Ainda a propósito do dia da mulher e do que fui lendo na blogosfera. Num blogue indiscutivelmente de topo, dava-se vivas à mulher que é mãe e à mulher que é doméstica. Não vi mal nisso, quando li, de longe. Vi isto como a lembrança destas facetas, por vezes subestimadas e esquecidas, na voracidade dos estímulos da mulher moderna, da mulher dinâmica, da mulher sexy, da mulher revista. No entanto, ao ler os comentários (que são uma realidade frequentemente bem mais sui generis e polémicos do que os próprios posts) apercebi-me de que poderia instalar-se uma espécie de guerra por, elevando estas categorias femininas, não se fazer a apologia da mulher trabalhadora. E vi nascer, então, uma outra abordagem do post que não concebera até ali. Por tudo o que fui lendo, insisto. Porque se chegara a uma ideia de que o trabalho (não) dignificaria mais a mulher, de que a mulher em casa (não) seria tão válida como aquela que tem um emprego. Eh lá, afinal o alcance do post podia ser bem maior do que, afinal, eu supusera.
Dei por mim a cogitar nisto, pois, no trabalho e na maior dignificação da mulher (e do homem) através dele. Declaro que uma mulher que não trabalha não é menos digna do que uma que não trabalhe. E que portanto merece celebrar o dia da mesma forma que as outras. Penso ser verdade, também, que a maior parte trabalhará porque necessita, e não estou propriamente a falar da realização pessoal ou em ir ao encontro das suas capacidades criativas ou outras do género. Pelo menos, trabalha em horários e ritmos que levam a indicar essa necessidade - houvesse mais flexibilidade horária e o mesmo salário e depois veríamos. Muitas cortariam certamente parte do seu horário, pelo menos as que dão o litro, seja lá porque for, e sentem necessidade de mais tempo para si e para os seus, seja lá porque for.
Nada tenho contra quem está em casa, com quem tem a possibilidade de fazer essa escolha (partindo do princípio de que o será). Muito pelo contrário. Tenho até uma certa inveja da disponibilidade física e psicológica de quem não tem de correr o dia todo numa espantosa e perigosa gestão de vários espaços e agentes ao mesmo tempo. O que eu sinto em tempo de férias aproximar-se-á disso. Claro, talvez não sinta aquela adrenalina de estar a criar e conviver, de realizar-me através de algo que não sejam tachos e tanques (que há quem goste, portanto mais fácil ainda), mas meu deus, a disposição, a disposição para um certo número de coisas e o tempo, são tão outros. Nada contra quem está em casa, por mim, podem festejar o dia da mulher à vontade. Emprego não é sinónimo de condição ou género. (Festejem. Até porque estarão bem mais à-vontade do que eu e outras, certamente, apertadas entre tantas solicitações. )
E aí é que eu quero chegar. Não é a mesma coisa. Não digam que é a mesma coisa estar em casa a cuidar desta e a cuidar dos filhos, ou não, porque não é. Porque quem trabalha também tem casa e tem filhos, ou não, e em vez destes apenas, há mais uma série de coisinhas a juntar, não preciso de dizer quais, preciso? Não me apetece estar a fazer a lista agora, é domingo à noite e o cansaço aperta, porque fruto de semanas intensas de trabalho, que não deixam grande margem para outras vontades. Não me venham dizer que é a mesma coisa, não é, e volto a dizer que sou outra quando estou de férias, quer dizer, tenho outra disposição e tempo que não se comparam aos dos dias que escapam por entre os esfalfados dedos todos das duas atarefadas mãos.
Desta forma, não sei se o trabalho dignifica. Que estafa, estafa, em certas áreas, se feito de determinadas formas, por várias razões. Portanto, deve dignificar, e de que maneira. (A excessiva divinização do trabalho como valor inquestionável é outra vertente a abordar, e se liberta ou escraviza.) E deve dignificar também porque há quem se realize através dele, sob variadíssimos aspetos. Mas também há quem se realize em casa, pelos vistos, e não há razão para que assim não seja. Dessa forma, a cada uma a sua dignidade. Que reside em muitas mais coisas, de resto. E, dessa forma, também, a cada uma o direito de celebrar o dia. Ou até estar-se nas tintas para ele. A cada uma, o seu dia.