março 31, 2013

As portas da compreensão

Nunca vou compreender a razão de tanta confusão por se professarem religiões diferentes, sobretudo hoje em dia. Sobretudo as três monoteístas, que bebem de uma fonte comum, incrivelmente comum. Mas, mais uma vez, e ao ver a série americana de empreitada, como não fazia há anos, deduzo que o que tem movido os homens, e as mulheres, que não estão igualmente isentas nem de louros nem de culpas, tem sido desde sempre a terra, os territórios. E por causa dessa absoluta sede de conquista, que atravessou séculos e séculos, confundiu-se a religião como o elemento motivador ou perturbador. O credo, ou ausência dele, está lá, subjacente, mas como desculpa e instrumento para galvanizar posições e lutas em prol de um objetivo: o poder, tomando-o ou mantendo-o. Nos episódios tratados, ficou bem patente a luta por uma identidade, por uma nação, ou, melhor, por identidades que não querem definhar e nações que não querem perecer. Uma luta física, violenta, evangelizadora ou não, mas pouco ou nada espiritual. Por isso, quando se chega a Cristo, é uma paz que entra pela alma adentro porque não foi o rei que outros sempre clamaram ou ambicionaram ser, numa superior passagem cá por baixo que o torna único e o mais inspirador de todos. E que disse ainda que para todos a porta deve estar aberta. Com tudo o que isto significou no passado e ainda significa ou deveria significar no presente. Insisto que não compreendo a confusão, a nível coletivo e individual, entre as três grandes religiões que têm um só deus, e não compreendo que, ainda hoje, ao invés de se abrirem, se fechem todas as portas. Ou provavelmente compreendo, tendo em conta a história das mesmas, mas rejeito. Rejeito esse fechar de portas, nacional, regional ou pessoal. Porque não é o caminho. 



(Há mais umas coisitas para abordar, claro, mas fica para um próximo post.)

março 30, 2013

O cavalheiro de ferro

Photo: Na véspera de não partir nunca 

Álvaro de Campos

Na véspera de não partir nunca 
Ao menos não há que arrumar malas 
Nem que fazer planos em papel 
Com acompanhamento involuntário de esquecimentos, 
Para o partir ainda livre do dia seguinte. 
Não há que fazer nada 
Na véspera de não partir nunca. 
Grande sossego de já não haver sequer de que ter sossego! 
Grande tranquilidade a que nem sabe encolher ombros 
Por isto tudo, ter pensado o tudo 
É o ter chegado deliberadamente a nada. 
Grande alegria de não ter precisão de ser alegre, 
Como uma oportunidade virada do avesso. 
Há quantas vezes vivo 
A vida vegetativa do pensamento!
Todos os dias sine linea 
Sossego, sim, sossego... 
Grande tranquilidade... 
Que repouso, depois de tantas viagens, físicas e psíquicas! 
Que prazer olhar para as malas fitando como para nada! 
Dormita, alma, dormita! 
Aproveita, dormita! 
Dormita! 
É pouco o tempo que tens! Dormita! 
É a véspera de não partir nunca!

Ouvi e vi Jeremy Irons hoje na televisão, numa breve entrevista dada a propósito do filme "Night Train to Lisbon", dizer que viveu muitos anos na Irlanda e que os problemas de lá são os mesmos de cá, graves e profundos, ou adjetivos do género. E disse ainda que temos ("we have") vivido acima das nossas possibilidades desde há 20 anos a esta parte e que aqui está o resultado desse capitalismo desenfreado.
Agora é que são elas. Como reagir? Serena e lucidamente, porque é uma verdade (já lá vamos) ou atirar-nos indignadamente contra o ator? Afinal, foi o mesmo que a Jonet disse há uns tempos atrás e viu-se a onda de protestos que correu o país. Nada me leva a defender Isabel Jonet, nem lhe conhecia a cor nem as origens e mesmo conhecendo um pouco mais é-me perfeitamente igual. Não fui na onda coletiva de achar que me estava a ofender, não vi a questão dos bifes senão como uma metáfora, não me melindro ouvir dizer que, nesta altura, há prioridades em detrimento de outras, nomeadamente concertos para trás para adquirir manuais escolares. Se gosto do que isso significa? Não. Se me sinto bem por andar para trás e ganhar apenas para pagar contas e ver muitas expetativas defraudadas? Não. Se sou indiferente ao desespero de quem já pouco ou nada tem porque já não é de viver mas de sobreviver de que se trata? Não. Porque esta crise não é mais do que um retrocesso, um retrocesso a vários níveis e qualquer retrocesso quando já havia registado avanços e ganhos é sempre uma derrota. Uma derrota de um estilo de vida que já havíamos alcançado ( e lutado por alcançar). E sobretudo uma derrota na dignidade quando já se está ao mero nível da sobrevivência. Mas esse facto não invalida que Irons também não tenha razão. Alguém duvida que o capitalismo selvagem em que as nossas sociedades ocidentais se movem não é responsável por este estado de coisas? Alguém duvida que o consumismo sem regras nem limites tem tido o mesmo efeito? Alguém duvida que o sistema financeiro e a supremacia das multinacionais e afins tem criado os problemas que existem? Ou parte deles? Parte deles, pois com competência e honestidade as coisas poderiam ter sido bem atenuadas ou mais facilmente ultrapassáveis. Também é uma verdade. Ou devia ser.
Não percebo de economia, nadinha, nem de política, a bem dizer. Mas não podemos negar, creio, a enorme responsabilidade do capital, do consumo, conjugados com irresponsabilidades estatais e políticas e, atrevo-me a dizer, que com algumas das próprias sociedades, ao compactuarmos com estilos de vida que estão focados no ter e ostentar, sem real capacidade financeira para isso, muitas vezes. Deixaram-nos acreditar que as posses eram reais e não eram. Mas sobre a loucura do consumismo e das suas consequências mais nefastas não vou dissertar aqui hoje.
Falava do Irons. Será que lhe vão perdoar? Perceberão que é uma crítica a um certo tipo de trituradora  sociedade que nem toda a gente defende?  Ou vão deixar de ver os filmes do ator por causa do que disse? Será ele um insensível? Feito mesmo de ferro? Ora, ora, e muitos a pensarem que ele era (apenas) um cavalheiro.

O tempo dos romanos

Aqui está uma das minhas boas memórias de Páscoa.
Não sei bem em que ano é que vi, porque foi exibida várias vezes, em diferentes anos, mas isso não é relevante. Belos tempos, outros tempos. Nomeadamente um tempo em que havia tempo para acompanhar séries na televisão. Sobretudo acerca de tempos distantes. O tempo do império romano, vá lá saber-se porquê sempre gostei de o ver no écrã, deve ser porque há ali uma carga estética considerável, o tempo de jesus, que é sempre, sempre uma figura de eleição, o tempo do caos a ver nascer uma nova ordem, o tempo, porque não podia deixar de ser, o tempo dos amores que brotavam entre pessoas com credos diferentes. O tempo dos senhores, o ano do senhor.


(A.D. Anno Domini. Belísima partitura de Lalo Shifrin e bom naipe de atores, ainda por cima.)

março 29, 2013

A lógica dos afetos


Já há algum tempo disse aqui que as bandeiras não podem ser maiores do que os afetos ou coisa parecida. Mantenho. Mas os afetos também não podem sobrepor-se sempre à lógica. Se as bandeiras não devem condicionar os afetos, também os afetos não devem condicionar o pensamento. Expliquemo-nos.
Gosto de uma pessoa, de várias. Porque são meus familiares, meus amigos, meus companheiros de aventuras e lutas. Ou nem sequer fazem parte do meu núcleo físico de companhias. O que é certo é que eles apresentam ideias e opiniões totalmente diferentes das minhas. A nível político, social e outros. Deixo  de gostar deles e de os apreciar, pelas inúmeras qualidades que têm, só porque içam uma bandeira diferente da minha? 
Por outro lado, vejamos. Tenho compinchas, amigos, camaradas, que comungam das minhas convicções ideológicas. Ou tenho familiares de quem gosto muito, com ideologias ou não. Então por causa disso ignoro-lhes os erros, perdoo-lhes as más opções, sigo-os incondicionalmente, caio numa espécie de fanatismo cego, surdo e mudo que me impede de ver, ou melhor, de reconhecer que falharam ou falham, que agem mal e que me impede de dizer que não estou com eles porque não sou assim nem quero ser.
Assim estamos. Por muito que defenda uma ideia o afeto é essencial e sem ele a vida emocional não é comportável. E por muito que tenha afeto por alguém não podemos demitir o pensamento e pura e simplesmente ignorar a lógica. 
Se isto tem alguma lógica, é discutível. Mas não deixa de fazer pensar. Independentemente dos afetos, claro.

Inocentemente e não



É para aí a terceira vez que aparece uma imagem relativa a este filme aqui no AE. E bem pode não ser a última. Consigo encaixá-lo em vários capítulos e considero-me culpada pelo culto que lhe dedico desde a primeira vez que o vi. A renúncia, leitores. Aquela renúncia apertou-me a garganta como não é comum na maior parte dos filmes. Culpados por quase me terem feito chorar, culpados por elevarem o romantismo ao seu expoente máximo, culpados por terem eternizado uma história de anjos que não são inocentes e de amantes que o escolheram, apesar de tudo, ser.

março 27, 2013

O português de Paris




Opinar em cima do acontecimento não é geralmente boa prática. Há uma dose de emotividade considerável e perpassa, por isso, uma maior ausência de racionalidade do que seria desejável. As reações a quente diferem frequentemente da reflexão à posteriori. Pelo menos no tom, na veemência, na intensidade. Até que ponto diferem na perspetiva e na essência da análise é outra possibilidade a ser estudada. Daí que o que vou transcrever aqui foram os dois status que fui partilhando no FB à medida que fui vendo a entrevista. Sim, a entrevista vi. E aqui está o que apontei, a quente. Resta saber se manterei o mesmo depois ou terei outra impressão. Que não interessa nada, de resto. Isto das opiniões vale o que vale, sobretudo para quem não se move no mundo da política nem nada parecido. E no mar de opiniões que vai ser escrito por aí, esta é apenas uma pequeníssima e pouco significativa gota.

Pode ter feito a cadeira de filosofia mas não aprendeu a refletir: o discurso de sempre, assume as responsabilidades de governação mas não diz quais e recusa as que lhes são apontadas, continua a pose da teoria da conspiração ("narrativa" e "narrativa única"), da arrogância e, basicamente, da falta de humildade. Mais do mesmo. Não chegou antes? Não vem trazer nenhum benefício social nem político, nesta altura. E, come on, não tem mais nenhuma ambição política? Tell me another, baby.

E mais à frente...

O estilo de sempre, irrita-se com as perguntas quando não lhe são de feição, aliás, diz que são perguntas que defendem o atual (des)governo, atropela os jornalistas, enfim... Uma coisa é certa: não lhe falta lábia/audácia e vai ser o grande opositor, já que Zé nunca foi seguro. Resta saber para quê. Entre ele e os outros que estão e vão estando, venha o diabo e escolha.

março 26, 2013

Perguntas retóricas

  
                                  

De vez em quando há assim umas quebras, que em mim coincidem quase sempre com períodos em que estou mais cansada ou até adoentada. Nessas alturas, para-se obrigatoriamente e muita da correria que impomos a nós mesmos deixa de fazer sentido, ou pelo menos, o sentido que lhe damos quando estamos bem e corremos.
Não porque desacredito subitamente daquilo que faço e me fazem fazer e aceito e gosto de fazer. Mas porque, caramba, cada vez somos mais maltratados, e falo dos profissionais onde me insiro, e não abrandamos o ritmo e diminuímos o esforço. Vejamos. Direitos adquiridos que já foram, cortes sistemáticos nos salários, congelamentos na progressão da carreira, privações de subsídios, para além de sermos atolados com exigências crescentes de sucesso, de burocracia, de tempo. Porque continuamos a trabalhar intensamente, a chegar, por vezes, ao limite da dedicação e do esforço é algo que ainda ocupa o meu rol de inquietações.
Se por um lado, não podemos baixar os braços e deixar de continuar a produzir, e bem, até porque trabalhamos em prol dos alunos e do saber (ou devíamos), por outro, revelamos uma total incapacidade de resistência e luta contra o sistema e as ideias governativas que têm assaltado as escolas desde há anos e anos. Até porque também sem professores não haverá escola. Por muito que se apregoe do lado de fora saber o que é o ensino poucos lhe resistiriam quando mergulhados nessa realidade, se de facto com ela vivessem como quem está dentro. Mas avançava eu com a ideia de que a resistência por parte dos profissionais do ensino não existe. Pois não. Pois não são as manifestações de um dia ou outro que significam resistir e não compactuar com o que de mal tem vindo a ser feito. Por mim, não são. Cada vez menos me apetece ir a uma, onde não consigo soltar palavras de ordem que depois vão de total encontro àquilo que vejo fazer-se. Que adianta uma manifestação em que se pedem explicações ou demissões quando depois na prática, no dia a dia, somos cordeirinhos de carga, que fazemos o que nos pedem - melhor, que fazemos até o que não nos pedem? 
Gosto, zelo, brio, cooperação, amizade, respeito, criatividade, missão, assim vamos tecendo os dias feitos destes e doutros afetos e qualidades. Ou até de defeitos... não entrando por aí, para já. E avaliação de professores, claro, um visionário e inteligente distrator que nos vai arrastando a todos. Pelas mesmas coisas que indiquei há pouco, de resto. E assim despendemos as energias, chegando estoirados aos finais de período, num cansaço que é bom dizer quando é pessoano mas que muitos ainda teimam em esconder ou desvalorizar quando é pessoal. Ou só confessam baixinho. Porque fazemos tanta coisa? Ou ainda, para que é que fazemos tanta coisa? Para quê, insisto.  Não estou a falar das aulas, de longe, elas são o essencial e aquilo que não devíamos descurar nunca, mas de outras dimensões. Para quê, pergunto. Onde fica a vida familiar, e mesmo social, no meio disto tudo? Tentamos compensar nas apertadas interrupções letivas? E o resto dos dias? Os nossos filhos, os que amamos? Para quando tempo e energia para eles?
Bom, suponho que o mesmo se possa dizer de outras profissões, se não de todas, dependendo da forma como são encaradas e vividas. É bom sentir que somos úteis, válidos, necessários, apreciados, certo. Mas quem nos dirige os destinos lá nos gabinetes não nos aprecia nem nos trata como tal. Ora isso é que me continua a fazer espécie em dias não ativos, quando há tempo para pensar e às vezes não há a energia habitual para dar. Ou sequer a vontade. Porque e para quê nos estafamos desta forma hoje em dia, apeteceu-me hoje perguntar em voz alta. E sei que há quem pergunte o mesmo. Era bom era que passasse das perguntas retóricas. Isso é que era uma manifestação.

março 24, 2013

Aminas

O corpo de uma mulher pertence-lhe. Pode não concordar-se com o que ela faz dele mas é seu. E de mais ninguém.

 

Diferente entre iguais



Não faço trabalhos de grupo para avaliação a inglês. Para avaliação, repito. Outros vou fazendo, e geralmente os alunos gostam, por se criar um momento na aula diferente, não tão centrado no professor ou no quadro ou no resto. Nem todas as turmas o permitem nas melhores condições, também é verdade, e faço provavelmente mais trabalho de pares. Não para avaliação, repito, por duas razões: a primeira porque no inglês é o conhecimento da língua que me interessa, comunicar em língua estrangeira é uma competência individual, que importa fortalecer individualmente; a segunda, porque muitos trabalhos de grupo não o são, na realidade, ou seja, uns trabalham e outros nem por isso, por várias razões. Daí que avaliar por trabalho de grupo seja falacioso, sobretudo se for escrito, pela razão de que uma língua estrangeira é, repito, para ser dominada individualmente.
Por outro lado, mesmo noutras disciplinas, avaliar por trabalho de grupo pode ser também enganador pelas mesmas razões que apontei, a não ser que seja pedida uma defesa oral do trabalho, o que não acontece muitas vezes, pelo menos da mesma forma em todos os ciclos ou anos. E até compreensivelmente, é possível. Este post direciona-se mais para o secundário e ensino de adultos. O trabalho de grupo como elemento de avaliação fundamental pode ainda ter a desvantagem de ser extremamente penoso para elementos do grupo que não se dão, ou que não trabalham bem em conjunto. Estar a obrigar pessoas que não comungam de uma série de aspetos que os levariam a trabalhar em harmonia é algo que não defendo. Há sempre quem diga - porque o escuto, nas reuniões e não só - que os alunos quando forem trabalhar para uma empresa têm de trabalhar em equipa, em grupo, em conjunto e que, portanto, têm de se habituar.
É verdade, há empregos e trabalhos em que os trabalhadores dependem mais entre si do que em outros, em que o trabalho de equipa é fulcral, em que essa cooperação conjunta é frequente e até constante. Mas há uma escolha, quer dizer, uma hipótese de escolha. Se não me dou com alguém com quem tenho de trabalhar de forma próxima e intensa, posso ir embora. Pura e simplesmente sair, isto se puder arcar com as consequências, estando consciente delas e das alternativas possíveis. Porque resume-se a isto: se o mal estar for de grande amplitude, se me incomodar de uma forma que não posso compactuar, por variadíssimos motivos, posso ir embora. Pois ninguém é obrigado a trabalhar (nem a viver, como sabemos) com quem não nos entendemos, com quem nada temos em comum, em súmula, com quem não queremos. 
Pode, quando muito, aguentar-se, e aguenta-se, situações deste tipo por diversas razões, mas trata-se provavelmente de uma situação insustentável a longo prazo. Não fará parte do nosso projeto de vida trabalharmos com quem não conseguimos trabalhar. Daí que forçar trabalhos de grupo na escola, da forma que às vezes acontece, em que são inclusivamente dadas classificações individuais baseadas nesses trabalhos, não é, de todo, uma prática que aprecie minimamente. Talvez porque já tenha sentido o desespero que é ter de encaixar à força em grupos ou ter de funcionar de maneira que outros funcionam, quando a produtividade é a mesma ou maior ainda. Em escolas ou em ações de formação. E como desejava que chegassem ao fim, rapidamente, essas passagens. 
Os resultados e as performances finais não podem ser todos medidos pela mesma bitola. Os outros não têm, não terão, culpa de funcionar, ou não, de uma determinada maneira. Mas nós também não. Capacidade de adaptação, flexibilidade e outras precisam-se e fazem milagres, mas quando nem estas surtem efeito, não há forma de se poder avançar. Porque pessoas felizes produzem mais e melhor do que pessoas infelizes. Portanto, há dois caminhos: ou não nos exigem trabalharmos com quem não conseguimos ou vamos embora. É um direito. Pena que os alunos não o possam fazer com as avaliações de grupo tão em voga. (Reflexos de um país que não valoriza nadinha a autonomia. Com os resultados que todos conhecemos. A continuar, portanto. O tema.)

março 21, 2013

Filosofia(s) e a felicidade que podia ser

                                         

O dia da felicidade, o dia da poesia, o dia da primavera, o dia da árvore. Gosto de tudo isso mas é muita coisa para celebrar de uma só assentada. Não tive tempo para nada de especial nem ontem nem hoje. Proponho que amanhã seja o dia de coisa nenhuma. Prometo que assim até escreverei um poema debaixo de uma árvore, ao sol, claro, e desta forma imensamente feliz. Desde que não haja nada para assinalar no calendário a não ser mais um dia em que nos aguentamos por cá. Pois isso é que é para festejar.

Vai daí que Portugal é fantástico. E anedótico. O fantástico está na sua poesia, no tempo da primavera, nas árvores. E na felicidade que com isto é possível sentir. Que depois esbarra com o anedótico. Que está nas pessoas. Eu que até gosto de filosofia não me apetece ouvir o recém filósofo para além do nome na televisão. Compreendo que ele está em mobilidade mas não me apetece. Por outro lado não quero ir para a minha, salvo seja, mobilidade por não ter horário nas escolas. É que é um bocado diferente em aspetos fulcrais. E olhem, caros leitores, que não é o facto de eu não dar filosofia.

março 20, 2013

Provocações

Para os mais desatentos. Há vida(s) para além das medidas perfeitas, dos trapinhos atrevidos e dos peep toes. E não da forma que  alguns poderão neste momento estar a pensar. 
   
                    

março 17, 2013

Domingo à noite


Ainda a propósito do dia da mulher e do que fui lendo na blogosfera. Num blogue indiscutivelmente de topo, dava-se vivas à mulher que é mãe e à mulher que é doméstica. Não vi mal nisso, quando li, de longe. Vi isto como a lembrança destas facetas, por vezes subestimadas e esquecidas, na voracidade dos estímulos da mulher moderna, da mulher dinâmica, da mulher sexy, da mulher revista. No entanto, ao ler os comentários (que são uma realidade frequentemente bem mais sui generis e polémicos do que os próprios posts) apercebi-me de que poderia instalar-se uma espécie de guerra por, elevando estas categorias femininas, não se fazer a apologia da mulher trabalhadora. E vi nascer, então, uma outra abordagem do post que não concebera até ali. Por tudo o que fui lendo, insisto. Porque se chegara a uma ideia de que o trabalho (não) dignificaria mais a mulher, de que a mulher em casa (não) seria tão válida como aquela que tem um emprego. Eh lá, afinal o alcance do post podia ser bem maior do que, afinal, eu supusera. 
Dei por mim a cogitar nisto, pois, no trabalho e na maior dignificação da mulher (e do homem) através dele. Declaro que uma mulher que não trabalha não é menos digna do que uma que não trabalhe. E que portanto merece celebrar o dia da mesma forma que as outras. Penso ser verdade, também, que a maior parte trabalhará porque necessita, e não estou propriamente a falar da realização pessoal ou em ir ao encontro das suas capacidades criativas ou outras do género. Pelo menos, trabalha em horários e ritmos que levam a indicar essa necessidade - houvesse mais flexibilidade horária e o mesmo salário e depois veríamos.  Muitas cortariam certamente parte do seu horário, pelo menos as que dão o litro, seja lá porque for, e sentem necessidade de mais tempo para si e para os seus, seja lá porque for. 
Nada tenho contra quem está em casa, com quem tem a possibilidade de fazer essa escolha (partindo do princípio de que o será). Muito pelo contrário. Tenho até uma certa inveja da disponibilidade física e psicológica de quem não tem de correr o dia todo numa espantosa e perigosa gestão de vários espaços e agentes ao mesmo tempo. O que eu sinto em tempo de férias aproximar-se-á disso. Claro, talvez não sinta aquela adrenalina de estar a criar e conviver, de realizar-me através de algo que não sejam tachos e tanques (que há quem goste, portanto mais fácil ainda), mas meu deus, a disposição, a disposição para um certo número de coisas e o tempo, são tão outros. Nada contra quem está em casa, por mim, podem festejar o dia da mulher à vontade. Emprego não é sinónimo de condição ou género. (Festejem. Até porque estarão bem mais à-vontade do que eu e outras, certamente, apertadas entre tantas solicitações. )
E aí é que eu quero chegar. Não é a mesma coisa. Não digam que é a mesma coisa estar em casa a cuidar desta e a cuidar dos filhos, ou não, porque não é. Porque quem trabalha também tem casa e tem filhos, ou não, e em vez destes apenas, há mais uma série de coisinhas a juntar, não preciso de dizer quais, preciso? Não me apetece estar a fazer a lista agora, é domingo à noite e o cansaço aperta, porque fruto de semanas intensas de trabalho, que não deixam grande margem para outras vontades. Não me venham dizer que é a mesma coisa, não é, e volto a dizer que sou outra quando estou de férias, quer dizer, tenho outra disposição e tempo que não se comparam aos dos dias que escapam por entre os esfalfados dedos todos das duas atarefadas mãos. 
Desta forma, não sei se o trabalho dignifica. Que estafa, estafa, em certas áreas, se feito de determinadas formas, por várias razões. Portanto, deve dignificar, e de que maneira. (A excessiva divinização do trabalho como valor inquestionável é outra vertente a abordar, e se liberta ou escraviza.) E deve dignificar também porque há quem se realize através dele, sob variadíssimos aspetos. Mas também há quem se realize em casa, pelos vistos, e não há razão para que assim não seja. Dessa forma, a cada uma a sua dignidade.  Que reside em muitas mais coisas, de resto. E, dessa forma, também, a cada uma o direito de celebrar o dia. Ou até estar-se nas tintas para ele. A cada uma, o seu dia.

março 15, 2013

March



It´s not that cold. In fact, it´s not cold at all. 
But the rain, it´s the rain, the neverending rain.
It´s worse in Spain, to what it seems.
But there it´s mainly in the plain.
Plane? I thought you were going by train.
I am. Rain here and rain there. Soggy weather.
Foggy?
That too. But soggy days, see?
Soggy month. Yes, the sea. What´s it called there?
Dead. 
I see... 
Dead cold it has been. And now rain is on the march.
Nevermind the rain. 
You don´t understand. 
Kind of poetic in the city...
To hell with poetry when rain is in my heart, too.
Ok, get your umbrella. Let´s march against that rain. 



março 14, 2013

E agora para algo completamente diferente



1. Duas coisas a favor do novo papa: não se chamar Bento (que nome, santo deus) e ser sagitariano, o que me leva a esperar mais bom humor do que se fosse de uma série de outros signos zodiacais (não, não digo quais). Começou bem, neste aspeto. Valha-nos isso. O resto fica para depois. Ah e, claro, a velha e fria Europa bem que pode arrebitar com o fulgor emergente lá das tierras del fuego. Malgré os 76.

2. O Dia da Árvore este ano chegou mais cedo às escolas. Não vejo mal nenhum, Já que o Natal é sempre quando um homem quiser, ou devia, aquele pode ser quando uma mulher quer. E houve uma, que não propriamente querendo, também nada se importou. E, sim, plantaram-se árvores e houve sol. Não fosse o frio, era a Primavera que também chegaria. E isso era um desejo daqueles. Vero.

3. Parece que as energias renováveis renovam mesmo. Ou foi e é por eu ter sido DT deles três anos (chorar ou rir, eles que risquem o que não interessa) ou é a corrente do curso que, pelos vistos, não se esgota. Basta uns minutinhos com a rapaziada e eis que as gargalhadas repõem os valores energéticos em baixo típicos do desgaste do final do período. Recomendo. A turbine a day keeps the doctor away. 

março 12, 2013

Atirar ovos


Estamos, os professores, a viver semanas infernais nas escolas, com o aproximar do final do segundo período e as avaliações finais do mesmo. Reuniões, papeladas, grelhas excel, correções de testes e trabalhos, atividades de animação escolar, aulas e preparação das mesmas, tudo envolto no mais perfeito rigor, seriedade, competência, boa vontade, criatividade, enfim, aquilo que faz os nossos dias e boa parte das nossas noites. E exigem-nos alunos com bons resultados, ou pelo menos positivos, que vamos tentando e conseguindo graças a um espantoso uso de malabarismos vários. O leitor fora deste cenário pensará que mais não fazemos que a nossa obrigação. Sim, há uma parte que sim, haverá outra que levaria horas a debater. Mas o centro de recursos de habilidades que vamos construindo esbarra num pequeno, pequeníssimo pormenor - a postura dos alunos face às aulas, à escola, ao ensino/aprendizagem. E também a postura dos seus pais e mães, que, sendo muitas vezes os primeiros a apontar a espingarda contra a classe, ajuda, espante-se, a este estado de coisas - a total desresponsabilização dos discentes no sucesso educativo e nas metas exigidas pelo ministério, pelos papistas maiores do que o papa (a propósito, já há fumo? - as grelhas excel e o resto não me deixam ver mais nada, é a ignorância completa), pelos obcecados dos rankings, pelos guardiões do umbigo das suas gestões, pelos propagadores do sucesso à força. 
Vem isto tudo a propósito por causa do incrível concerto do miúdo, marcado para uma não menos incrível terça feira à noite. O que se vê na televisão quando se tem uns minutitos à mesa ao jantar  que nos permitem entrever um bocadinho do que por aí vai? Uma multidão de garotada acampada desde há dois dias à porta do local do incrível evento e a embevecida e compreensiva colaboração das suas incríveis mães. Nada tenho contra o fenómeno de idolatria nesta faixa etária (já não digo o mesmo da idolatria em idade adulta), eu própria tive os meus ídolos pop da altura e lembro-me de ter o quarto cheio de posters deles (e de alguns atores - inclusivamente os clássicos dos anos 50 e 60 - porque, sim, o gosto pelo cinema nasceu cedo). Mas não me lembro de assistir a um concerto quase a meio da semana e, pior, levada pela minha mãe. Pior porque, e agora sim, cá está, porque aquela miudagem toda faltou às aulas, pelos vistos dois dias (segunda e terça), dois dias numa semana de avaliações (e mesmo que não fosse) e as mães sabem, aceitam, colaboram, transportam- nos, sorriem. E provavelmente justificam na escola. E na justificação, dirão a verdade ou alguma mentira? Justificação - viagem a Lisboa  para/concerto de Justin Bieber ou gripe? Eu, que vivo a quase 300 km de Lisboa, também gostava de ir mais vezes à capital e ver espetáculos a que aqui não tenho acesso, e que ocorrem durante a semana, mas não penso que ninguém me aceitasse a justificação. A da deslocação, nomeadamente. Ou até a da ressaca, depois de uma noite mal dormida a regressar a casa.
E assim vai o ensino. Uma euforia enorme por faltar às aulas (todos nós o fizemos ocasionalmente, mas ocultávamos tal facto dos nossos pais e como os temíamos quando descobriam). Uma euforia natural da garotada - naturalmente - e uma complacência dos progenitores (afinal os pais também devem ter concordado) que não devia ser natural. Ai as metas, meus senhores, as metas. Não deviam ser só os professores a trabalhar para elas, ou deviam? É que não se fazem omeletes sem ovos. Por falar em ovos, apetece atirar uns. E não  propriamente ao artista canadiano.

março 10, 2013

Os homens não choram?



Não sou, francamente, muito adepta da guerra dos sexos e de perspetivar o caráter dos indivíduos através desta tipologia. Muito menos de comprar guerras na blogosfera (nem em lado nenhum); quando tenho uma opinião muito, muito diferente, muitas vezes abstenho-me de comentar, por opção, ou poderei comentar mas dentro dos limites do bom senso e da moderação do tom. Embora seja direta e aprecie a verdade, sou adepta do uso da inteligência emocional, aquela que tem em conta vários fatores que vão para além do que dizer o que se pensa incondicionalmente. E adepta do humor, também. E é com alguma graça e não como qualquer tentativa de ataque (livra, gosto tanto de paz e sossego) que escrevo este post.
Reparei e reparo que os blogues intimistas (que aprecio), onde são expressas queixas e vulnerabilidades, não pertencem a homens. Escrevem eles geralmente sobre política, atualidade, futebol, sociedade mas nunca sobre eles mesmos. É pena. Pessoalmente gostaria de ler sobre o que lhes vai na alma, pois não acredito que não se passe lá nada. Até porque em conversa com alguns, sei que também sentem desmotivações e angústias, daquelas que não são sociais, embora poucos o consigam expressar. Ora, porque será? Donde lhes vem esta incapacidade - ou inibição - em falar o que lhes vai lá dentro? Será que, à semelhança das mulheres com as questões da imagem e dos talentos de fada do lar, também lhes são exigidas posturas e atitudes, sendo que as mesmas nunca podem mostrar fraqueza? Ou até sensibilidade? Sendo que a fraqueza é um epíteto falso - revela força quem consegue admitir uma dificuldade. E isto vale para os dois sexos.
Realmente, se assim for, se nada dizem do que sentem, se nada dizem das suas preocupações individuais, se nada dizem acerca  do que faz parte de si e do seu mundo interior, mantém-se a ideia de que são menos problemáticos - quando não serão -, menos preocupados - serão? -, menos complexos. Porque a ausência de exposição dos seus sentimentos (e não das suas opiniões e ideias) faz parecer que a tudo são imunes, se nos circunscrevemos aos problemas e sensações menos positivas - (des)amores, cansaço, melancolia, rotina, stress, trabalho, solidão e outros. Apreciando a coragem e a força, nas pessoas e não somente neles, também aprecio a confissão de estados de espírito menos eufóricos ou triunfantes. Porque existem.
Desta forma, agradeço que me indiquem blogues masculinos em que haja mais do que um universo de opinião e crítica. Não desvalorizando estes, de todo, por vezes apetece-me ler coisas mais intimistas online. Há-as, poucas, ao que sei, e esporadicamente, e como aprecio lê-las. Porque isso aproxima-nos, a nós, mulheres, e a eles, homens. Uma proximidade que vai para além do que é cultural e socialmente expetável e cultivado. Porque os homens também choram. Ou será que não?

março 09, 2013

Modernidade vs modernices

Amiúde vejo pensar-se que ser moderno é acompanhar as tecnologias, exibir estilo, frequentar os locais in, beber uns copos. Nada contra a diversão e o resto. O pior são outras coisas. As cabeças. Essas continuam na época medieval. Ou, vá, na idade da pedra.

Dias de glória, dias de luta

 

Ontem foi o Dia da Mulher. Embora pessoalmente não sinta nadinha de especial ou diferente neste dia em relação aos outros (excetuando talvez o dia de aniversário e mais dois ou três) também não tenho nada contra. Na verdade, e como bem falávamos ao almoço ontem, este dia existe para assinalar uma luta, para que não se esqueça o muito que ainda há a fazer neste campo, seja em sociedades onde o papel e estatuto da mulher ainda estão claramente desfavorecidos, quer nas outras, naquelas em que, parecendo ter-se alcançado todos os direitos, permanecem subtilmente diferenças de tratamento, de oportunidades, de remuneração, entre outros aspetos.
Já hoje de madrugada, depois de ter vindo de um sarau com poesia e jantar gourmet, onde se fez, no final, uma pequena homenagem às mulheres, ainda passei os olhos por alguma blogosfera. Pouca, mas aquilo que li não me convenceu. Dizer que as desigualdades apenas imperam nos países árabes, África e oriente, era, ainda assim, bom demais. Pois não acredito que no resto do mundo a mulher usufrua da igualdade em relação ao homem em todas as vertentes. Nem sequer importa falar em regiões ou países. Até porque muitas continuam a não ter (uma) voz, até porque continuam a perpetuar-se as expetativas em relação ao seu papel e deveres na sociedade e na organização do lar, inclusive, até porque continuam a ser entraves realidades como a gravidez e a maternidade no emprego e na empregabilidade, até porque se continuam a confundir direitos e liberdade com opções que as transformam nitidamente em objetos sexuais. Como brinquedos que, disfarçados de escolhas, continuam apenas a servir os homens. Escravas de dimensões que parecem ondas de liberdade. 
Por outro lado, a celebração do Dia da Mulher passa, frequentemente, por contornos contrários aos objetivos do dia. Presentes, mimos, escapadelas, juras.  E mais. As saídas em grupo para uma noite mais ousada, livres de maridos e companheiros, leva muitas a locais e comportamentos que passam cá para fora como sendo este um dia propício para alguma libertinagem sexual. Se a libertação da mulher em termos sexuais também é um direito, o propósito de um dia da mulher não se esgota aí, não poderia nem pode esgotar-se aí. Porque então as prioridades e as preocupações em atingir-se a igualdade de direitos saem desvirtuadas. Completamente desvirtuadas. E também não é por imitarem o comportamento dos homens, de alguns ou muitos, que a igualdade é completamente atingida. Esta existirá quando não existirem diferenças sociais, podendo manter-se as emocionais, a existirem. A igualdade também deverá ser sinónimo de dignidade. Na diferença e na equidade, este dia está aí para provarem - ou poderem dar provas - que são tão válidas e valiosas quanto os homens. E isso passa por terem amor próprio e se agradarem a si mesmas e não aos homens, seguindo-lhes os passos naquilo que também não os torna propriamente importantes. Repito, dignidade.
Um dia de celebração pelo conquistado mas sobretudo um dia de luta, séria, por aquilo que falta conquistar. Dispensáveis, portanto, as odes à beleza feminina e dispensáveis as posturas libertinas. Nos outros dias, que se faça isso tudo, se se quiser. Neste dia, não.

março 07, 2013

Era uma vez

Outra vez como assistente do encenador na produção teatral possível feita na escola para as Escolíadas deste ano. Pequenas ousadias que dão um prazer danado. Confirma-se o gosto pelo teatro, pela linguagem dramática, pelo palco, visto cá de baixo, nunca tive coragem  - até porque nunca tentei - de me colocar em cima dele. A peça é subordinada ao tema escolhido, que o título do post indica, e, pela segunda vez consecutiva, escrevi-a. Um prazer ainda maior, uma realização maior ainda. As palavras, os diálogos, as cenas, uma inspiração, pequena mas pessoalmente valiosa, muito tirada do cinema porque também vejo filmes no teatro, numa combinação que passa também pela escolha da música, das imagens projetadas, de toda uma criatividade que é posta à prova, independentemente do alcance apenas local que terá. 
"Uma outra vez" ou os contos clássicos infantis a darem o mote a cenas da atualidade, a problemáticas interiores sobretudo na juventude, a histórias que já foram e serão de todos nós. A estrear em maio, primeira eliminatória. Para o melhor e para o pior, sendo que o bom é criar, fazer, ousar, experimentar, participar. O pior não interessa mesmo nada. Porque estaremos a tentar de novo. Uma outra vez.

         

Cena I
(Uma carpintaria. Um homem – Gonçalves - faz bonecos de madeira. Toca a música "L´enfant", de Vangelis. Os bonecos vão sendo experimentados. Um rapaz – Pedro -  levanta-se subitamente de uma cadeira.)
Pedro - Não te zangues, pai…
Gonçalves - Não é isso, Pedro, mas sabes o que penso…
Pedro - Devias ter orgulho em mim…
Gonçalves -Tenho mas nunca desejei essa vida para ti…
Pedro - O quê? Querias que fosse carpinteiro, como tu?
Gonçalves - Não é nenhuma vergonha…
Pedro - Devias estar contente, poder dizer que o filho de Gonçalves chegou longe e pode chegar ainda mais….
Gonçalves - Desejava que não fosse dessa maneira, sempre to disse.
Pedro (entusiasmo) - É preciso motivar as pessoas, pai! Fazê-las ambicionar, produzir, avançar... Devias ter orgulho que sou capaz de o fazer…
Gonçalves - Tantas mentiras irás dizer, Pedro…
Pedro - Não irei nada. Juro que não, pai.
Gonçalves - Não jures, filho… a última vez que juraste tive que te ir buscar quase ao fim do mundo…
Pedro (mais contido, agora) - Não me lembres, mas eu mudei. Cresci.
Gonçalves - Pois, pois, e o teu nariz também…

março 05, 2013

Até que a morte separe

                 

Bom. Hugo Chavez acaba de falecer - ou eu acabei de saber, mais concretamente - e eis que uma ideia pede para ser registada aqui. A de que não gosto do sofrimento humano, da doença que pode matar, do fim em dor, independentemente se gosto de ou aprecio ou admiro alguém ou não. Independentemente do estilo, da política, da ideologia, mesmo até da maldade. Bem, aqui talvez não seja tão misericordiosa assim, depende do que fizeram, do alcance da sua má conduta. Independentemente se acho graça ou não. Mas dizia que não suporto o grande sofrimento humano e a morte que chega cedo (e tantas vezes demasiado cedo, tão cedo que não podia ser). Desejo força e sorte aos venezuelanos. E aos outros povos. A nós. Porque isto de ser humano...implica respeitar o humano. Em vida e na morte.

Carneiro

                      


Gostas de ganhar, não é? 
Pois, de facto...
Gostas de as dizer sem pensar, não é?
Pois, de facto...
Gostas de mandar, não é?
Pois, de facto...
Gostas de conquistar, não é?
Pois, de facto...
E gostas de amar, não é?
De facto. Ah, pois.



(Final da série, corri os 12.)

março 04, 2013

Há ler e ler há ir e não fazer


Há uns dias folheei uma revista feminina enquanto me encontrava na sala de espera da minha dentista. Dei de caras com um artigo que dizia que um estudo (há estudos para tudo, já sabemos) revelou que os livros de autoajuda afinal são perigosos, sobretudo para as pessoas com baixa autoestima. Porque nem sempre as táticas que apontam surtem o efeito desejado quando postas em prática. Ora bem, já aqui falei sobre este tipo de livros. Desconheço se alguns ou muitos ou todos têm fórmulas que pretendem ajudar a alcançar a felicidade, o sucesso, o equilíbrio e seja lá o que for que as pessoas procuram e precisam. Tipo passos, dicas, que nos fazem atingir esse estado mais facilmente. Quanto a mim, gosto de ler Alberoni, e muito, um sociólogo italiano de renome, que escreve sobre as pessoas, os comportamentos, os afetos, aquilo que me interessa. De facto, vi o último livro que adquiri dele nos escaparates na secção autoajuda e sorri. A minha cotação deve ter baixado automaticamente em certos círculos e, no entanto, a psicologia e a sociologia são áreas do meu interesse. Também me ofereceram "O Segredo" há alguns anos. Não li todo, é verdade, mas a mensagem central é uma grande verdade, a meu ver. Ainda hei de escrever aqui sobre isso. Continuando.
Dizia, portanto, o artigo isso mesmo - o perigo destes livros, por se basear em fórmulas. Ok, penso. Umas páginas à frente, vejo outro artigo (que eu acho sempre que são inventados porque os testemunhos me soam a falso) que diz qualquer coisa como dez passos para chegar ao topo. Profissionalmente falando. Espera aí. Mas isto não são fórmulas? Se não perigosas, um bocadinho irritantes? E, a seguir, como estar bela para uma ocasião e para outra, com todas as dicas, os truques de beleza, os preços nada simpáticos dos trapinhos e acessórios. Também em fórmula, para pôr em prática e ficar irresistível. Sim, também, e desta forma, todas as pessoas e as mulheres muito mais, pelos vistos, ambicionam a beleza máxima e a chave da juventude eterna, a somar a isso. Ora, para quem não o conseguirá - ter as formas perfeitas, ter hipóteses para comprar belas roupas, ter um rosto espantoso, e outros predicados físicos - este tipos de artigos não serão também perigosos? Eu diria que este tipo de revistas femininas (e acredito que algumas masculinas) são um perigo elas próprias. Todas as suas páginas nos inundam com imagens de perfeição, beleza, sedução, moda ímpar, testes, questionários e afins que não mais podem fazer senão criar angústias e infelicidades por não se chegar lá, aos resultados milagrosos. Aliás, a obsessão com a imagem (nada contra tratarmos dela, nada contra queremos parecer e sentirmo-nos bem) não é mais do que o resultado de artigos ocos, de revistas fúteis, se observarmos também um pouquinho melhor. Claro, não serão livros, mas as pessoas leem. E há quem possa sair ferido disto tudo (casos de anorexia, obsessão em imitar as modelos, e tantas outras realidades oriundas destas ou doutro tipo de leituras). Posto isto há, de facto, muita leitura perigosa. Sobretudo quando não a sabemos interpretar. Ou então é isso, o mal não estará nas coisas que se leem mas no uso que fazemos do que lemos. E, voilá, era isso.

março 02, 2013

Além do Tejo


Roubado a uma amiga facebookiana. O Alentejo onde não nasci mas onde tenho raízes e onde gosto de voltar, sempre, todos os anos, e cada vez mais. É a perspetiva de quem é estrangeiro e de como pode usufruir da região, num vídeo promocional bem conseguido. E eu cá gosto porque me tranquiliza, porque adoro a terra, porque me faz bem aquela paisagem, porque desligo de ritmos que não me apetecem ter sempre, porque me delicio com a simplicidade dos dias por lá e porque queria passar lá mais tempo. Oásis de tranquilidade, tão perto, tão nosso. Ou de todos. De todos os que queiram lá estar. Ah... e concordo. Pode ser-se feliz em Portugal. Ou devíamos poder.

Loucura


 

1.O preconceito, o preconceito racial, étnico, cultural, religioso, que grassa pela blogosfera. Claro que ele reflete a cabeça das pessoas reais mas como fujo destas e não me dou com elas a um nível mais profundo não firo as minhas sensibilidades. Solução: deixar de ler certos posts, certos comentários, se calhar até certos blogues.
2.Ainda na sequência disto, há dias entrevi uns segundos de um apontamento que dava conta que o marido tinha matado a mulher, esfaqueando-a ou algo parecido. Cá na santa terrinha. Não se falou da religião, nem tinham porque falar. Pena que o façam quando isso acontece em Marrocos ou no Líbano.
3.No meio deste mal-estar, voluntariamente offline, comprei duas revistas de culinária e apetecia-me (e apetece-me) comer tudo o que vi – o que está nas receitas. Apetecia-me, inclusivamente, cozinhar aquilo tudo.
Anda mesmo tudo doido...

março 01, 2013

Preferir

Entre um culto teórico e um viajante à descoberta, preferirei sempre este último.