouvia. É essa a magia real das histórias, destas histórias - as crianças podem ser cada um de nós, no presente ou no passado, e cantá-las, contá-las a rimar, um dos seus maiores tr(i)unfos.
Parabéns, Cris, e continua. Estou pronta para outra.

dezembro 28, 2012

Loucos por compras



Geralmente, não apanho grandes confusões nas compras natalícias. Faço grande parte das minhas compras numa lojinha em particular, fora do centro de Aveiro, e depois, para as crianças, nas lojas de brinquedos em centros ou complexos comerciais também fora do centro da cidade. Não escapo totalmente ao trânsito mas consigo evitar as enchentes nas lojas, que é, na verdade, aquilo que mais me incomoda. Pois quando vejo filas para pagar e filas para os embrulhos e filas para estacionar nos parques subterrâneos entro logo num desespero que me faz odiar compras e lojas e montras e amaldiçoar esta época. 
Hoje, convencida de que tudo estaria mais tranquilo, saí para procurar uma peça específica de roupa para uma ocasião também específica já no sábado. Puro engano. Comecei a ver muitos carros na estrada e filas nos semáforos e começou a dar-me um calor. Tipo apetece-me voltar para casa e para a tranquilidade da minha zona. Mas continuei porque estava apertada de tempo. Quando cheguei ao centro comercial do centro da cidade, por entre filas e mais esperas, não havia lugar no parque de estacionamento. Comecei logo a questionar o que fazia toda a gente na rua. Afinal eu também estava mas eu estou de férias, caramba. As escolas fecharam. E os outros? O que faz esta gente toda que parece estar igualmente toda de férias? São todos professores? Adiante.
Enquanto cogitava nisto e desejava que não precisasse da tal peça, dava voltas ao parque, voltas e voltas, e lá vi então que se descesse ao piso -2 (que nunca recordo porque 99% das vezes não preciso de usar) poderia arranjar lugar. E assim foi, lá havia ainda uns lugarzitos. Subo as escadas rolantes e eis-me no Forum. Meu deus, que é isto, tanta gente, a meio da tarde, e todos com sacos na mão. Então o natal ainda não foi? Uma azáfama incrível, até me iam dando tonturas. Entrei numa loja conhecida, estava caótica e ainda não tinham começado os saldos. Mas estava tudo tão remexido e era tanta a confusão que dir-se-ia que sim. Experimentei umas peças e no fim escolhi uma. Estava um calor desgraçado. Não entendo como têm as lojas as temperaturas que têm, completamente desfasadas das temperaturas exteriores e das roupas que por causa delas vestimos. Quando me preparava para pagar olhei para a caixa e vi um número assaz assustador de pessoas. Assustada, pois, deixei a peça pendurada e, sim, vim-me embora. Saí porque não tenho espírito para a coisa. E lá ia pensando que muito se fala de crise mas que as lojas estavam cheias como se das vésperas de natal se tratasse. É bem verdade que fora dos centros comerciais o comércio morreu nesta cidade (e acredito que em muitas) mas também não é mentira que as mecas do consumismo continuam bem alimentadas, especialmente as lojas de marca e de roupas de marca. Lá praguejei interiormente contra isto e aquilo relacionado com o ato de comprar.
De volta para casa, parei num pequeno hipermercado - quer dizer, esta cadeia tem hipers bem grandes mas este é só um mini - à procura de uma caixinha de chocolates para dar a um miúdo com quem o meu pequeno iria brincar no dia seguinte. As prateleiras onde tinham estado estavam completamente modificadas - só se viam garrafas de cerveja, de marcas diferentes. Perguntei à funcionária onde estavam os chocolates. Ai, já não está nada nas prateleiras, agora é para a passagem de ano. Devem estar aí nuns carros. Encontrei os carros mas não havia nada direcionado para crianças. Tinham recolhido tudo, pois a passagem de ano não pode esperar. Quando vos fiz pensar que gosto do natal, é dentro de portas, tá? A consoada, a mesa, o convívio, a alegria dos pequenos, o prazer de dar, o espírito familiar, as luzinhas das árvores a piscarem e a magia adjacente à quadra. Porque fora de portas, meus amigos, é um desatino. O comércio e o marketing e as enchentes são mesmo de chorar ... por menos. 


(Se é homem e conseguiu ler até ao fim dou-lhe os meus parabéns. Tinha de dizer isto.)

dezembro 26, 2012

Look versus funcionalidade

O look anterior era bem mais do meu agrado. Mas alguns leitores queixaram-se de que já não conseguiam partilhar os textos, nomeadamente no FB, e vai daí que tive de voltar a um modelo mais funcional. Mas que pode ainda não ser o definitivo - de longe, aliás. De vez em quando gosto de mudar e aquela ideia de se ter uma imagem de marca duradoura e perene não encontrará eco aqui. Pode ser precisamente o contrário: a marca reside na mudança, até porque só falamos de estética ou aspeto gráfico. O conteúdo e eu somos os mesmos - quer dizer, também são diversos, e imprevisíveis por vezes, mas entendem o que digo. Entendem, não entendem?

dezembro 24, 2012

Um natal com morangos – a pequena grande história que atravessou os céus



                        

“Houve um bom Natal na minha vida. Um bom Natal inesquecível. Um Bom Natal em que este metro e oitenta e quatro de português, que redige um português inútil, inútil português de metro e oitenta e quatro presumiu ser útil escrevendo num português inçado de erros, coxo, desmantelado - mas feliz. Foi assim: pelas onze e meia da noite de um 24 de Dezembro eu estava na redacção do jornal onde trabalhava. Veio um telegrama de Londres que dizia mais ou menos isto: "Um menino que está a morrer pediu à mãe morangos. Não há morangos em Inglaterra, por esta época do ano. A mãe foi à BBC e a BBC fez um apelo. Um avião em voo escutou-o. Transmitiram o apelo a todos os aviões do mundo. E alguns aviões do mundo atrasaram as suas partidas, transferiram de bojo para bojo um cesto de morangos que fora adquirido na Cidade do México. Os morangos chegaram a Londres." Não havia mais no telegrama; mas era uma grande história de Natal e de amor, numa suave noite de Natal, em que seria radioso relembrar às pessoas que, por vezes, as pessoas conseguem coisas formidáveis.” 
(BAPTISTA-BASTOS in “Cidade Diária”)

É este texto o que mais relembro, automaticamente, sempre que se fala em natal. Não sei porquê mas é este. É simples e ficou-me na memória para sempre, desde que lhe pus a vista em cima, há muito tempo, não sei bem quando. Mas pensando bem, talvez saiba porquê. É um texto simples, repito, com uma história universal. Ou melhor, que apela a uma certa universalidade pelo teor solidário à escala global em que a história consiste. Tantos contos, histórias e cânticos de natal que nos ocorrem, recheados de magia e fantasia, abrigados noutras épocas e que nos fazem sonhar, que povoam o nosso imaginário coletivo sempre que entramos na estação das boas festas. Poderiam agora mesmo evocar-se vários, pontuados pela neve, pela natividade, pela mesa, pela infância, por personagens e por mensagens que apelam ao espírito natalício. E, no entanto, neste texto não há nada disso e nada nele nos faz sonhar com cenários ao estilo de Last Chrismas, o icónico vídeo que marcou uma geração. Também não nos faz visitar a época dickensiana nem o exotismo das terras de Belém. E, no entanto, é o texto que não mais esqueci. Porque de tempos modernos falava, porque de um desejo simples falava, porque de um mundo simples falava, aquele onde se entreviam grandes gestos que atravessavam os céus. É uma história de amor, de uma mãe para com o seu filho, e de um mundo para com uma mãe e um menino a quem não podíamos recusar este pedido. E é tal universalidade que me comoveu, a que une nações e credos, raças e costumes, línguas e terras, em prol de um amor comum, universal, acima de todos os outros. Uma espécie de natividade revisitada, se pensarmos no amor por um menino deitado. Um natal espalhado e partilhado por causa de um menino deitado.
São o tipo de histórias que me trazem lágrimas, não de tristeza, mas de alegria. Alegria pelas coisas extraordinárias que os homens e as mulheres conseguem fazer. Através e para lá das fronteiras. Não há natal melhor do que aquele que aproxima as pessoas, inclusive as que estão longe. E não há melhor espírito natalício do que a congregação por um ideal máximo– o de fazer alguém, especialmente uma criança, feliz. Em vida.

Boas festas, pois.


também no bahia mulher

dezembro 23, 2012

Shorty post






Days were short and still getting shorter. There was shortage of sunlight and there was shortage of warmth. She was short of money, short of patience, short of love...  And one could say she was short of merriness, as she was short of the affection she once had and lost. The kind she mostly needed now. Short of light, as days went by... and yet not entirely short of hope. And not exactly short of time. For days will be long again and, longing for them, longer will her love last... In short, let short days be. For the moment. For shortly after, short will become big.

Singing in the rain


Este ano pude usufruir de uma inédita experiência natalícia. Nunca fiz voluntariado e admiro quem o faz. Também não sou lesta a participar em causas sociais ou humanitárias, em géneros ou dinheiro, por distração, esquecimento, dificuldades em cumprir prazos desta natureza, enfim, não há desculpa mas é assim, e de qualquer forma tenho ajudado de forma mais direta, identificada, quando as pessoas em questão notoriamente mo pedem e/ou vejo que é essencial essa ajuda. 
Mas eu falava de uma experiência de natal nova para mim. Na minha escola, é costume, no último dia de aulas, um grupinho de professores e alunos juntar-se e cantar canções de natal em instituições ou centros que albergam lares e jardins de infância. Este ano, juntei-me a eles na parte da tarde do dia 14 de dezembro. Chovia copiosamente. 
Tenho a mania de dizer que não sou de cantorias e destas coisas de grupo (os horários de grupo e o que implicam maçam-me...) mas a verdade é que dei por mim a cantar melodias de natal para idosos e para crianças da pré-escola. E dei por mim a fazê-lo com muita alegria. Doía-me inclusivamente a garganta - lariginte diagnosticada no dia seguinte - mas nem por isso poupei as cordas vocais, pelo contrário.
A visão dos idosos, sós e adoentados, ávidos de companhia e de afetos, sensibilizou-me muito. Comoveu-me o facto de, apesar das instalações, neste caso, serem excelentes, todos termos a possibilidade de vivermos os nossos últimos tempos assim, fora das nossas casas, do nosso ambiente personalizado, das nossas  rotinas ou ausência delas, entre outras coisas. Visitar um lar nesta altura dá-nos uma visão dura da sociedade onde vivemos e que ajudamos a criar, que descarta e trata mal os seus velhos, com justificativas de que não temos tempo, não temos condições, não temos paciência, não temos vida para. O emprego, a pressa, a indiferença, a ausência de sentimentos, as exigências, as responsabilidades, todos estes aspetos se conjugam e tecem o atual panorama familiar e social.
Para além dos cânticos, deixámos postais elaborados pelos nossos alunos e um livro de pequenas histórias e poemas escrito por professores e alunos para cada um. Nem todos podiam ler, mas ficou a promessa de que alguém o leria para eles. Quanto às crianças, é sempre uma delícia estarmos com elas em idades recheadas de fantasia e recetivas para histórias de reis magos e estrelas, mesmo, e sobretudo, se incluírem um dinossauro no presépio. 
Tratou-se, pois, de uma experiência diferente - um português  xmas caroling - que me trouxe  uma enorme satisfação por, espero e esperamos, ter levado alguma alegria a quem mais precisará dela, e para quem os afetos significam mesmo muito. Cheguei a casa  tarde e encharcada, mas contente.
Parabéns pela iniciativa e obrigada pelo convite, colegas. Feliz natal.

dezembro 21, 2012

A menina do mar


"Eu sou uma menina do mar. Chamo-me Menina do Mar e não tenho outro nome.  Não sei onde nasci. Um dia uma gaivota trouxe-me no bico para esta praia. Pôs-me numa rocha na maré vaza e o polvo, o caranguejo e o peixe tomaram conta de mim.  Vivemos os quatro numa gruta muito bonita. 

Quando a maré está vazia brincamos nas rochas, quando está maré alta damos passeios no fundo do mar. Tu nunca foste ao fundo do mar e não sabes como lá tudo é bonito. Há florestas de algas, jardins de anémonas, prados de conchas. Há cavalos marinhos suspensos água com um ar espantado, como pontos de  interrogação. Há flores que parecem animais e animais que parecem flores. Há grutas misteriosas, azuis-escuras,roxas, verdes e há planícies sem fim de  areia branca, lisa. Tu és da terra e se fosses ao fundo do mar morrias afogado. Mas eu sou uma menina do mar. Posso respirar dentro da água como os peixes e posso respirar fora da água como os homens."




As histórias dos livros e da música que nos deixam pintar o mar...

dezembro 20, 2012

Credo

A questão religiosa é muito sensível. A questão religiosa está, muitas vezes, associada a formas de intolerância e de opressão, aliadas a desconhecimento e obscurantismo, alicerces ótimos para que se propaguem, não do ponto de vista espiritual, libertador, mas como esquemas de pensamento atrofiadores, fechados e conservadores. E aqui todas as religiões viveram já ou ainda vivem em estádios de nula ou pouca evolução que permitiram e fomentaram comportamentos anacrónicos, injustos, misóginos e outros,  através dos tempos. Umas já estão num patamar de evolução elevado, decorrente de muitos fatores, outras não. Cultura, geografia, desenvolvimento económico, avanço social, política e laicização, de tudo um pouco se pode falar para explicar desníveis e desencontros que depois criam incompreensões, conflitos, preconceitos, violência. Uma questão complexa, sob vários prismas, que não importa desenvolver aqui como fenómeno antropológico e social.
Interessa-me abordar o assunto apenas pelo que vejo e penso. Somos muito intolerantes, todos. Independentemente do sítio onde estamos, da religião que professamos ou mesmo do facto de acreditarmos ou não em deus, qualquer que seja.
Os cristãos queixam-se dos muçulmanos, estes queixam-se dos judeus, os judeus queixam-se deles e já se queixaram e queixarão ainda dos cristãos, os cristãos já se queixaram e queixarão ainda dos judeus, os cristãos não entendem o hinduísmo, nem o xintoísmo, mas já se deixam seduzir mais pelo budismo, e mais e mais. As religiões monoteístas não compreendem as pagãs e politeístas, algumas destas já se deixaram missionar pelos cristãos, nomeadamente, mas mantêm por vezes um culto misto, adorando a um deus e santos e mantendo os "vudus" e outros rituais de várias origens. E dentro de cada uma delas, então, o que dizer? Guerras religiosas entre católicos e protestantes já fizeram muito sangue, xiitas e sunitas imitaram-lhes o estilo. Católicos do ocidente, apostólicos e romanos, católicos do oriente, ortodoxos. Cristãos coptas. Anglicanos e luteranos, todos protestantes. E mais. Igreja do reino do deus e testemunhas de Geová. Judeus, judeus árabes, judeus sionistas, judeus ortodoxos, judeus Amish.  E seitas e outros credos por África, Américas e Oriente...
E todas com praticantes muito intolerantes a tudo o que lhes soa diferente ou mais anacrónico ou mais moderno. E todas com pouca aceitação dos ímpios, e claro está, dos ateus, dos agnósticos, dos sem fé. E depois alguns destes com pouca compreensão para quem acredita, como se fossem necessariamente anacrónicos também... Que grande, enormíssima confusão. Chegou-se a um ponto em que se generaliza demais e se centra tudo em demasia na questão religiosa...quando muitas vezes são outras coisas que jogam mais alto e a religião é só um pretexto. Mas como é cómodo culpar o que não se conhece e o de que se pensa não gostar (podendo mesmo não gostar-se) toca de enfiar tudo nos nós e eles, os outros e nós. E julgar muito a conduta e até a inteligência pela religião que se professa ou pela ausência de religião. Acreditar ou não é um escolha, deverá ser sempre uma escolha. Por vezes, não é, porque é fruto do meio, da educação, do percurso familiar. Uns poderão libertar-se, mal ou bem, não interessa, outros não. Mas acreditar em algo não é sinónimo de tontice, burrice, maldade ou ignorância automaticamente. Se há coisas terríveis que já se fizeram e ainda fazem em nome da crença, e repito que terá corrido todas as confissões, também há coisas terríveis que foram feitas contra estas e na ausência destas. Poderia enumerar alguns casos históricos e até relativamente recentes. Quem acredita e com isso se sente bem e faz o bem, é bom.  Quem não acredita e idem aspas, aspas idem. Quem acredita e deixa os outros serem livres, muito bom. Quem não acredita e deixa os outros serem livres para acreditar, muito bom. Um crente não tem de ser mau mas pode ser. Um não crente não tem de ser mau mas pode ser. Assim como a divisão política do assunto é algo que pode ser inverdadeiro, injusto e sem interesse. Se sou de esquerda dizem que não acredito e alguns não querem que acredite. Se sou de direita pensam que acredito e alguns não gostam que acredite. Acreditar também está out, e não acreditar in, do género intelectual ou moderno não tem ou não pode ter nada a ver com isto. Credo, como os credos levantam tanta poeira e excitação ou raiva exterior quando o que deveria ser era e é criarem paz e esperança interior. Acreditando ou não. A religião é uma questão, repito, muito sensível e não devia sê-lo, não devíamos ajudar a sê-lo. Porque é do tipo sensível irascível e não tolerante e humano. Ele há cada sensibilidade. 

dezembro 17, 2012

O dia em que a terra pararia

A excitação em volta do dia 12.12.12 passou-me completamente ao lado. O que fiz nesse dia? O mesmo de sempre, praticamente, entre escola e afazeres domésticos, rotinas com o pequeno e um frio considerável a convidar ao sofá, que não passou disso mesmo - convite. Diferente? Só para uma amiga querida que celebrou, como sempre, longe de casa por que é professora e anda há anos a tentar aproximar-se e não consegue (congelaram os concursos como tudo o resto), o seu aniversário. No dia seguinte, já depois da sobrevivência, estava a escrever o sumário no quadro quando vi que a lição era a 31 e o dia era 13. Imediatamente, imbuída deste espírito apocalíptico, perguntei aos meus alunos do 12º ano se não estavam preocupados ou eufóricos com tal coincidência, pois poderia ser indicativo de algo muito, muito sério. Não os consegui convencer de nada pois a risada foi geral entre os que tinham percebido e nula entre quem nada percebeu. Para inglês entender, se me faço compreender. E lá continuámos alguns a brincar, num arranque de aula bem-disposto por causa disto tudo e mais alguma coisa.
Mas a questão do fim do mundo parece não acabar. Agora (ou já era antes também? ou o dia 12 era apenas de mega euforia?) é a 21. Cá por mim, não estou nada satisfeita. Ontem um perú num cartoon no FB dizia-se aliviado porque escaparia à caçarola de 23 mas como de perú não tenho nada, perua, na verdade, estou muito insatisfeita. Acho que deve acabar apenas a 26, depois de recebermos as prendas. Ah, pois, sou como os miúdos. Afinal, as meias estão na lareira cá de casa para quê? Anda uma pessoa a alimentar fantasias de renas e trenós e depois iam-se, assim sem mais nem menos? Não, não. Há também que fazer o pai natal cumprir com as suas responsabilidades, até porque já deve ter posto as barbas de molho.
Agora a sério, (a sério?), quando era miúda, miudinha, também houve uma história parecida. Os meus pais disseram-me que naquele dia o mundo ia acabar. Convenci-me de que era verdade e lembro-me de estar sufocada ao jantar, muito triste, porque ainda queria viver. A minha mãe dizia que sim, ia acabar, para os que morressem. Fiquei, pois, muito contente quando as horas passaram e ainda estávamos em casa, vivos. Hoje em dia, estes entusiasmos ou medos em corrente, fazem-me sorrir. Não me aquecem nem arrefecem, mas lá arranco umas gargalhadas, o que não é pouco. Que continuem estes delírios. Cá por mim, todos os dias podem ter um fim, devem. Porque isso significa que um outro surgirá.

Modelitos










Quem é o próximo?














(De gritos, não está?)

dezembro 16, 2012

Aparentemente



Não podemos mesmo fazer julgamentos precipitados. É péssimo, para dizer o mínimo. E se baseados em preconceitos que ainda não ultrapassámos, pior. 
Fui ao Ria Café ontem, o melhor café de Aveiro, já agora, e deparei-me com um homem a falar com o meu marido e com o empregado. O casaco era de cabedal preto, as calças, de ganga, o cabelo, uma tira longa em forma de  crista e um rosto horrível, que nem vi bem, por me impressionar e por não desejar sequer conhecer a pessoa em questão. Não compreendi porque falava tanto o meu marido com ele e desejei intimamente que não me apresentasse. Tomei-o por um drogado, no grau mais elevado de auto-destruição,  um "junkie" e "outcast" da pior espécie, com um estilo demasiadamente agressivo para quem se diz tolerante mas rejeita alguns estilos com os quais não se identifica e sobre os quais terá, tenho, decerto, ideias pré-concebidas e erradas. O homem despediu-se e saiu. Não fixei a conversa nem o que disse, por opção, decorrente de tudo o que escrevi até agora.
Imediatamente, o meu marido diz-me que este homem, um jovem, foi alvo de uma grande tragédia. Estando sem emprego em Portugal, foi para França trabalhar no ano passado. Na empresa onde trabalhava registou-se uma enorme explosão que lhe queimou 90% do corpo. Havias de o ver antes, Fatinha. Um rosto e um look "normalíssimos", um rapaz longe desta amargura estampada na cara e nas emoções, pois também fui informada que ainda não se encontra bem psicologicamente, nada bem, ao que parece. E a crista?, insisto eu, com perguntas idiotas. Foi o resto do cabelo que lhe sobrou. 
Senti-me pessimamente. Tinha desejado nem sequer ser-lhe apresentada e não era nada do que fabricara na minha cabeça. Infelizmente, era bem pior, de uma certa maneira. Talvez. Porque não fruto de uma escolha mas sim de um azar, de um acidente de trabalho, de um revés que não sonhamos nem desejamos ter.  Lembrou-me aquela história que o ilusionista Luís de Matos contou no "Alta Definição" e que não esqueci. Dizia que um amigo, uma vez, se tinha indignado com o comportamento irrequieto e desadequado de dois miúdos no autocarro. Irritado, perguntou ao pai porque não tomava uma atitude mais firme. Este respondeu que os dois irmãos tinham saído do hospital onde tinham visto a mão falecer. Se alguém lhe pudesse dar uma resposta que ele pudesse facultar aos filhos, ele agradecia.
Na verdade, as aparências iludem, e já devíamos saber isto sem nunca o questionar. Não sabemos o que está do outro lado, as coisas terríveis que se alojaram por lá. E se não sabemos, não julguemos. Pelo menos estupidamente, como fiz e como não deveria ter feito. Péssimo.

dezembro 12, 2012

Violação de privacidade



E não é de cinema que se trata. Ainda que atrasada relativamente à atualização destas notícias, aqui  fica uma breve impressão de algo que me fez impressão.

1.A história da partida dos locutores australianos que se fizeram passar pela soberana inglesa e pelo seu descendente não tem classificação possível. Não só porque os seus danos colaterais foram, previsivel ou imprevisivelmente, trágicos mas também porque o que reside nesta questão toda é a intromissão em questões do foro privado que nem o humor justifica. Que nada justifica. De nada serve, também, o argumento que as pessoas em causa são famosas e que aparecem nas revistas e que espicaçam a curiosidade popular. Há momentos em que os holofotes têm de apagar-se, ainda por cima se a pedido, de forma voluntária e consciente, fazendo uso do direito à mais total privacidade num sem número de aspetos. Como lamento a morte da enfermeira, como lamento um episódio destes numa gravidez que sempre sensibiliza mais a mulher (quem discordar esteja à vontade, cada um com as suas sensibilidades), como lamento a falta de discernimento e de bom senso de quem julga tudo poder fazer em nome das audiências, seja lá onde for.

2.A exibição do episódio da chiclete de Ronaldo na boca e depois no bolso antes de cumprimentar a raínha de Espanha e receber o prémio que lhe foi atribuído, o de melhor desportista ibero-americano, deixou-me, já agora, boquiaberta. A TVI exibe a notícia no seu jornal da noite, lá para o fim, é verdade mas exibe, até porque entretanto a cena já corria mundo. Qual o interesse em alguém apanhar, primeiro, e exibir, depois, imagens deste tipo? Qual o objetivo de mostrar algo sem relevância absolutamente nenhuma, captando um momento caricato e menos feliz de alguém famoso, é certo, mas em circunstâncias em que qualquer um de nós poderia cometer um deslize, uma gaffe? Porque se está sob a alçada das câmaras televisivas, tudo o que fazemos, mesmo e sobretudo inadvertidamente, tem de passar cá para fora? Que tal pedir autorização para que imagens menos felizes possam ser tornadas públicas? Porque se é figura pública tem-se de pagar um preço sempre, sempre mais alto? Que prazer é este de desconstruir e denegrir, muitas vezes, a imagem de quem alcançou, legitimamente, as luzes da ribalta? Lamentável...

dezembro 07, 2012

O menino


O menino de sua mãe nasceu.
O menino de sua mãe cresce.
Cresce a alegria de sua mãe.

O menino de sua mãe nasceu.
Enterneceu  e enternece os dias de sua mãe.

Anoitece. Breve, breve, o menino de sua mãe adormece.
E adormece, feliz, sua mãe.

(Poema em jeito de sem jeito nenhum para o menino de sua mãe que faz hoje cinco anos.)

dezembro 06, 2012

La belle et l´ époque



Ao que parece os filmes de época nem eram da sua preferência, de todo. No entanto, colaram-se-lhe e bem, muito bem. De resto, ninguém bate as britânicas no écrã, grande ou pequeno, se viajarmos pelo passado e se fizermos incursões pela literatura clássica. Estes são tipos de filmes que me têm geralmente sentada na plateia ou no sofá (engraçado como não sou conservadora, digo eu, mas também não sou por aí além avant-garde, ainda estou para saber que mistura é esta). E há, de facto, personagens que ganham uma esplendorosa ainda que trágica existência em movimento e som por causa da interpretação de atrizes de primeira linha. Keira é uma delas, desde que a vi em "Rei Artur" e "Orgulho e Preconceito". O rosto, na minha opinião, é fantástico, mesmo se transfigurado por histórias de dolorosa experiências ou angústias. Há uma elegância, uma luz, um fulgor de juventude e sensível solidez que se entrelaçam, criando ângulos de beleza cinematográfica para quem gosta da estética clássica, do romantismo e de outros atributos do cinema de época. Faz parte das atrizes da nova geração de que gosto mesmo.

dezembro 05, 2012

(S) Em cor


O dia hoje está cinzento, dizem-me, muito cinzento, confirmo, coberto de nuvens quase negras. Ontem à noite, enquanto víamos um atlas com puzzles da sua  preferência, o pequeno dizia-me que pintaram o mundo, pintaram o mundo não foi, mãe, pintaram. De manhã, num blogue que visito com regularidade, havia um post que dava conta de uma corrida " a cores", The Colour Run, uma ideia que agora chega também a Portugal. Ao almoço, a sobremesa no polo de restauração foi uma colorida espetada de frutas. Comprei, depois, pratos e copos e guardanapos de cores diferentes para uma festinha que darei no fim de semana. O meu cachecol hoje é vermelho vivo, finalmente tirei-o do armário, a condizer com as unhas, que nem sempre me lembro de pintar. O dia continua cinzento, e a escuridão da noite quase invernosa não tardará a chegar. Ontem à tarde, havia um arco-íris quando saímos da escolinha, logo ali ao lado. Vês? Vejo, esticando o pescoço dentro do carro. Depois, antes de se deitar, disse-me que queria meias cinzentas de manhã, iguais ao casaco do mickey que deveria vestir. Ao acordar lembrou-se e não havia cor que a pudesse substituir. Pintaram e pintam o mundo, tem razão. Ele, eu, os outros e alguém lá em cima também. É só escolher entre a paleta de possibilidades. Ou de vontades, que ainda é melhor.

dezembro 03, 2012

Do fracasso pode rezar a história


Sem dúvida, Olinda. Para já, não há ninguém que possa dizer não ter fracassado nunca. Em algum momento, em alguma circunstância, em algum lugar, todos tivemos um indesejável, previsível ou não, encontro com o fracasso. E dessa forma todos teremos sentido uma desilusão maior, um colapso em relação ao que acreditávamos, até mesmo uma depressão. Uma crise, que põe tudo em causa, os outros e nós. Que poderá demorar mais ou menos tempo, consoante a sensibilidade de cada um, a emotividade ou a frieza, a solidez e robustez de espírito naquela precisa altura. Penso que as pessoas com uma natureza mais competitiva, mais triunfante, mais brilhante podem inclusivamente ser aquelas que mais dor sentem com o fracasso, precisamente por isso, por sentirem mais o peso da derrota, especialmente por se tratar de um não reconhecimento por parte de um outro ou de muitos outros.
Considero que as pessoas menos ambiciosas, mais contidas, menos fulgurantes lidam melhor – parecem lidar melhor - com o fracasso, por representar apenas mais um ponto na sua existência pouco notória, habituada à modéstia, feita de momentos que nunca os catapultaram para os holofotes de alguma forma. Isto se pensarmos em fracasso social, profissional, essencialmente. A nível afetivo, se falarmos dos amores, penso que reação à deceção é a mesma, ainda que menos visível, porventura. Decerto menos percetível, devido à sua natureza mais secreta, introvertida, se quisermos até, dissimulada.
Mas o que é o fracasso, afinal? Não sendo psicóloga, considero que se trata de uma dolorosa facada nas expetativas. Nas maiores expetativas, claro. Daí que a ambição seja naturalmente propensa a acontecimentos desta natureza, porque por muito grande que seja a vontade e até as qualidades e o talento, há que contar com as adversidades, com os outros, com a sorte, inclusivamente. Nem tudo controlamos, como muitos acreditam ou afirmam, de longe. Não se pode nunca subestimar o que está do outro lado. Quanto mais ambicionamos e quanto mais esperamos, maior poderá ser o desapontamento, é aquele provérbio do salto e da queda. Por outro lado, há momentos e timings. O sucesso pode ser uma realidade durante algum ou muito tempo e de repente tudo se pode desvanecer, por um conjunto de razões que não importa aqui desenvolver. Então, em qualquer dos casos, há que reaprender.
O fracasso existe para nos lembrar de que somos falíveis, pequenos, impotentes relativamente a tanta coisa, e é fundamental que dele retenhamos esse ensinamento. Começar a perspetivar as coisas de modo diferente, conhecer as nossas limitações, dar o devido valor aos obstáculos, ser mais comedido nas metas, trabalhar a personalidade, ainda que acreditando. A esperança traz muitas vezes o sucesso, tantas vezes, mas é preciso uma fé realista, para além de uma tremenda sorte, construída por um caráter espantoso ou não.
O significado do fracasso faz-nos confrontar connosco mesmos. Nem todos gostam de o fazer, porque envolve autoconhecimento e autocrítica, e isso traz dor. Mas sem nos analisarmos não nos levantaremos, como reagir se não sabemos quem somos e como somos?
O fracasso é terrível, seja a que nível for, mas nós sobrevivemos-lhe. Porque revemos o nosso interior e o que há no exterior e disso só colhemos vantagens. Começamos, dessa forma, a trilhar o sucesso.

escrito para o bahia mulher

dezembro 01, 2012

Nações


Paz de Palestina - de Israel Adesivos Redondos

"Não será uma decisão da ONU a quebrar quatro mil anos de vínculo entre o povo judeu  e a terra de Israel". - primeiro ministro israelita

É o tipo de comentário que não ajuda à paz. Pelo contrário...

Eu cá estou satisfeita por conhecer a decisão da ONU, votação de nações em larga maioria, que não deixa dúvidas. Ainda bem que Portugal votou a favor. Traduz exatamente o que penso. Independentemente das crenças religiosas, este é um problema territorial, e daí político. E é uma disputa que tem de ter um fim. Isto pode ser um bom começo. Para quem quer uma solução, está claro....

novembro 28, 2012

Singularidades de algumas raparigas loiras


1 - michelle pfeiffer
é belíssima. em a "idade da inocência" esteve sublime. gosto da graça, da sensibilidade, da voz trémula e fraca, da vulnerabilidade, do sorriso, do rosto.

2 - grace kelly
não sou grande fã mas é extraordinariamente bonita, quase perfeita. foi. parecia gélida - parece no écrã - mas pelos vistos era de natureza apaixonada. assim dizia hitchcock, se não estou errada. 

3 - jennifer aniston
trocada pela angelina, provavelmente por  causa de não ter - querer - filhos. conotada com a comédia, sempre em papéis leves que não marcam. gostei do registo em "derailed". fisicamente um espanto mesmo depois dos 40.

  

4 - marilyn monroe
queixava-se de solidão, uma das mulheres mais desejadas do planeta. de uma fotogenia espantosa, tem fotos icónicas que resistem ao tempo. subaproveitada em comédias, só em "os inadaptados" mostrou uma veia dramática que não veio a desenvolver. infelizmente, por tudo.

5 - meg ryan
filmes em que se associa o amor romântico citadino, excetuando talvez "the doors - o mito de uma geração", mas ainda assim não agressiva no papel de pam. presença querida, sensível, a puxar o sentimento mas de forma natural, soft.

6 - jean seberg
papéis de sensibilidade, com angústias e vivências típicas da modernidade, interiormente e talvez não só. bonita, mesmo de cabelo curto, quase etérea, dimensão de alguma forma superior. 

  

7 - stevie nicks
cabelo e roupas que agora nos parecem kitsch mas uma doçura forte que emana de uma voz poderosa, sedutora, única. músicas excecionais num grupo que praticamente venero.

8 - diana de gales
claro que chorei com a sua morte. não era excecionalmente bonita mas havia ali um encantamento que passava pela atribulada vida e pela bondade acompanhada de um lado pop e glamoroso que atraía os holofotes. injusto ter encontrado de novo o amor e ter-se ido, ainda que com ele.

(Não consta que alguma delas seja ou tenha sido cleptomaníaca. Isso é só em Eça.)

novembro 27, 2012

De olhos bem fechados


O final do filme Trust, Perigo Online, que passei aos meus alunos do 11º ano, é algo surpreendente. Ou talvez não. Estamos à espera de ver o pedófilo apanhado, e apanhado nas malhas de uma vida errónea, criminosa e clandestina, e eis que ele nos surge, feliz em família, com uma profissão decente e na mais completa normalidade, visto com respeito e credibilidade. Dececionante para os justos deste mundo mas talvez nada surpreendente, afinal. Nada mesmo. Na verdade, quem vê caras não vê corações, já diz o velhinho ditado, da mesma forma que não se pode meter a mão no fogo por muitos, sob pena de sairmos queimados.
De que se trata aqui, então? De casos de dupla personalidade, ou talvez melhor, de uma vida dupla. E isto não é tão incomum assim. Pessoas que julgamos conhecer relativamente bem, razoavelmente bem até extraordinariamente bem, podem, em todo o caso, aparentar o que não são. Ou ser mais e pior do que aquilo que parecem, que é mais ou menos a mesma coisa. Tal facto não é nada reconfortante. Pelo contrário, é assustador, leva-nos a pensar o que não queremos - pensar que se deve deixar margem para a dúvida, a desconfiança e em última instância a desilusão.
Mas qual a motivação de uma outra vida, de quem não é o que parece? De quem age em total desacordo com o que exibe publica e socialmente e em círculos familiares? Saberão eles próprios qual a sua motivação? Penso que se tratarão de impulsos primários que não têm explicação racional por parte de quem não lhes resiste, incontroláveis pela ausência de pensamento, pela falta de ética e de conhecimento da diferença entre bem e mal, pelo prazer  que retiram da clandestinidade, pelo risco de comportamentos perigosos, pelo jogo que significa desafiar o convencional, pela perversidadezinha que mora lá. Já dizia Shakespeare, "Se as paixões aconselham por vezes mais ousadamente do que a reflexão, isso deve-se a que elas dão mais força para executar." Nestes casos, apenas infelizmente.
O que fazer quando se descobre que se viveu com alguém que mantinha uma cara e uma atitude e revela depois uma identidade completamente diferente daquela que supúnhamos? O que sentir quando descobrimos que vivemos com alguém que afinal não conhecíamos, que nunca conhecemos? E, sabendo que isto pode acontecer, o que fazer para nos precavermos? Desconfiar de tudo e de todos? Estar mais atento a gestos e palavras que resvalam? Viver no medo e nunca nos entregarmos? Dar-mo-nos e depois sermos cilindrados com revelações que nunca fomos capazes de descortinar por nós mesmos? Tão difícil, tão desencantado, tão ingrato partirmos para as relações assim. 
Sobretudo se se tratarem de relações muito próximas, de alguém com quem escolhemos partilhar sei lá o quê. Não sei se será possível antever, adivinhar, pressentir, ler a mente dos outros. Nuns casos sim, em que a máscara está mal construída, noutros não - não quando se trata de profissionais do disfarce, do embuste , da mentira, jogadores sem afetos verdadeiros, sem noções de laços, sem algum caráter. O que nos resta, neste caso? Ter sorte, basicamente. Esperar que nunca sejamos surpreendidos por estas patologias, confiar na nossa intuição, na nossa análise racional, na nossa inteligência. Esperar, sobretudo, que elas não falhem.


(Eu sei que este espantoso quadro de Magritte merecia que falasse do amor. Mas não é descabido de todo, ao falar-se de amarmos alguém que afinal não conhecemos.)

novembro 26, 2012

On the waterfront


Há Lodo no Cais, de Elia Kazan.

Vi várias vezes, é daqueles que sei deixas de cor. Sou ultra fã do magnetismo de Marlon Brando jovem, da interpretação ao estilo Método que marcou a geração e mudou a fibra de que eram feitos os protagonistas dos filmes até aí. Aquele que aqui "could have been a contender", num registo de tumulto psicológico e de masculina vulnerabilidade quando em cena com a doce Eva Marie Saint. Eterno.

novembro 25, 2012

Das palavras aos atos

"Digo o que penso e, muito simplesmente enuncio factos pois que, apesar de poetisa, ligo bem maior importância aos factos do que às palavras por bonitas que sejam. Palavras são como as cantigas: leva-as o vento." (Florbela Espanca)

Quando li esta frase lembrei-me de uma colega, há anos, que dizia, falando do amor e do casamento, não serem as palavras importantes mas sim os atos. Na altura, manifestei alguma resistência a esta ausência de poesia. Disse que também eram importantes, que as coisas expressas verbalmente, e mais ainda de forma positiva, também dão significado a tudo isto.
Pois é um facto que muitos de nós são sensíveis às palavras, especialmente se, como sempre desejamos, forem belas. Elas podem querer dizer muito. Elas podem falar verdade. Elas podem ser exclusivamente para nós. Podem confortar-nos, deliciar-nos, motivar-nos, projetar-nos, fazer-nos sonhar. Portanto, têm um poder enorme sobre nós.
No entanto, de nada servirão se os atos as contradisserem. Dou a mão à palmatória, os atos são bem mais importantes do que as palavras. Se estes não corresponderem ao que é dito de nada valem os enunciados que nos fazem felizes. Vejamos a questão amorosa. O que significa alguém dizer que gosta de nós e nos quer muito quando na prática se comporta de maneira oposta? Como reter-nos se nos dececiona pelo que faz, ainda que nos murmure palavras encantatórias à la Cyrano de Bergerac?
O comportamento, sim, é revelador do caráter. A habilidade discursiva, as capacidades de encanto verbal, o fulgor das palavras que se proferem podem ser apenas isso mesmo – talento nas artes da sedução. Talento, audácia, arrojo, astúcia, o estilo valmont. Se as atitudes depois forem exatamente o contrário, elas terão sido uma mentira. E a mentira não sustentará o amor por muito (mais) tempo. Não se tivermos o outro amor, o próprio, o que nos faz gostar de nós e manter a dignidade.
Ainda assim, porém, não podemos ignorar completamente a importância das palavras. Alguém que nos agrade em todos os seus atos mas que não tenha para nós palavras de afeto e outras coisas mais, também nos pode começar a perder. Porque a incapacidade de alguém dizer que gosta de nós, embora o demonstre de várias formas, mas não dessa, também nos pode gelar. Sobretudo se somos expressivos e não temos nós dificuldades em dizer o que sentimos, o que apreciamos no outro.
Isto nos amores, não querendo dizer que não se possa estender a outros campos das relações humanas. Em qualquer um deles, o ideal será o equilíbrio entre o que se diz e o que se faz. Ou de como é bom quando os gestos acompanham as palavras e estas estão de mãos dadas com os gestos. Na impossibilidade de termos as duas coisas, por defeito ou feitio, vão as palavras e fiquem as atitudes. Porque as palavras, como vimos, podem não querer dizer nada, podem ser levadas pelo vento. Já os gestos, parece-me, não há vendaval que os abale.



novembro 24, 2012

Pinturas




Tempos e vontades que mudam não necessariamente para melhor. Entre os reis do graffiti e o artista mexicano, neste caso, não há dúvidas de quem é o soberano. Maravilhoso mural a pintar as cores, sabores e lavores da herança nativa no continente sul-americano.

novembro 23, 2012

Cantigas de falso amigo



Há indivíduos que reconhecemos como sendo os que dão as más notícias, quer dizer, que dão sempre as más notícias. E há também aqueles que nos vêm sempre dizer o que de mal outros dizem de nós. Porque gostam de o fazer, aparentemente porque querem ajudar, abrir os olhos do outro, avisá-lo acerca de algo ou alguém. Na verdade, não se importam minimamente com o que o outro possa sentir. Não escolhem o momento, o lugar, não veem problema nenhum em dizer tudo o que sabem, de qualquer maneira, ignorando a sensibilidade do outro e a necessidade da revelação. Parecem solícitos, acham-se úteis quando na verdade nos podem estragar o dia, ou mesmo mais. Conheci, pelo menos, umas duas pessoas assim no passado. Gelam-nos com as descobertas que fizeram e perturbam-nos com histórias de maledicência muitas vezes dispensáveis e que apenas servem a confusão e a intriga. 
Fujo destes tipos humanos. A uma dessas pessoas tive mesmo que dizer claramente que não queria que me viesse contar acerca de quem falava mal de mim ou o quê ou porquê ou quando. Não me interessa, digo-lhe. Mas é para avisar, achando que me fazia um favor. Dispenso. Não quero saber. Prefiro descobrir por mim própria que não tenho afinidades com alguém e afastar-me por causa disso. Como não conseguiu cumprir, era mais forte do que ela, afastei-me e foi dela. Corte definitivo, não só por isso mas essencialmente por isso. Não quero (falsos) amigos que me ponham mal disposta. Nem que criem intrigas e confusões sobretudo onde não as há. Um amigo verdadeiro é bem diferente. Tem muito cuidado quando nos dá uma má notícia, pois sabe que nos irá fazer sofrer. E poupa-nos a histórias de escárnio e maldizer. 
Não devemos nem podemos, pois, tornarmo-nos dependentes de pessoas deste tipo. Não estão lá para nos ajudar porque não nos fazem felizes, antes pelo contrário. No fundo há um certo prazer perverso em nos criarem angústias. Por muito desorientados que estejamos, por muitas dúvidas que nos assaltem não queremos perto de nós estes pretensos aliados. Eu não quero.

novembro 22, 2012

Uma bela cena final


Oito minutos é provavelmente pedir muito dos leitores. Mas este filme tem um final inesquecível, acompanhado da música que fez da sua banda sonora um sucesso semelhante ao do próprio filme. Para além de um dos meus atores de eleição, Daniel Day-Lewis, o que recordo desta longa metragem é o amor de Uncas e de Alice, que a morte do primeiro não impediu que se eternizasse. Ela escolhe cair pelo precipício abaixo e lá se criou uma cena daquelas que ficam na memória de quem não vive sem o cinema.
Como compreendo o meu amigo João de Mancelos quando diz que "O Último dos Moicanos" é o seu filme número 1. Não será o meu - não é - mas está muito bem posicionado. 

As turmas



No início de setembro dava conta de algumas impressões iniciais acerca das novas turmas que me surgiram pela frente, e da primeira semana pontuada com algumas graçolas vindas de quem não conhece a professora e tenta esticar um pouco a corda. Afirmei na altura que esperava ser apenas o habitual teste inicial de novos alunos perante nova docente. Estamos em novembro. A minha confiança revelou-se acertada. Está a ser, pelo terceiro ano consecutivo, um prazer enorme lecionar aos meus alunos. Apesar de uma dificuldadezinha ou outra, própria de uns dias menos bons, em que alguns alunos se excedem na conversa ou manifestam resistência ao trabalho, a verdade é que, no geral, agradeço pelos grupos que tenho, pois dou comigo com manifesta vontade de estar com eles pelo excelente ambiente, no geral, repito, com que se pode dar as aulas nestas circunstâncias. Trabalho com alunos do ensino secundário, cursos profissionais, uns melhores do que outros, naturalmente, mas ressalvo o bom caráter dos meus alunos na sua grande maioria, o que torna os meus dias na escola muito mais gratificantes. Há alturas em que a meio da aula sinto um prazer enorme pela atmosfera que temos, pelo respeito que revelam e pelo humor que conseguimos fazer juntos. Nem sempre é assim, nem sempre foi sempre assim, há turmas e turmas. Más são aquelas em que para além da indisciplina, não conseguimos ser nós próprios, já que não há feed back positivo a vários níveis. E o mais importante ainda é o da relação. Os resultados interessam-nos mas a postura cívica e os valores pesam mais do seu lado da balança. Prefiro trabalhar com turmas mais fracas em aproveitamento mas maiores em atitudes. Até porque havendo afeto e uma excelente relação, os resultados virão atrás, muitas vezes, Digo que os alunos se conquistam pelos afetos, a par da autoridade firme. Não é com rigidez e inflexibilidade que vamos lá. A tolerância e a noção clara dos limites que estabelecemos têm de andar de mãos dadas. A única coisa que ainda não está au point é a questão do material para aula. Disso tenho, aliás, dado conta aqui, mais do que uma vez. Mas neste momento é uma minoria, no seu conjunto. De resto, estou e sou feliz com os meus alunos. Quando não estou digo-lhes mas também lhes digo quando estou, sempre lhes digo quando estou. Claro que há muitos aspetos a melhorar - as entradas, o estudo, a curiosidade extra-aula, os conhecimentos culturais, a dependência dos telemóveis e dos outros gadgets, a linguagem, sobretudo nos corredores e no espaço exterior, e tantos outros. É uma geração dos diabos, fruto dos estilos de educação e da sociedade atuais, media incluídos, que são permissivos, pouco rigorosos, confusos e alienadores. Mas na sala de aula, na aula de inglês, e repetindo que não sendo sempre perfeito, as coisas estão muito bem. E quando assim é uma pequena maravilha, que nos tranquiliza, dá alento e motiva-nos a fazer melhor. Não quero que interpretem este post como uma arrogância ou um auto-panegírico. Já tive experiências que não foram nada disto, poucas, é certo, mas aconteceu. Apenas me apetece partilhar o bom que é gostar das minhas turmas - e acreditando que o sentimento é mútuo.  O inglês só fica a ganhar, digo eu. Espero eu. E nós também.

novembro 21, 2012

No mural de hoje


1. Recusei dar informações pelo telefone a alguém que perguntava se eu era a dona da casa e que me disse que eu participara no inquérito sobre saúde e alimentação no ano passado. Dizia que algumas pessoas tinham sido selecionadas (não sei porquê nem para quê) e que portanto iria fazer mais perguntas. Disse que não, que tinha de sair. Na verdade sou desconfiada nestas coisas e não gosto de dar informações pelo telefone quando existe desconfiança, justa ou não. Se não contribuí para alguma coisa válida, paciência. Terão de arranjar outra maneira de o fazer.

2. No jornal da SIC, mostra-se um carro com TV, para assinalar o dia da televisão, entre outros apontamentos mais ou menos tontos. Quando se apercebe de que o condutor só pode ligar e ver a televisão com o carro parado, o Rodrigo Guedes de Carvalho brinca, pois só pode estar a brincar, dizendo que então há racismo relativamente à TV, já que se pode ouvir rádio. Esqueceu-se do que implica conduzir? Do que implicaria o condutor ver televisão em andamento? Não pode, tendo em conta  o que significaria tal prática legal. É mesmo um brincalhão...

3. 164.164 crimes de pedofilia. O maior processo a seguir para tribunal em Portugal. E um dos maiores horrores, este comportamento de alarve. Que se revela em várias formas, inclusivamente via internet, à escala maior, global, saciando as maiores pancadas de quem não merecia viver. A maior tara, a maior incompreensão, a maior pena, espera-se, para quem retira prazer de tamanha monstruosidade. A raça humana, por vezes, muitas vezes, é mesmo uma desilusão maior. 

Até quando?


Até quando poderão eles permanecer assim?
Até quando os deixarão ser assim?

Até quando lhes ensinarão depois o que não devem ensinar?
Até quando lhes exigirão o que não podem exigir?

Até quando se odiarão quando crescerem?
Até quando se baterão pelo seu lado?

Até quando viverão em guerra?
Até quando morrerão ?

Até quando não permitirão a história, a política, o ódio, a tragédia, a indiferença, a hipocrisia, o sofrimento, a morte, o fanatismo, a ocupação e a loucura humana que dois meninos possam brincar, caminhar  e crescer juntos?


novembro 20, 2012

O fim e o começo

"O casamento é o fim do romance e o começo da história.
Oscar Wilde



 Não sei se o casamento é ou é sempre uma desilusão agora que é o fim do romance... é. Pois que romance pode haver em quotidianos impregnados de tarefas não glamorosas e que sugam as energias? Que magia há em cestos de roupa para lavar, em peúgas espalhadas pelo chão, em louça acumulada no lava louças, em compras para fazer no supermercado, em esfregonas a bailar no meio da cozinha e entre tantas outras coisas que não existem no cinema? Que lugar para o romanticismo em espaços partilhados onde a resmunguice, a impaciência, a desresponsabilização,a exigência, a pressa, a falta de colaboração, a cobrança e outras fazem mossa à melhor das intenções?
O começo da história. Na verdade, uma história que deve ser vista realisticamente, sob pena da desilusão chegar cedo. Recordo uma ideia ou outra que já ouvi de mulheres ( pois nunca ouvi o mesmo de homens) que acharam que o seu casamento  significava a almejada chegada da liberdade. E eu a pensar que se sai da prisão da influência dos pais e se passa a morar no cárcere das explicações e compromissos. Compreensíveis, mas que nos roubam liberdade - a nós e ao outro. Outra ideia é a de que o casamento é  ou ia ser para sempre. Como assegurar que será eterno? Esperamos que seja. é tudo, e já vamos com sorte... Cada dia que passa é uma vitória - frase que digo amiúde e como ficam estarrecidas algumas almas à minha volta. Do género o que quererá ela dizer com isso. Mas eu penso e pensei sempre assim, desde o primeiro dia, o encantamento é para quebrar, ao passo que outras coisas são para fortalecer. A história começa - com os altos e baixos, alegrias e tristezas, cumplicidades e divergências. Não sempre pior, não necessariamente pior, apenas muito diferente. O romance é o antes. O resto é o depois.

novembro 19, 2012

Holding back





She held back from telling what her problems were more and more. For she feared they wouldn´t understand, They could get too worried, more worried than she actually was. They could scare her, which she loathed beyond normality. They could make fun of her, which she wouldn´t bear at all. They could simply ignore her and that was not what she expected either. What did she long for, really? Some kind of brave understanding, sensitive cumplicity, visionary humanity, positive realism. Too much. Too much to ask from ordinary people, too much to ask from most people. And yet her growing reserve could be broken naturally and willingly with a few people. Few people but enough. Enough for her problems. If not forever, at least for now. 

Claramente não


Sou absolutamente contra a publicidade nos canais infantis. O mundo mágico das histórias e dos desenhos animados não se compadece com assaltos consumistas que fomentam nos miúdos ânsias de compras e caprichos que se criam a partir dos anúncios. Ainda por cima, sobretudo para os rapazes, há estratégias publicitárias que me parecem demasiado agressivas e, pior, os brinquedos anunciados também são agressivos (e extremamante caros para aquilo que valem, já agora). O Canal Panda é disso exemplo. Deveria haver leis que regulamentassem esta situação, independentemente de serem televisões por cabo. Aos pais interessará o que há de novo no mercado, digo eu, mas tal publicidade apareceria nos canais generalistas. Não são as crianças que têm de ser educadas desta forma, iniciadas no consumismo desde cedo num canal que é para elas. Brincar significa ser livre, explorar a imaginação, e não reagir inocente e caprichosamente a estímulos de marketing desadequados para estas idades. Tenho um pequeno e sei do que falo, certamente que outros pais dirão o mesmo. Um claro não a uma aposta no consumo, ao invés da aposta na saudável brincadeira e devaneio que é, afinal, o mundo encantador das crianças .

novembro 17, 2012

Vale a pena ter esperança?


Há dias uma excelente bloguista que sigo escrevia, num pequeno mas significativo post, que a esperança é caraterística que acompanha os ingénuos, pois quando os deuses não estão connosco “é um ar que se lhe dá”.
Fez-me pensar, o que é bom e me leva a escrever o texto de hoje. Há verdade nesta afirmação. Analisada racionalmente, como convém, trata-se de uma grande verdade. A esperança não resolve tudo, por vezes pode ser completamente enganadora. No caso de uma doença grave,  de uma morte mais ou menos anunciada, de uma tragédia que se previa. Por muita esperança que se tenha tido, há desfechos que não desejávamos, que não foram merecidos, que nos mergulharam em tristeza e mesmo na falta de fé. São casos em que, sendo nós, humanos, completamente impotentes, podemos comprovar que a esperança não nos terá valido de nada, que não valeu a pena acreditar até ao fim. É terrível mas assim é.
Aliás, quanto mais altas as expetativas, maior é a desilusão, a frustração, não só nestas situações mais extremas mas noutras que não tenham um recorte tão definitivo. Daí a importância de baixarmos as expetativas e encararmos a adversidade como algo que pode não culminar de forma positiva para nós. Há que ter uma forte consciência da nossa pequenez face a tantas dimensões desta nossa vida cá em baixo, e que não basta, muitas vezes, uma mente otimista e um sorriso para que tudo se resolva a nosso contento. Ignorar os obstáculos e os perigos pode ser cegueira e nada pior do que esta para catapultar muitas infelicidades. Se os deuses não estão connosco, é verdade que a esperança pode ter sido em vão. É uma espécie de determinismo, dirão alguns, mas ele também preside, estranha e involuntariamente, quiçá, aos percursos de muitos de nós, de cada um de nós.
Ainda assim, independentemente de acreditarmos na força dos deuses ou não, é difícil viver sem fé. Ou melhor, viver sem esperança. Não creio que seja sempre ou necessariamente sinal de ingenuidade quando há uma ponta de esperança. Podemos estar a morrer de medo de alguma coisa, a temer o pior, conhecedores das dificuldades, conscientes do poder de algo maior, incontrolável, e ainda assim ter uma réstia de esperança.  Tolhidos pelo pavor de algum tipo de perda, mas ainda assim alimentar um alento. Que pode trazer a sorte de tudo (se) solucionar ou não.
Por outro lado, em muitas situações doutro género, é importante que se mantenha uma atitude positiva, construtiva. Um espírito esperançado pode colher mais vantagens na suas experiências de vida, ainda que com quedas, acredita que se vai levantar outra vez.  Pessoalmente, é-me difícil viver no pessimismo e na descrença constante. Ocasionalmente todos desacreditamos , fruto de experiências negativas que nos marcaram, mas acaba por regressar-se ao positivismo quando os dias deixam de chorar. A não ser se estiver deprimida, a não ser quando se está deprimido. Aí a esperança é substituída por uma letargia pintada a cores negras que não deixa entrever nenhuma espécie de arco-íris.
Daí que sendo necessários os favores dos deuses para os finais felizes das agruras mais intensas da vida, a verdade é que a esperança é uma boa bússola, para mostrar caminhos que nos parecem inexistentes. Uso-a, sem certezas absolutas, mas acreditando - querendo acreditar - que me pode levar longe.

escrito para o bahiamulher

novembro 16, 2012

Para as renas trazerem


 

Filipe Monteiro apresenta o seu livro muitas vezes com magia. Sim, o Filipe é mágico, para além da sua formação em Química e de ter trabalhado na indústria durante vinte anos. Estreou-se na escrita com este livro para crianças no ano passado e tem-no apresentado ao longo deste ano em inúmeras escolas, nomeadamente. 

O Filipe e eu tornámo-nos amigos via FB.  Depois, esteve na minha escola no Dia da Criança e deliciou os presentes no auditório (crianças que visitavam a escola) com as histórias do imaginativo menino e com os seus peixinhos que apareciam sem ninguém saber como e as folhas de outono que desapareciam miraculosamente. A magia dos livros e a magia com livros.


Importa mesmo salvar o mundo. E usar a imaginação é, ainda e sempre, um dos maiores truques.




novembro 15, 2012

Alguns dedos de conversa



Conversa ao almoço, mesa redonda,  cinco colegas

Degustamos pratos gourmet, no nosso polo de restauração, confecionados pelos alunos de forma irrepreensível.
Não falamos da crise mas do caráter português. De sempre. Sisudos, invejosos, críticos, covardes, vaidosos, profundamente infelizes. Adoramos criticar tudo e todos, invejamos o êxito dos outros, vivemos tolhidos pelo medo, exibimos arrogâncias morais  e não conseguimos sorrir para a vida. Muitos de nós não são assim mas muitos de nós são. 

Conversa com a minha dentista

Estou sentada na cadeira, pelo final da tarde. Esta mulher admirável e eu, mais uma vez, partilhamos cumplicidades.
Ambas otimistas, não acreditámos que a crise pudesse chegar onde chegou. E no entanto a preocupação instala-se à medida que a realidade ultrapassa o nosso caráter esperançado. Concluímos que o otimismo pode ser falacioso, mesmo perigoso se nos impede de ver o perigo aproximar-se. Por outro lado, é-nos impossível viver no pessimismo constante. Porque este paralisa.

Conversa cá em casa

Ao jantar; mais ou menos isto.
- Há muita gente que se endividou, que viveu de crédito(s)…
- O estado é que o permitiu.
- Então mas não achas que as pessoas se demitem de muitas responsabilidades?
- O estado é que tem a culpa.
- Mas eu posso ser pontual, por exemplo, mesmo se o patrão não é. Não preciso de modelos para ser responsável e profissional.
- Tu sim, mas muita gente não. O estado tem de dar o exemplo. Os que chegam atrasados não têm culpa, quem tem culpa é quem não os chama à atenção e os pune.
- Então mas o estado tem culpa de tudo?
- Pagas impostos portanto o estado tem de te assegurar tudo.
- Ok, já percebi… Muita gente diz isso, realmente. Só acho que as prioridades andam trocadas – transversalmente…
- Mas também tens razão, aí. E há quem não faça absolutamente nenhum e queira os direitos todos.
- Ah, bom… 
Convivência democrática e a vaga ideia de que não percebo mesmo nada disto. Apesar de não achar que esteja completamente errada...