De um modo geral, as pessoas andam muito conflituosas, virulentas, violentas. Não existe a mínima tolerância para nada e, de igual forma, nenhum espírito de sacrifício. E não estou a falar da crise, para que não se veja aqui qualquer tipo de insensibilidade que não possuo. Nem da política, porque frequentemente me cansa a visão apenas baseada na cor, seja ela qual for. Falo do quotidiano, das relações de trabalho, até mesmo das familiares e pessoais.
Na estrada, ao mínimo pormenor menos feliz, soltam-se palavrões acompanhados de gestos condizentes. No emprego, qualquer coisa que não agrade minimamente é logo aproveitada para criar confusão e inimizades. Na blogosfera e sem rosto, o uso de vernáculo e os ódios destilados são uma constante. Nas redes sociais, criam-se divisões fruto da impaciência e da condenação fácil. Na escola, todos julgam e interferem criando mal estar e conflitos desnecessários. De uma forma também geral, a razão é uma: atropelam-se-se os direitos e as liberdades dos outros porque se acha que os de cada um são mais importantes do que os do outro. E enquanto assim for, continuará o caldeirão de emoções à flor da pele, de reações que primam pela ausência de qualquer reflexão, de atitudes intolerantes que espalham o caos, de comportamentos que nada constroem, nada dignificam, nada edificam.
O direito à indignação é válido e precioso nas circunstâncias que assim o exigem, de índoles várias. Mas a falta de discernimento e a falta de compreensão, de entendimento, de diálogo, de ponderação, de racionalidade, de paciência, de visão mais alargada, de tudo aquilo que torna as relações e a existência mais harmoniosas e melhores cresce e alastra a olhos vistos. O mal instala-se e é difícil espantá-lo para longe. Como podem ser as pessoas felizes e a vida mais equilibrada desta maneira? Os ritmos e as pressões exteriores, de várias formas, não deixam, por vezes, margem para uma maior tranquilidade. Mas há que cultivar uma serenidade interior que nos permita, ao menos, não destilar fel a toda a hora, e que, por osmose, se estenda ao resto dos indivíduos em redor ou até mais longe.
Por outro lado, que não é mais senão mais do mesmo, não queremos sacrificarmo-nos nem por nada. Queremos tudo, agora, aqui, fácil. Queremos todos os direitos, tudo a que temos direito, mas não queremos cumprir o dever, os deveres dão muito trabalho e é mais fácil seguirmo-nos a nossa própria lista de prioridades e opções. Daí que qualquer coisa que nos retire deste caminho deleitoso que criámos para nós faça transbordar o copo. Como ousam empatar-nos a nossa caminhada de prazeres e facilidades? Cumprir é tarefa árdua e não nos apetece. Mas já é mais fácil culpar o outro e pôr achas na fogueira. Fazer não fazemos mas também não deixamos que façam. Ou então deixamos fazer mas criticamos logo a seguir. E mais, muito mais.
A intolerância reina, com vários tons e intensidades. Minam-se as relações, envenenam-se os projetos, abatem-se os de quem não gostamos, mesmo sem saber exatamente porquê, só porque não fazem como nós ou fazem mais do que nós. Um deslize, uma falha, uma infelicidade, é tudo linchado, se possível em praça pública. São tempos de fúria. São tempos de cólera. Sem amor.
Curiosamente recuperei um texto que, com algumas nuances, anda por "aqui" bem perto...
ResponderEliminarbfs
Já li, sim, jrd, os "tempos de lâminas". Comentei, também.
EliminarObrigada, um bom domingo para si.
Há sempre uma luz
ResponderEliminarno outro lado do cais
Sim, Eufrázio, é verdade. Tem mesmo de ser :) Mas infelizmente não invalida que este lado também não exista e que, por vezes, tenhamos de o atravessar, ainda que por momentos breves.
EliminarAs crises têm um lado negro muito mais perverso do que a falta de recursos materiais. Esse, colmatam-se aqui e ali, com solidariedades que ainda nascem, nem que seja em momentos espaçados. O outro lado, é bem mais difícil de gerir e colmatar, até porque é sempre considerado secundário. E não querendo ser pessimista, que não sou, digo-te que vamos no caminho de um destino pouco simpático e difícil de reverter. Possível, claro, mas com fortes repercussões a nível social. E é muito mais por isto, que eu não gosto da crise.
ResponderEliminarConcordo contigo, e também sou otimista, quando dizes que vamos num caminho nada agradável. Não penso que seja a crise económica, Carla, acho mesmo que é a outra, a crise de valores, não há respeito por nada nem por ninguém. Eu diria que a mistura de liberdade mal usada e consumismo doido dão nisto.
EliminarOra cá está um dos grandes males atuais da Humanidade... Marla
ResponderEliminarGrande, grande ...
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