Estou a ler as crónicas de alguém razoavelmente ou até bastante conhecido. Tenho gostado de grande parte dos textos, de acordo com a minha própria sensibilidade, visão das coisas e demais apetrechos pessoais que nos fazem ou não apreciar certas leituras.
Mas ontem entristeceu-me ler algo de que não estava à espera. Não pelo desabafo, porque é legítimo, a liberdade de expressão existe e não pensamos todos da mesma maneira, não pela existência do assumido preconceito, todos nós teremos os nossos, mais suaves ou mais gravosos, mas pela justificação dada. Ao princípio não entendi bem, fiquei confusa, voltei a reler porque poderia ter entendido mal, reli, era mesmo aquilo, sem apelo nem agravo. E a grande deceção - partir do princípio que o nosso prazer tem que ser o prazer dos outros só pode ser uma brincadeira, mas infeliz. Explique-se, pois.
A pessoa conhecida diz não compreender quem não cozinha. Podia ser pior, claro. Podia ter dito que não compreende quem não gosta de cozinhar e aí abarcava mais gente, decerto, aqueles que, hélas, comme moi, o fazem sem jeito nenhum nem paciência, por obrigação, necessidade, e não por gosto. Adiante. Tem então um preconceito, dito, em relação a estas pessoas. Também não me parece mal. Também há coisas que não compreendo, porque não partilho embora pense, quero pensar, que tenho algum cuidado em expressá-las, em tom e veemência, de acordo com a hora, o local e outros. O irritante até ao tutano foi ler a explicação - não os compreende porque eles/elas não conhecem o prazer de decompor texturas e sabores, desconhecem e não chegarão nunca ao nirvana do descobrimento que preside ao ato de cozinhar. Ainda por cima, porque gostam de comer. Para, para tudo. (Com acordo ortográfico, sem acento.)
Só porque gosto de arte e pintura tenho que saber e gostar de pintar? Só porque gosto de ler tenho que saber e gostar de escrever? Só porque gosto de cinema tenho que ser atriz e gostar de representar? São precisos mais exemplos para tornar, como se preciso, essa ideia completamente disparatada? Mas se há dúvidas, continue-se. Não vou/vamos compreender quem não faz um determinado número de coisas que a mim/nós me/nos dá/dão prazer? Listemos então mais uns grupos passíveis do nosso preconceito. Assim, e de repente, não entendemos
- os que não nadam e não atingem o nirvana do total relaxamento debaixo de água
- os que não conduzem e não sentem a sensação de poder ou velocidade, máxima ou não, ao volante
- os que não comem chocolate, especialmente o preto, porque não degustam um sabor sem igual ( gelados também se incluem)
- os que não comem chocolate, especialmente o preto, porque não degustam um sabor sem igual ( gelados também se incluem)
- os que não têm filhos porque não recebem beijinhos ensonados à noite e não apanham mil brinquedos do chão
- os que não dançam porque não exercitam o corpo (e os que não frequentam o ginásio, já agora, ui, esses)
- os que não têm internet porque não sabem o prazer que a comunicação global permite
- os que não ouvem Bach nem Beethoven (ou qualquer outro músico ou artista) porque desconhecem o que é a (boa) música
- os que não são bonitos porque não se babam ao espelho
- os que não são bonitos porque não se babam ao espelho
- e mais 8698959 grupos que não há tempo nem espaço para isso.
Convenhamos. O meu prazer não tem que ser o dele nem o vosso nem o dela nem o teu nem o nosso. Não me imponhas o teu que tento não impor-te o meu. E se cozinhar é para "ti" uma orgásmica experiência, ótimo. Mas tal facto não exige que todos sintam exatamente isso - ou que queiram lá chegar. Nem malvados nem coitados. A cada um o seu prazer. A meu bel prazer. Ou até mesmo que não.
E agora fiquei morta de curiosidade para saber quem é a pessoa :)
ResponderEliminarTambém não entendo. Cada um gosta do gosta. Parece-me óbvio que se uma pessoa não gosta de cozinha ela não está a perder nada se não cozinhar. Nunca entendi porque temos todos de gostar do mesmo e eu até gosto de cozinha, Fátima :)
Bom Domingo
:) Claro, Leonor,isso é o sensato, o natural. Tenho amigas que adoram e não deixam de "me/nos compreender", mas sabes que depois voltei a ler o parágrafo final e ainda soou pior do que à primeira. Lousy, really. Não posso dizer o nome:) mas obviamente que conheces.
ResponderEliminarTermino com a seguinte nota, porque é o que dá vontade:
Não fiz as roupas que trago vestidas, desculpem, ok? Sei que não posso gostar tanto delas como se as fizesse mas, pronto, espero que me compreendam.
LOL
:) Um tremendo disparate, claro. Já agora, também fiquei curiosa em saber quem foi...
ResponderEliminarAi, amiga CF, não posso, aqui::)) Bjinho pela solidariedade::))
ResponderEliminarAhahah! Muito me ri: é que eu gosto muito de cozinhar e sei a quem se refere :))
ResponderEliminarTem toda a razão, Fátima. O que é bom para nós não tem de o ser para os outros e vice-versa. (ahah, irritou-a mesmo, estou a ver!)
Sabe? lol Não lhe escapa uma...:) Viva a cozinha! Para quem gosta, claro! Para os outros viva a sala e os restaurantes! :) Ainda bem que há quem goste, se não como iria deliciar-me?:)
ResponderEliminarAs irritações tb são livres - a cada um as suas:) ****