abril 30, 2011

Blade Runner II - Love Story

Não sou grande apreciadora do género ficção científica. No entanto, há alguns títulos que francamente me marcaram, uma vez que, muito mais do que a tecnologia e efeitos especiais envolvidos, que detesto, se debruçam sobre aspectos da existência humana. Nesta linha, destaca-se hoje o filme que dá título ao texto.
Tendo já sido visto há bastantes anos, lembro-me sobretudo das impressivas imagens finais, em que a personagem de Harrison Ford se interroga sobre o futuro da sua relação com a de Sean Young. Sabendo que não será eterna, arrasta-se a mesma questão a todas as outras - mas qual será? Qual de nós pode assegurar que a sua relação afectiva, amorosa será vivida até à eternidade? Mesmo sem os condicionalismos de um tempo limitado de vida, quem pode garantir que ela dure para sempre? Por isso a cena final é tão bonita, inesquecível, porque se trata de uma incerteza que a todos nós pertence...
Los Angeles, futuro. Harrison Ford é um ex-polícia (um blade runner) que regressa ao activo para encontrar e aprisionar os replicantes que entretanto se revoltaram numa colónia fora da Terra e que a esta regressam para tentar alargar o seu tempo de vida. Na sua missão, acaba por conhecer a personagem de Sean Young, que é ela própria uma replicante mas que desconhece esse facto, pensando ser humana. Está, portanto, condenada. Os replicantes não durarão mais de quatro anos, tendo sido assim criados como forma de evitar que desenvolvam emoções ou ambicionem alguma forma de independência. Rachel é uma replicante experimental, injectada com memórias de infância transferidas da sobrinha do seu criador, de quem é assistente. Confrontada por Rick relativamente à sua natureza, entra em choque, foge e também ela tem que ser neutralizada. Mas acaba por salvar o blade runner da morte e, obviamente, ele tenta protegê-la.
Com o desenrolar dos acontecimentos e a morte quer do criador quer dos outros replicantes, os dois tentam encetar uma nova étapa, algures. À tocante e filosófica questão - It´s too bad she won´t live, but then again...who does? - Harrison Ford opta por viver na ausência de certeza mas amar, viver. Não eternamente mas o momento, o sentimento, aquilo que faz o seu presente. O futuro.. desconhece-o. Tal como nós.

                                                

abril 27, 2011

(Des)Construção em auto-retrato


Sejamos francos - estamos preparados para falar da nossa alma e sobretudo conhecermos os nossos defeitos? Não, de todo. E, no entanto, o auto-conhecimento é das áreas mais fundamentais da existência humana. Através dele poderemos encetar novas possibilidades e descartar outras, ajustando-as ao nosso eu e construindo, dessa forma, as melhores vias rumo aos nossos desejos...
O que se nota, então? Frivolidade - na maior parte das conversas, falsa autenticidade - na maior parte das posturas, superficialidade - em grande parte das relações, sobretudo se forem de trabalho. Com isto quer-se dizer que não há verdade na maior parte das nossas atitudes, pois não transparecem aquilo que verdadeiramente somos. Porquê? Porque o cansativo e postiço jogo social a isso o obrigará mas também e fundamentalmente por profundo desconhecimento de quem somos. Se ignoro os traços do meu retrato como pintá-lo para que outros o vejam?
Domínios como a psicologia, a terapia, a análise, a astrologia  e outros que tais ainda continuam a ser alvo de estigmas por boa parte dos indivíduos. Troçando e rejeitando as suas potencialidades, continuam aqueles a acreditar em coisas que não são, projectando imagens de si mesmos que não correspondem à realidade nem nada que se pareça. A isto provavelmente chamar-se-á medo. O auto-conhecimento reveste-se de contornos que nem sempre serão agradáveis. Desmontar as peças e ganhar consciência de características menos positivas assusta-nos; queremos ser bons, mesmo excepcionais, a toda a hora se possível, ter domínio absoluto das nossas emoções e, sobretudo, não perder esse domínio perante os outros. Queremos estender as nossas luminosas e às vezes apregoadas qualidades a tudo, trabalho, casa, família, sociedade, amizade e mais que sejam. O lado obscuro...não o queremos entrever.
Qual a razão de não querermos esse confronto? Qual a razão pela qual não queremos aprofundar o conhecimento de nós próprios? Ficaremos mais chatos aos olhos dos outros? Menos divertidos? Ou também acarretará, realmente, algum tipo de sofrimento interior? Não podemos ficar  um pouco melancólicos ou pensativos, pois é. A sociedade de hoje não promove a introspecção, nem a verdade, pelo contrário, exige alegria e tontice em estilo non-stop. E lá continuamos, falsamente impávidos e serenos, usando a máscara que comprámos para nós mesmos e que não ousamos retirar. Preconceito, falta de coragem, pressão, inconsciência, dissimulação, jogo, inverdade, imagem, todos se combinam para nos afastar de nós mesmos.
Faz ... pensar? Estamos a sentir porventura menos ... alegria? Estamos a olhar para ... dentro de nós? Óptimo, óptimo. Precisamos absolutamente destes cortes reflectivos. Não poderemos existir sempre em ritmo voraz... conhecer a matéria de que somos feitos implica tempo, esforço, profundidade, até dor. Podemos não estar preparados mas, diria, é essencial.

abril 19, 2011

Incompatibilidade


Será a vaidade compatível com a felicidade? Não, não é. Esta é a resposta dada no filme Ligações Perigosas, na figura de Madame de Merteuil e na deixa mais emblemática de toda a longa-metragem. De facto, ela triunfa sobre Valmont, para quem o orgulho e a reputação acabam por ser mais fortes do que o verdadeiro amor. Assim, cava a sua infelicidade e mesmo a morte.
Li o livro muito novinha, um romance epistolar de relativa dificuldade para a idade, e foi, pois, já em adulta e no grande écrã que esta história me surpreendeu em todo o seu fulgor. O jogo de sedução, ou seduções, e os jogos de palavras fazem deste filme um invulgar e interessante estudo de enredos palacianos, de histórias de alcova, de  intrigas da nobre corte.
A história gira em torno de três personagens principais, Madame de Merteuil, Visconde de Valmont e Madame de Tourvel. Os primeiros são experientes na arte do amor, ou dever-se-ia antes dizer, nas artes da sedução. Seduzem, gozam, e depois largam as presas sem qualquer pingo de sentimento ou arrependimento. Há neles um lado profundamente diabólico, ainda que, em Madame de Merteuil seja mais tarde explicada a razão de tal comportamento - tendo amado e sofrido, resolveu não mais sofrer por causa de um homem. Desta forma algo feminista, domina os sentimentos, nega-se ao amor, e mesmo os seus ciúmes em relação a Valmont são canalizados para a intriga e para a malícia. Madame de Tourvel, pelo contrário, encarna a virtude. Sensível, honesta, piedosa e mesmo crente, acaba, no entanto, por sucumbir nas garras de Valmont. Contudo ele próprio é surpreendido pelo verdadeiro amor que ela lhe desperta, e renega-o, também, pela reputação de amante e sedutor sem piedade. Desafiado por uma enciumada Madame de Merteuil, espalha a infelicidade em Tourvel e nele próprio, não indo a tempo de redimir o verdadeiro amor que sente pela primeira vez.
Fazendo um paralelo com as nossas vidas, quantas vezes o nosso orgulho nos impede de ser felizes? Não reconhecer o erro, não pedir desculpa, não admitir que se falhou, medo de cair no ridículo - quantas vezes estas atitudes nos roubam vislumbres de felicidade?  Quantas e quantas vezes a nossa vaidade nos fere e nos aniquila? Quantas vezes a falta de humildade cava o nosso destino?
Quantas vezes fazemos nós opções para alimentar o nosso ego, para manter um almejado estatuto, para exibir relativa qualidade, para impressionar apenas os outros, para criar certo impacto? Indo, dessa forma, ao desencontro daquilo que realmente nos podia fazer feliz? Da mais profunda verdade que existe dentro de nós?
Podem, de facto, coisas como o orgulho e o desejo de manter uma reputação traçar muitas das nossas atitudes, laboral, social e até familiarmente. Uma vaidade que nos impede de perspectivar as coisas com autencidade e humildade e que nos afasta, assim, de caminhos para a verdadeira felicidade.
Mas, e apesar de sabermos ou apenas sentirmos que "vanity and happiness are incompatible", quantas vezes insistimos?...

abril 11, 2011

Amor nascente



Caro leitor, deixe-me dizer-lhe uma coisa. Se estiver a sentir um grande mal-estar com o seu presente, então você está pronto para se enamorar de novo. Está naquela situação em que se quer ver livre de uma velha vida para começar uma nova. E só o amor poderá levá-lo à consecução desse novo projecto de vida. Quem assim expõe a teoria do enamoramento como estado nascente é Francesco Alberoni, sociólogo italiano, nos seus belíssimos livros Amo-te e Enamoramento e Amor, este anterior.
Defende o autor que não conseguem apaixonar-se as pessoas profundamente deprimidas, por falta de impulso vital. Mas aquelas em que há um profundo descontentamento com o actual, tendo havido ou levando a rupturas, que estão cheias de impulso vital mas que está ou tem estado de alguma maneira sufocado, por várias circunstâncias, então essas sim estão em terreno movediço para viverem um novo amor.
Pois só um novo amor as pode redimir. Só um novo amor as pode levar ao encontro das suas novas aspirações, dos seus novos planos, das suas novas metas. Encontrando, muitas muitas vezes, alguém que também se esteja a libertar para uma existência diferente, que esteja desiludido, que sinta considerável para não dizer enorme desconforto na sua vivência actual. O encontro de duas pessoas assim leva, quase sempre invariavelmente, a uma fusão de dois projectos de vida. Sendo este o grande ponto de união entre dois seres que se enamoram e querem construir uma vida em comum. Juntos, querem por fim ao que está para trás, acabar com aquilo que não os fez feliz, cortar com laços ou modus vivendi com os quais não se identificam mais.
Explicável. A pessoa que está feliz não se apaixonará de novo no auge dessa felicidade. Tem de haver uma espécie de infelicidade, uma recusa daquilo que está a viver, uma insatisfação gritante prestes a rebentar. Assim está a enviar sinais aos outros, de que procura outra forma de existir, de se perpetuar no tempo. É quase a teoria de "O Segredo", a de que se recolhe aquilo que se envia ao mundo. Então, certamente que um novo amor surgirá. Alberoni também diz que esta restruturação poderá ser preenchida pela conversão religiosa. Assim não sendo, só o enamoramento poderá salvar o indivíduo de uma aniquilação do eu, de uma morte psicológica, de um estado vegetativo em termos afectivos e mentais.
Voltando ao princípio, leitor, olhe à sua volta... Se estiver a sentir evidente mal-estar com o presente  da sua vida pessoal, então...atenção. Precisa de um estado nascente que o (re)desperte, de um amor novo que o projecte em direcção aos seus novos sonhos. D"Um movimento colectivo a dois". Pode, nesta situação, enamorar-se verdadeiramente. Para alguns, será hora...

abril 07, 2011

Ligações quase perigosas


É possível gostar de uma pessoa e não conseguir (con)viver com ela? Sim, é. A Elizabeth Taylor (nem de propósito) e o Richard Burton, que se casaram por duas vezes, afirmavam que se amavam mas que era impossível partilharem a vida. Sem querer entrar pela zona da paixão amorosa, pretendo debruçar-me aqui pela vertente da amizade (ou algo parecido).
De facto, constata-se que ao longo do tempo houve amizades que não se perpetuaram. Umas por percursos irremediavelmente diferentes, nomeadamente profissionais e mesmo geográficos, e outras por diferenças de personalidade, incompatibilidades de objectivos, desencontros nos projectos de vida. E, não se tratando de partilhar a casa, o espaço quotidiano, envolviam, da mesma forma, estar junto. No café, na praia, no parque, no cinema, nos jantares, no lazer, e às vezes no dever, já que algumas ou muitas das nossa relações próximas da amizade se constroem no local de trabalho.
Mas então se fomos próximos de alguma maneira, o que nos afastou?
Afastou-nos essa postura face ao eu e face aos outros, a perspectiva de vermos a existência, a maneira como nos relacionamos com o que está à volta, as metas que delineamos para nós, os actos que acabam por colidir, as reacções que não se encontram. A forma, claramente. E por vezes também a alma.
Não é preciso odiar um individuo para não conseguir con(viver) com ele, longe disso. Há pessoas de quem gostamos sem adorarmos, provavelmente, mas em quem encontramos sempre uma qualidade, ou várias. Ou seja, reconhecemos nelas muita coisa engraçada, que pode ter sido exactamente o que nos prendeu inicialmente a elas. Mas se por acaso a alma estiver em desalinho com a nossa, se a mente se mostrar obscura aos nossos olhos, então será difícil resistir, o relacionamento. Desviamo-nos por sobrevivência, para não compactuarmos com uma maneira de ser e estar e com uma visão com as quais não nos identificamos. Porque queremos estar libertos, de alguma forma, ser nós próprios, escolher outros caminhos.
Depois também aquelas pessoas que até têm uma bela alma, ou perto disso. Mas a forma como a expressam pode tornar-se cansativa, nomeadamente, não se aguentando muito tempo. Demasiado estimulantes, tornam-se...extenuantes. E conseguimos conviver com elas apenas durante algumas horas, partes do dia, enfim, não a tempo inteiro. Há uma forma que não vai ao encontro da nossa. Até porque demasiada intensidade leva, de facto à exaustão. Funciona um pouco como a paixão...esta terá de passar a amor tranquilo para se conseguir respirar.
Encontramos ainda aquelas que são francamente desestimulantes. Não nos cansam, pois não, mas aí também não nos despertam atenção em particular. Podem ser e às vezes são excelentes pessoas, daquelas que se diz é boa pessoa, mas são facilmente esquecíveis, não procuramos a sua presença, e não conseguimos, também aqui, perpetuar uma relação ad eternum. Às vezes fazem parte também da nossa família e  até são prestáveis e gostam de nós mas não conseguiríamos estar com elas por tempos indeterminados. Só encontros fugazes, às vezes obrigatórios
Não que nenhuma relação seja eterna. Mas para qualquer tipo de convivência saudável e feliz ser possível há-se haver ali um equilíbrio qualquer, ao sabor do nosso jeito, da nossa psique, da nossa existência. Não há pessoas ideais. Mas há quem fique bem mais perto do que outras. E, quando é possível a escolha, ficar ou não ficar, eis a questão. Eu cá aprecio (con)viver em liberdade. Ajustes, concessões, às vezes são naturalmente precisos, mas que o preço não seja demasiado alto. Que as ligações me permitam ser espontaneamente eu própria.