janeiro 14, 2012

De passagem


Uma frase que me persegue é a que foi dita por Robert Redford quando interpretou Denys Finch Hatton e dançava no baile de ano novo. Dizia, e contrariando a possessividade de Karen - We´re just passing through.
Estamos, verdadeiramente, apenas de passagem. E provavelmente se nos lembrássemos mais vezes desta verdade, tudo poderia ser diferente. Porquê querer controlar, porquê querer possuir tudo e todos, porquê querer deixar marca?  Ele referia-se também à missão a que ela se propôs, a de educar os meninos na sua fazenda africana, e à luta que a desgastava para o conseguir, tendo de enfrentar os preconceitos da comunidade britânica lá instalada. Mais tarde ou mais cedo teriam de ir embora - a colonização, e muito previdentemente, chegaria posteriormente ao seu fim. E Karen partiria antes, para não mais voltar.
A ideia de que estamos de facto só de passagem  pode estender-se para além do contexto histórico e geográfico de indivíduos que estão deslocados no espaço e que um dia abandonarão um território que não é seu ou que não os viu nascer. Pode estender-se, claro, à própria vida. E assim sendo lembra-nos de que não valerá a pena a insistência em lutas desiguais, infrutíferas, tolas.  Mas assim, também, pode dizer-se que não será de todo viver, que a luta sempre dignifica uma vitória, ou que liberta uma injustiça. E que não havendo luta não há real pica. Não sei responder, não tenho resposta. Afigura-se-me que o desejo de controlar é quase sempre terrível, porque inflige grande sofrimento a quem controla. Deixar ir, saber perder, não ganhar, não possuir. Quem o consegue deverá, à partida, ser mais feliz. Porque demasiado envolvimento é sinónimo de canseira, porque nos esfalfamos por uma causa, uma pessoa, um objetivo.  Vejo, e mais nas mulheres, é verdade, esta tendência para tudo não fugir ao nosso controlo. Que as esgota e lhes rouba tempo para serem elas próprias, sem correria, sem competição, sem vaidade, sem orgulho. Sem ter de provar nada. A grande prova seria não ter de provar coisíssima nenhuma.
Nas escolas, porque aí trabalho, nota-se a preocupação das docentes em ficarem com as turmas o maior número de anos possível, para as moldarem à sua maneira, para se escreverem na memória dos alunos que têm. Costumo atirar com esta - a da passagem, crua e nua - e pareço chocar com tal exemplo de frieza e desprendimento. Na verdade, e por muito que trabalhe e me esforce por dar aulas que poderei eu considerar de criativas ou edificantes, sei que não vou deixar marca especial. E é desconcertante ver que isso em nada me afeta. Ninguém é absolutamente insubstituível, muito menos se falamos em trabalho. Novo ano, nova escola, novos professores, a diversidade que faz falta, o esquecimento que muitas vezes acompanha o futuro. Mas eu tenho alunos que ainda se lembram de mim, ele recordou-se do meu nome quando me viu - alguém, entretanto, diz. E dai, indaga-se. Eles seguem lá à frente, com mais ou menos memória, quem sabe um pequeno afeto que possa ainda restar, mas já não farão parte de nós. Sempre achei isso. Não me pertencem, acaba o ano, o curso, o ciclo, a vida segue. E já não estarão connosco. O fim do ano decreta o fim do nosso envolvimento. Do meu porque do deles.
Se fomos importantes? Talvez. Mas não fomos os únicos, nem podíamos, nem queria. Não nos levemos demasiadamente a sério, não pensemos que deixaremos marcas indeléveis, não queiramos dominar e reinar indefinitivamente.  Não quando o futuro não nos pertence. Não quando o tempo não é nosso.

7 comentários:

  1. parabéns e obrigada! :) desapego dos resultados da ação é uma máxima que nem sempre ponderamos com a devida profundidade e as devidas implicações. mas é por aí e é exigente. neste texto parece-me que focas sobretudo o domínio do ego. pessoalmente, o mais difícil tem a ver com o domínio dos afetos (e os filhos então!). xi-c luísa

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  2. Estamos de passagem por esta vida, por isso também entendo que não nos devem prender as pequenas mágoas e sentimentos pequenos e mesquinhos sobre ações ou palavras. No entanto há pessoas que se entregam a grandes causas, lutam por liberdades e marcam gerações, mudam o mundo e entram na história e há pessoas que em mais pequena escala mudam a vida de alguém por se terem incomodado. Estes últimos serão, a meu ver os verdadeiros herois do quotidiano, que apenas estão aqui de passagem, mas que de passagem terão marcado o mundo para o tornar um sítio um pouco melhor. Um beijinho. GI

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  3. Sim, Luísa, refiro-me essencialmente ao ego, à possessividade, à atitude controladora. Ao oposto de let it go...
    Regina - O envolvimento nas causas, a luta, a resistência - isso é positivo - mas pode, também este, desgastar. O desvelo pelos outros é sublime e no entanto tem de haver um equilibrio entre pessoal e o coletivo. E sim é verdade que se deixa marca, mas muitas vezes com custos pessoais elevados...
    No geral, acho que é bom sabermos que estamos de passagem - se mudamos a vida dos outros ou não, aos outros cabe dizer. Não a nós...

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  4. Estamos de facto de passagem mas não nos conseguimos impedir de querer deixar uma marca. Não em todos os lugares nem em todas as pessoas mas naqueles que são efectivamente especiais - alguns amigos, alguns familiares alguns alunos (quase sempre os mesmos que nos marcam a nós), os pais, os filhos. Podemos passar despercebido ou marcar pela positiva ou pela negativa. Eu cá não gosto de passar despercebida a não ser quando o material não é do tipo em que se quer deixar marca. bj

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  5. Mais uma vez estamos em sintonia...Cada vez mais nos questionamos sobre a necessidade do desprendimento, do desapego,do amar incondicionalmente que supõe esses condicionalismos tão difíceis de vivenciar...Mas a verdade inquestionável é essa mesma:"Ninguém é de ninguém /mesmo quando se ama alguém".O truque é a entrega no momento presente.O dar e o receber,sem se esperar receber apenas porque se dá.O amar o próximo (e o distante também!)hoje e sempre.Em movimento contínuo, sem amarras,sem egos,sem ressentimentos...E como sabemos bem a teoria,não é?Pena que nos esqueçamos de a pôr em prática...Daí as nossas frequentes desilusões.So aurgem a quem se ilude e só se ilude quem espera...
    Beijinhos Fátima! Nené

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  6. O desprendimento como ausência de possessividade é uma grande e difícil conquista. Tão somente isso. Deixar de achar que a nossa visão é que (deve)predomina(r)...não é fácil.
    Quanto ao deixar marca, querer não chega. Esperemos que sim, que os outros o possam dizer, para quem faz questão...
    Mas seria bom viver-se pelo presente e deixar ir, correr... até me lembrei do Ricardo Reis, agora::))

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