junho 30, 2014

É na Bélgica



Uma colega italiana que conheci há dois anos, ao abrigo do programa Comenius, dizia não gostar de trailers porque estes empolgavam o filme de tal forma, mostrando apenas as partes mais emocionantes, que depois a faziam frequentemente dececionar com as fitas. Tendo a concordar, já que os trailers realmente mostram os momentos mais altos e que espicaçam a nossa curiosidade, mas também pode acontecer o oposto. Ou seja, também há trailers que não nos despertam grande interesse e depois descobre-se que afinal valeu a pena e de que maneira ir ao cinema ou ver o filme em DVD; em suma, há trailers muito inferiores aos filmes que é suposto publicitarem.
Foi o que aconteceu com este "In Bruges"/"Em Bruges". Já me tinha deparado com o trailer no youtube, enquanto navegava atrás de vários filmes que me interessavam e interessaram. Vi e não tratei de ver logo o filme. Mas depois, outros vistos, continuei a navegação, lendo os muitos comentários que existem em inglês a propósito tanto dos trailers como dos filmes que apresentam- já agora, que felicidade haver tanta gente a gostar de cinema, do mesmo cinema e dos mesmos atores do que eu, e a debruçarem-se sobre coisas que me interessam e que não interessam à maioria das pessoas que conheço na vida real, para desconsolo muito meu. Bom, nessa toada lá encontrei um comentário que me remeteu para este filme e para a interpretação - nomeada para prémios, de resto - dos seus protagonistas e aí decidi procurá-lo e vi-o. Quando acabou o filme, estava rendida, a considerá-lo do melhor que já tinha visto, dentro destes géneros menos clássicos ou românticos, completamente rendida a tudo, às interpretações, à história, à música, à loucura e sensibilidade em simultâneo que o atravessam do princípio ao fim. 
"In Bruges" combina de forma magistral cultura e crime, alta comédia e tragédia. Foram muitas e bem sonoras as gargalhadas ao longo do filme, assim como foram tocantes outros momentos, que surgiam inesperadamente, contrariamente ao tipo de filme que talvez se esperaria. A questão que mais me assolou e que partilhei com alguns amigos foi a de como é possível um filme ser tão hilariante e tão comovente ao mesmo tempo. Como é possível rir e chorar quase alternadamente? Bom, o gosto por esta visita a Bruges residiu também na enorme apreciação dos sotaques irlandeses dos dois principais atores e disto ser uma incursão pela insana violência feita por britânicos e irlandeses, de quem sou cinematograficamente fã. Como li algures, trata-se de Tarantino realizado pela dupla Merchant-Ivory. 
Um Ralph Fiennes alucinado, a falar, por exemplo, das dum dums ("that make the hair explode"), Colin Farrel na pele de um gansgter estúpido mas ainda assim sensível, à procura de redenção e Brendan Gleeson como um gangster culto e humano, oferecem-nos interpretações marcantes que nos fazem percorrer os caminhos da amizade e da lealdade, num filme que poderá parecer só para homens mas não é. Isto no meio daquele cenário em tudo contrário a histórias de tiroteios. Como diria Ray, em "f-Bruges", local de onde acredito que saiu, a propósito do brilhante final.

junho 28, 2014

O nós e o eu


Nomes houve que ficaram na história por servirem uma comunidade, por atos bondosos, solidários, corajosos ou revolucionários que visaram um bem comum. Outros nomes ficaram na história por razões inversas, por terem dado asas à mais pura expressão individual, visando o ato de criação, sempre mais egoísta, mas ainda corajosa e profundamente glorificante. Por isso, não venha ninguém dizer que os primeiros são mais válidos do que os segundos ou que o comunitário é mais preciso do que o individual. São apenas formas absolutamente diferentes de estar, porque nascidas de formas completamente distintas de ser. Gosto de uns e de outros, sem ambos os tipos o mundo teria sido e seria bem mais pobre. A riqueza vem da alma nobre e do altruísmo e vem também da liberdade de cada um na expressão pessoal. Tudo o que engrandece, se sozinhos ou em grupos, é fonte de inspiração. E cada um absorve e aplica a que quer, sabe e pode.

junho 26, 2014

Esta relação está assim



1. Confirmei ontem e de que maneira que o meu corpo ou o meu espírito - ou os dois ao mesmo tempo - não está - não estão - para desportos radicais. Apanhei uma radical seca num parque destinado a aventuras desses género - que estão longe do meu conceito de aventura, a milhas e milhas. A única coisa do género que ainda vai lá tem que meter volante, porque o resto - o resto que lá estava pelo menos - passo. (É claro que enquanto lá estive filosofei sobre o quão diferente é o conceito do medo, o da aventura e o da coragem, porque é mesmo.)

2. É óbvio que vamos fazer as malas e voltar para casa hoje. No dia do jogo anterior, domingo, creio, estava já a dormir e hoje se vir este estou já de antemão a pensar que estamos de malas aviadas. Até pode ser pessimismo, ainda há 1% de hipótese, mas é isto. É como se eu agora, porque gosto muito de andar de bicicleta ou porque gosto muito de escrever fosse competir com outros melhor preparados e mais talentosos nestas matérias. Nem a vontade e autoconfiança bastam nem a última deve ser em demasia quando há outros na corrida.

Claro que a relação do título é aquela que de momento tenho com o desporto.

junho 24, 2014

Das dificuldades



Há pouco via na televisão a saída em liberdade de Isaltino Morais e saltou-me à vista o cabelo completamente branco e o envelhecimento súbito em pouco espaço de tempo. Recordei imediatamente outros delituosos a quem aconteceu precisamente o mesmo, desde os arguidos do caso Casa Pia até aos PMs Sócrates e Passos Coelho. Em todos estes exemplos foi visível no rosto e no cabelo o aparecimento veloz de marcas de tempos árduos e não propriamente inocentes.  Vai daí que, num ápice, me pus a pensar em mim própria. E eis que a ausência de cor inundou também e imediatamente o meu teclado. Noites em branco, espaços totalmente em branco, brancas inconcebíveis que surgem nos testes, branca de desgaste, cheques cada vez mais a correrem o risco de serem em branco, cada vez menos carta branca, mentiras nada brancas. O meu crime? Bom, não encontro outro, sim, esse mesmo: ter enveredado por esta profissão, que em tempos difíceis ainda é capaz de arranjar mais agruras ao alimentar-se cada vez mais do facilitismo e, espantemo-nos, é verdade, também ela, da impunidade. Está explicado.

junho 20, 2014

No essencial é que está o ganho



O pormenor é um grande inimigo da generosidade. Dei por mim a pensar nisto, primeiro, a propósito das críticas de cinema, já que tenho passado os olhos por algumas nestas duas últimas semanas, depois, porque tenho observado de perto conflitos que se instalam a partir de coisas mínimas. Na verdade, estes são tempos cada vez menos generosos, em que rapidamente se censuram e se rebaixam coisas e pessoas por causa da fixação em detalhes. O detalhe quando vem por bem pode ser um fino complemento de algo que ainda podemos melhorar, dentro da humildade que nos deve acompanhar. Mas quando vem por mal, apetece-me dar-lhe um pontapé para bem longe, por vir denegrir algo ou alguém que fez vindo da parte de quem não ousou fazer. É incrível o número de problemas causados por esta insistência tola no acessório. Podemos até todos concordar que o pormenor escapou ou falhou mas devemo-nos questionar se isso chega para destruir o essencial. Também é aconselhável, deste ponto de vista, que nos centremos nos detalhes que funcionaram, apesar de continuar a pensar que o fundamental é que interessa. Quanto mais nos concentrarmos naquilo que de positivo as coisas ou as pessoas têm melhor. Tenho cá a ideia de que todos sairiam a ganhar. A generosidade, essa, será - seria - infinitamente maior. E não me parece haver nada que contrarie esta minha fé. Mas não mesmo.

junho 19, 2014

Fantasia irlandesa




Ao que parece, este belo filme de Neil Jordan - Ondine - teve distribuição limitada, não chegando às salas de cinema de forma massiva. Eu desconhecia completamente a fita e foi num momento de pura sorte que felizmente a descobri e vi online. Sorte se isso significar curiosidade e insistência, o que tenho vindo a fazer para ver os filmes por mim não vistos do ator Colin Farrel, e que pretendo fazer desfilar aqui. Para já, os diálogos com o padre - na mais pura tradição católica, ou não estivéssemos na Irlanda -os diálogos, dizia, são hilariantes (o homem de fé é interpretado por Stephen Rea). A cena em que Syracuse, o pescador, confessa ter roubado roupa de senhora é um bom exemplo mas há outros igualmente engraçados.
Passamos o filme a maravilharmo-nos com a paisagem irlandesa e a alimentar encantatoriamente o conto de fadas que nos vai sendo  apresentado pela filha de Syracuse. É uma história de amor, claro, daquelas que nos parecem impossíveis,  absolutamente saída da imaginação ou quase. Por vezes quase mística e, mas ainda assim a fazer reais estragos na tristeza quotidiana deste pescador, dando-lhe esperança, algo que ele receia profundamente. "I´m afraid, father. I´m beginning to hope", traduzindo o medo que todos temos, em algum momento ou circunstância, de sermos felizes. Esperar, arriscar, pode ainda e sempre trazer dor mas felizmente, por vezes, seguimos em frente e dessa forma experimentamos a felicidade - pelo menos a possível, duradoura ou não.
Sonhar com uma selkie qualquer é um bom motivo para sair da sombria letargia dos dias. E fugir da fácil infelicidade é sempre o mais difícil mas vale a pena. Valeu a pena imergir completamente neste filme, valeu a pena dar a sugestão a várias amigas, que também ficaram submersas nas águas desta história, pois viram-na imediatamente assim que a postei no FB, valeu a pena ir até a uma Irlanda aqui quase mitológica que nos seduz pela simplicidade e pela magia. 
Comecei por dizer que os diálogos entre Syracuse e o padre estão cheios de humor - "I suppose you´ve sinned with this girl / Of course; I don´t suppose you want absolvition / No". Ainda assim, a melhor mensagem a retirar e as palavras mais eternas serão "Misery´s easy, (it´s) happiness you have to walk at". Ou seja, há mesmo que mergulhar, por mais fria que esteja a água, para se ser feliz. E, por isso, interrogo-me se este será um belíssimo filme apenas ou sobretudo para mulheres. Gostava tanto que não.



junho 17, 2014

Coisas que me irritaram

                        

A derrota de Portugal, claro. Não é que eu ligue alguma coisa ao futebol hoje em dia mas lá volto a ligar nestas alturas de bandeiras e hinos à espera de alguma sentimental alegria que nos ponha mais contentes por uns bons instantes. Mas foi muito golo do outro lado, golos a mais, pronto. No entanto, isto foi o que postei no meu FB logo a seguir: Não se pode ser grande por picos e apenas por vontade. A grandeza é permanente e tem de ser muito cultivada para se manter. A vários níveis. Serve para o futebol e para muito mais. Leia-se como eu quis que fosse lido ou leia-se de maneira diferente, se se preferir. É preciso uma coisa chamada investimento para se ser grande, ser sempre grande.

A seguir, um amigo brasileiro analisou a derrota portuguesa sob um prisma, como dizer, político, e ao qual achei piada, com a minha eterna capacidade de me distanciar e de brincar com as minhas/nossas falhas. Mas o irritante mesmo foi ver, nos comentários ao post, outros brasileiros, presumo, a tecerem comentários jocosos sobre Portugal, ou, pelo menos, já não lhes consegui achar grande graça. Esta coisa das antipatias nacionais e choques culturais, seja entre que nações forem, não fazem o meu género, embora reconheça que não temos de gostar dos brasileiros apenas porque falam português e eles não têm de gostar dos portugueses pela mesmíssima razão. O sentimento não tem de ser especial, é um facto, mas ainda assim gosto quando o é, de cá para lá e de lá para cá. Lá fiz depois um comentário que ainda ninguém ousou comentar.

Finalmente, e como se não bastasse, dou de caras, também no FB, com a publicidade a um blogue chamado Detalhes de Casada, a falar de bordados e decoraçõezinhas todas elas lavores. Atenção que eu adoro decoração, de coração, mas é da outra, não destas, nada contra mas não, obrigada. Não gosto sobretudo do nome do blogue, soa a estado novo, a fada do lar em modo obrigatório, a seca e a mulher chatinha, sendo que o desplante maior ainda é o casada, como se a solteira não pudesse gostar de fazer estas coisinhas, ou a divorciada ou a viúva, ou como se não tivessem, sequer, casa. Ou, possivelmente pior ou não, como se a casada tivesse de o fazer ou de gostar, já que as duas coisas juntas, fazer e gostar, é muita areia para uma mulher só.  

Ai, as coisas que nos irritam são aquelas que não nos movem, a não ser mover-me, sair daqui, para ir dormir; off to bed.

junho 12, 2014

Grita liberdade


Detesto tudo o que seja "cultural". Com isto quero dizer que rejeito a sobreposição do meio, da tradição, da religião ou de outra coisa qualquer às liberdades individuais. Sou defensora destas, absolutamente, não como sinónimo de libertinagem, de deboche, de provocação ostensiva, de atropelo da liberdade alheia, mas como essencial sinónimo de escolhas. Não me obriguem a atuar em nome de e contra a minha vontade apenas porque é diferente e não é o que a maioria quer, sente, pensa, faz. Só faço enquanto eu quiser, na obrigação ou na sensibilidade, na consciência ou na necessidade, na reflexão ou na circunstância. Posso fazer sem desejar por causa disto tudo mas a escolha é minha. Boa ou má, é minha. A liberdade individual nasceu para nos servir e todos que a travam, independentemente do modo ou lugar, tempo ou razão, vão aplicar o cultural para o diabo que os carregue.

junho 10, 2014

Boulevard da solidão


Na semana passada, apareceu um daqueles quizzes/testes engraçados online que vamos fazendo não sei bem para quê, é certo, mas que nos vão descontraíndo de alguma forma. Este era `What nationality are you?` e depois de responder a uma série de perguntas lá vi, sorridente, o meu resultado: `Irish`.  Compreendi, pois, finalmente a minha atração pela Irlanda, sem nunca ter lá estado, que vai desde a paisagem às diferentes formas culturais e artísticas, música, literatura, cinema, e vai daí, num instantinho, ao ator Colin Farrel. E não sendo exatamente por essa descoberta, a verdade é que me tenho dedicado a ver alguns filmes deste ator durante esta semana, online e no original (quão mais pobre seria o meu mundo, aquele que me interessa, se não soubesse inglês). Vai daí também que vou abrir um capítulo dedicado a este irlandês - e sim, adoro o sotaque - para escrever umas coisitas sobre os filmes. Para já, começo com "London Boulevard", cujo título em português é "Crime e Redenção".
Pelo que li, as críticas não lhes foram, ao filme e ao ator, muito favoráveis. O que também não me influencia nada, porque se trata de um filme com aspetos bem interessantes para explorar, apesar de não ter gostado do final por razões evidentes. A película tem um óbvio toque Sunset Boulevard / O Crepúsculo dos Deuses, desde já pela ligação da personagem de Colin com uma atriz "retirada" e reclusa na sua mansão, aqui por razões que nada têm a ver com a idade ou a passagem ao cinema falado. A violência e alguma loucura do filme lembram as obras de Quentin Tarantino (banda sonora a condizer, muito boa)  mas com uma diferença considerável - o ator principal, graças aos deuses, é a estampa que sabemos, o que não me parece que seja o estilo preferido dos críticos, homens 99, 9%, que assim rebaixam a prestação do ator em inúmeras fitas, e de alguma audiência masculina que teima em fazer o mesmo e aposto que pelas mesmas razões, ignorando completamente a notável capacidade dramática do mesmo, até só pelo olhar. E a atriz Keira Knightley é provavelmente muito clássica para uma parte de público que prefere o estilo cruzar de pernas de Sharon Stone, enfim, gostos não se discutem, diria.  Eu cá gosto dos britânicos e dos irlandeses muito mais do que gosto dos americanos, a ter de escolher. Coisas, inexplicáveis ou talvez não.
Na verdade, e seguindo adiante, trata-se de um belíssimo filme sobre a solidão. E do que gosto mesmo é dessa fragilidade humana no meio de um mundo louco e adverso que contraria as suas expetativas e desejos mais interiores. E como é difícil, por vezes impossível, resistir às avalanches  do mal, a violência,  a invasão da privacidade e a pressão de vários tipos. A bondade não triunfa sobre a crueldade, não sempre, não tão frequentemente quanto desejável, não sequer na ficção. E nem mesmo o amor chega, mesmo e sobretudo o que nasce do desamparo, da desesperação e da absoluta necessidade de conforto emocional extremo.
Gostei, resumindo, desta perturbante  incursão pela cruel negação da felicidade e por último registo aqui provavelmente as mais belas palavras que ouvi e se podem ouvir quando se encontra o amor: - " If I fell in love with you, what would you do about it? - Anything. ... Everything."

junho 08, 2014

Coisas que me comoveram

                    

Na sexta, pequenas emoções, todas diferentes e no entanto ligadas entre si, deixaram-me comovida. A primeira, decorreu de pura ficção. Vi o filme "The Flowers of War", online, no original e bilingue, portanto. Trata-de de um filme de Zhang Yimou, cineasta que sempre apreciei, desde os primeiros filmes feitos com a atriz Gong Li, e que via na RTP2. Vi-o e fiquei a conhecer um pouco mais da história mundial, pois tem como pano de fundo a invasão japonesa de Nanquim. Apesar de conhecer as atrocidades cometidas pelo Japão na China, através do filme e do livro "O Último Imperador", desconhecia a história das violações que este "As Flores da Guerra" nos faz, tristemente, entrever. Li, entretanto, que o filme não foi um sucesso no ocidente, apesar da presença do ator Christian Bale, um dos meus três favoritos da atualidade. Na China, o filme passou, obviamente, pela censura e foi visto por multidões. Nos comentários online do youtube, muitos americanos confessaram ver atenuados ou mesmo dissipados os ódios anti-comunistas face à China depois de verem esta história de horror, nobreza e sacrifício sem par. 
A segunda emoção surgiu no seguimento das imagens documentais do Dia D, relativas ao desembarque nas praias da Normandia das tropas aliadas há 70 anos. Impossível ficar indiferente perante a coragem, o medo, o sacrifício dos homens que, por vontade própria ou não, perderam ou arriscaram vidas em nome da salvação de tantas outras. Como não me parece haver dúvidas sobre que lado representava o mal nesta guerra, ver a dor do bem não deixa de ser tocante. Emocionaram-me também os sobreviventes, que ainda vivem, e corajosos ainda,  para que a história com h grande não se esqueça das suas histórias mais terríveis.
Por fim, a reportagem da noite sobre os trabalhadores da construção civil, um setor em crise profunda, que ocuparam um prédio em Vila Franca onde tinham trabalhado e que fizeram dele a sua casa. Homens, de diferentes idades, origens, unidos sob o mesmo desabrigado teto, em relatos de sofrimento e ao mesmo tempo ainda de esperança, a mostrarem as marcas no presente dos tempos difíceis e injustos que vivemos. Vítimas colaterais da política e da sociedade, a corda a rebentar sempre pelo lado mais fraco, o desejo de que alguém veja - tenha visto - a reportagem e faça alguma coisa por eles, os tire dali, lhes dê uma nova vida, ainda não desistiram, ainda a querem, ainda há tempo. Alguém que queira e sobretudo que possa, rapidamente, enquanto lhes resta a dignidade interior.
Três momentos, diferentes no tempo e no espaço, mas a dizerem-me, mais uma vez, que não gosto dos infortúnios humanos, da dor que significam. Sensibilidades de sempre, mais visíveis no rosto desde a maternidade. O que nos comove também é, ainda e sempre, o que nos move.

junho 04, 2014

Das determinações


Tenho andado quase completamente arredada da atualidade mas hoje lá me vi a ver e ouvir uma notícia ou outra na informação da noite, a saber, a guerra interna no PS, o cancelamento da viagem para o Brasil do PM por causa do TC, a realeza espanhola a mudar de coroa e pouco mais. Porém, também vi o início, só o início, porque depois desliguei, quer a televisão, quer da atualidade, uma realidade dos meus dias, voluntária e não voluntária, vi o inicio, dizia, de um discurso, entrevista, fosse lá o que fosse, do PM a dizer o seguinte: "A maioria do povo português aprecia a determinação" das nossas políticas ou coisa parecida nesta parte sem aspas. Aprecia ou tem apreciado, já nem me lembro bem, mas dá no mesmo. Aprecia? Declaro já que não estou incluída nesta maioria, não quando, apesar de alguma paciência e zen desconhecimento de questões económicas, não quando, repito, me encontro congelada desde há 10 anos, não quando tenho passado um ano escolar infernal (eu e outros), não quando o meu salário está a mingar volta e não volta, mas com voltas mesmo rápidas, ao melhor estilo rossi, e a voltar, lá está, ao tempo em que era bem mais nova, trabalhava em melhores condições e ainda podia fazer planos, não quando me fartei de ser pacífica, briosa e paciente, profundamente idiota, na verdade. Determinação? Só pode ser uma brincadeira, é mundial, ninguém levaria a mal. Determinação, a meu ver, só pode ser uma: a autodeterminação, rápida e definitiva, que signifique fugir deste PM e restante troupe que não apreciamos. Ou que não aprecio, já que posso estar em minoria.

junho 03, 2014

O chamado aviso à navegação em forma de pequena nota


Não pensem os que me habituei a ler na blogosfera, na semelhança e na diferença, que os deixei de apreciar apenas porque os deixei de visitar, é um facto, nestes últimos tempos. Ou pelo menos com a mesma regularidade. Ou com a regularidade possível, o que ainda assim estaria longe da desejada. Na verdade, tudo se resume a impossibilidades várias, digamos, prioritárias e/ou necessárias. Navegar fora da rede tem sido preciso...

junho 01, 2014

A pontinha do véu



Na sexta, por necessidade de descanso físico, consegui estar quase duas horas ao final da tarde no sofá, a ver um filme que comprara havia algum tempo. A necessidade não me trouxe senão mais uma belíssima experiência cinematográfica. Uma viagem, portanto. No tempo, no espaço, na história que, confesso, me deixou em lágrimas no final. O filme chamava-se e chama-se "O Véu Pintado", adaptado do romance de Somerset Maugham, autor que estudei vagamente nos tempos da universidade. 
O que me fez ficar arrebatada e comover-me de tal forma? Bom, para já tem todos os ingredientes que me fazem inebriar: exotismo, romance, densidade psicológica (como o trailer do filme engana, o conteúdo é muito mais intimista do que possa parecer e transparecer no tom épico das imagens), atores que me convencem e seduzem. Recomendo-o, pois, vivamente. E não levantando muito o véu, já agora,  sobretudo em relação ao final, deixo, no entanto, alguns apontamentos que retirei desta maravilhosa história. 
1. Trata-se de um filme sobre o amor, sim. Um estudo, até, sobre o surgimento do amor contra todas as expetativas iniciais, sobretudo na figura da esposa que não ama - e trai - o seu aparentemente aborrecido marido. 
2. Tratando-se de um filme sobre o amor, relembra-nos, também, que muitas vezes não valorizamos quem temos e quem gosta de nós, pelo simples facto de não vermos, estarmos cegos, de alguma maneira. Quando alguém de fora nos mostra como esse outro é bom e nobre, por exemplo, passamos a vê-lo com outros olhos, descobrimo-lo, e aí vemos o tempo que perdemos e percebemos o quão fomos tontamente idiotas.
3. Ainda o amor, claro, a dizer-nos que muitas vezes nos apercebemos do valor de alguém ao nosso lado já demasiado tarde, sem nunca lhe termos expressado que estávamos enganados ou o que acabámos por sentir, por orgulho ou outra coisa qualquer.
4. O filme é ainda sobre os surpreendentes caminhos do amor. De como alguém, neste caso, a esposa, não sente paixão pelo marido enquanto ele é bom mas insípido e como tudo se transfigura quando ele se torna menos bom, cruel até, porque movido a orgulho ferido e a um aparente desejo de vingança. Na relação entre ambos, porque a consciência da nobreza e coragem dele em relação aos outros também vai aumentando nela à medida que o vê sob uma outra luz.
5. Finalmente,  e voltando ao nascimento do amor que se dá quase inesperadamente, constata-se que ele vem no meio da total adversidade, como se a rotina deixasse morrer o amor, ou nunca o despertasse, e dificuldades maiores o incendiassem de forma totalmente inequívoca. 



(Não gostando particularmente do trailer, pelas razões apontadas, aqui fica no caso de se sentir alguma curiosidade. Também sei que os meus adjetivos são um bocadinho "entusiasmados", coisa rara nos tempos que vão correndo, mas não vejo razão para ser contida se gosto mesmo de alguma coisa, como é aqui o caso; não quis, nem quero, pois, poupar palavras.)