Se não se importam, não vou dissertar sobre o papa. Embora pense que ele dar-me-ia razão no que vou escrever. Afinal, também tenho um lado conservador, ninguém é perfeito.
Este post tem origem na leitura e conhecimento de várias notícias:
- grupos que na Tunísia perseguem, ao que parece, raparigas na rua e que lhes dizem para se cobrirem com o véu
- a cultura da violação na Índia e o argumento de que a forma como se vestem induz e convida a essa prática
- as regras do comprimento da saia para as candidatas a um lugar na Emirate Airlines
- o despedimento de uma assistente de um dentista nos EUA por usar roupa atrevida
A roupa feminina no centro da discussão. Terei de ir por partes.
1. Inaceitável, este tipo de perseguição. Incompreensível, dizerem-me que tenho de andar tapada, de véu ou pior ainda de burqa. Intolerável, perseguirem-me por causa disso. Não gosto de trevas, de medievalismo, de obscurantismo e isto cheira a isso. Cheira putridamente a isso. Retrocesso social, desrespeito pela liberdade individual, seja lá onde for. (Embora no caso tunisino acredite que não vai vingar, há demasiada secularidade já para se voltar atrás, a ver vamos mas acredito ainda, há muita gente desperta e o assassinato do sindicalista de esquerda só veio reforçar a combatividade dos seculares).
2. Inaceitável, novamente. Inaceitável a prática da violação, a da violação animalesca, selvática, tolerada e não punida. Inaceitável este argumento de que as mulheres podem ser violadas por causa da roupa que vestem, até porque não me parece que andem propriamente descascadas na Índia (e mesmo se estivessem). É óbvio que o fenómeno da violação não se circunscreve a este país nem a este tempo, e que pode acontecer se uma rapariga (e não só) anda sozinha, e por vezes até acompanhada, a horas tardias, por sítios isolados e perigosos. Pode acontecer enquanto existirem tarados por aí, enquanto existirem cobardes que não controlam seja lá o que for. Por outro lado, não pode acontecer. (E muito menos num autocarro. Ou em lugar algum.)
Parece-me, contudo, que o que vou escrever a seguir será, seria, mais do agrado do papa.
3. Não vejo mal nenhum em se exigirem padrões de conduta e vestimenta específica no exercício de funções. Não gosto de uniformes, pessoalmente, mas acho que há roupa que é adequada a um determinado número de circunstâncias e outra que não. Nos exames nacionais é-nos exigido que não usemos saltos altos (por causa do barulho ao circular), mini-saias, calções (porque os códigos são para ambos os sexos, naturalmente). Ao princípio pode causar-nos alguma estranheza, por ser regra, exigência, imposição, mas há que conviver com isso. Pessoalmente também me chama a atenção, e não pelas melhores razões, certa indumentária exagerada e contrastante com o ambiente. Credibilidade, sentido do decoro, de algum decoro, respeito pelo lugar e momento, saem afetados. Conservador? Talvez. Mas a minha noção de liberdade - que é grande, acreditem - também tem limites. Por várias razões que têm a ver com a liberdade de outros.
4. Neste sentido, o despedimento da assistente não me causa choque. O argumento é ridículo e machista, ok, inibidor da sua liberdade, é certo, mas, e alargando um pouco a assunto, nós também somos livres para escolher, se pudermos fazê-lo, trabalhar com pessoas com quem não nos sentimos desconfortáveis. Se tenho um negócio ou uma empresa e não gosto que os funcionários usem tatuagens ou piercings ou mini-saias ou calções ou qualquer outra coisa penso ter o direito de os preterir em favor de outros. Porque eu própria tenho normas de conduta no que diz respeito ao vestuário. Não vou para a escola como vou para a praia ou para uma festa especial (embora seja simples, demasiado simples, na maior parte das vezes). Mas tenho extremo cuidado com as aulas, sobretudo. Decotes e afins. No outro dia, apercebi-me que as minhas pulseiras, pelo barulho e graça (digo eu) que criavam enquanto falava e gesticulava, desviavam as atenções dos alunos num momento em que concentração era necessária. Pulseiras, sim. Vou ter de as retirar na aula, e não vejo onde esteja o problema.
É verdade, não compactuo com todas as liberdades em todas as circunstâncias. Se faz de mim alguém conservador, também não é problema. O problema da sociedade atual, ou um deles, é esse mesmo. É achar que se pode fazer tudo, de qualquer maneira, cada um à sua maneira. Independentemente de ser homem ou mulher. Como não tenho complexos de inferioridade de género, uma crítica ou observação à vestimenta de uma mulher é igualzinha a outra em relação a um homem. Se tiver alguma lógica e tiver em conta o momento, lugar e função. Na rua, toda a gente é livre de andar como bem quer. E toda a gente é livre para gostar de como os outros andam ou não.
(Sempre acrescento que a foto é gira, mesmo gira.)