janeiro 28, 2012

(A) Boa sorte


Porque é que umas pessoas têm sorte e outras não? Ou, melhor, porque é que umas pessoas têm aquilo a que se chama de sorte e outras não?


Definir sorte é tarefa algo difícil, porque relativa, mas entendamos aqui por sorte aquele sentido comum, o de significar sucesso, ter saúde, não ter de passar grandes obstáculos ou tragédias no amor, na família, na profissão, que quase sempre deixam as pessoas infelizes e perdidas durante algum tempo. Ter sorte será o contrário da aridez da solidão, do caos que é estar desorientado, do vazio que é não ter rumo, da colossal insatisfação de viver, ainda que por um ou vários períodos, temporariamente ou mais do que isso. Ou ainda, e pior, o contrário da dor da doença ou mesmo da morte. De alguém ou de outrem muito chegado.

Mas voltemos à pergunta. Porque é que uns exibem tanta felicidade, sem cortes de dolorosa má sorte, e outros não? A resposta é difícil, extraordinariamente difícil. Mas parece-me, por tudo aquilo que tenho visto, observado, entendido, que ela estará algures na generosidade. Mas a generosidade não se esgota em atos voluntários de quem ajuda os pobres e os famintos, em coisas como dar roupa, sapatos, comida. Que são, naturalmente, precisos e preciosos, e que indiciam, à partida, um caráter bondoso. Mas esta bondade não chegará a sê-la se não se estender depois aos outros que também estão perto, ou seja, aos familiares, aos amigos, aos colegas, aos vizinhos. De nada valerá ter um grande coração quando se pratica a caridade ou a solidariedade social se depois, num círculo mais restrito, se infernizar a vida de outros menos carentes, se se teimar em não compreender outros menos necessitados, se não se cultivar a empatia com outro tipo de problemas e de anseios.

A generosidade não pode ser apenas baseada na ajuda do quotidiano, em satisfazer as necessidades básicas. Ela terá de ser verbal, ela terá de significar abertura, ela terá de ser o oposto da mesquinhez, da inveja, da cobardia moral, da negatividade, da agressividade, da  perversidade. Ela terá, assim, de ir ao encontro de outro tipo de necessidades frequentemente desdenhadas - as espirituais, intelectuais. O generoso é aquele que sente e pratica, também, a dádiva mental. Que me parece ser bem mais difícil de encontrar, as pessoas gostam de dar pão mas não palavras amáveis encorajadoras, sobretudo se os outros não estão abrigados sob a miséria física ou humana.  Não haver desabrigo deste género então já retira qualquer tipo de encorajamento moral, de altruísmo, de solidariedade.

Mas a questão é que os seres verdadeiramente generosos têm, ou é possível que tenham, mais sorte, são mais felizes. E são-no porque simplesmente o merecem. Mas que dizer de crianças que são acometidas por uma doença terrível, que as leva, por vezes, demasiado cedo deste mundo? A maior das crueldades, a maior das desumanidades. Porque uma criança não pode, não podia, ser julgada pelo facto de ser generosa ou não, o seu tempo ainda não lho permite. Pois não sei. Não sei. Aqui é onde não se pode aplicar a teoria do crime e castigo. Ultrapassa-nos, dói, e é profundamente injusto.

De qualquer forma, a pergunta do início refere-se ao mundo dos crescidos, daqueles que tiveram tempo para aprender. E aí a generosidade parece ser, e era bom que fosse, um denominador comum, uma alavanca da felicidade. Mais do que merecidamente. 

4 comentários:

  1. A sorte é algo que nós construímos! Quanto mais "amaldiçoamos" a nossa vida, pior ela nos corre. Da vida temos que tirar lições e é obrigatório vivê-la bem! Tão simplesmente com o que temos e não somente a pensar no que queríamos ter... :)
    Pensar positivamente também se aprende... E a sua consequência é a sorte:)
    Lília

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  2. Concordo mas penso que o que tu referes estará mais virado para nós próprios, na minha teoria tirada de lado nenhum:) vejo mais a sorte como fruto da abertura aos outros - ou seja, esse positivismo também deve abarcar os outros,a tal generosidade que é a chave de tudo, e sobre a qual o texto incide, afinal.
    Obrigada por participares sempre nestas reflexões de uma leiga, especialista em coisa nenhuma:) Bj grande

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  3. Inspiraste-me, Fatnha! Se existimos para aprender e não prioritariamente para "gozar", parece-me que a maior parte de nós aprende mais com as experiências mais difíceis. Poucos são aqueles que não se "distraem" quando a vida corre bem e não se fecham na sua pequena esfera de conforto. Por outro lado ainda, aqueles poucos (raros) verdadeiramente grandes vivem até os momentos difíceis como grandes portunidades! E por aí fora.... Obrigada e parabéns! luísa

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  4. Ah Luísa, que bom estares atenta, mais uma vez:) Gosto de ler que me lês:)
    Beijinhos e obrigada eu!

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