dezembro 20, 2012

Credo

A questão religiosa é muito sensível. A questão religiosa está, muitas vezes, associada a formas de intolerância e de opressão, aliadas a desconhecimento e obscurantismo, alicerces ótimos para que se propaguem, não do ponto de vista espiritual, libertador, mas como esquemas de pensamento atrofiadores, fechados e conservadores. E aqui todas as religiões viveram já ou ainda vivem em estádios de nula ou pouca evolução que permitiram e fomentaram comportamentos anacrónicos, injustos, misóginos e outros,  através dos tempos. Umas já estão num patamar de evolução elevado, decorrente de muitos fatores, outras não. Cultura, geografia, desenvolvimento económico, avanço social, política e laicização, de tudo um pouco se pode falar para explicar desníveis e desencontros que depois criam incompreensões, conflitos, preconceitos, violência. Uma questão complexa, sob vários prismas, que não importa desenvolver aqui como fenómeno antropológico e social.
Interessa-me abordar o assunto apenas pelo que vejo e penso. Somos muito intolerantes, todos. Independentemente do sítio onde estamos, da religião que professamos ou mesmo do facto de acreditarmos ou não em deus, qualquer que seja.
Os cristãos queixam-se dos muçulmanos, estes queixam-se dos judeus, os judeus queixam-se deles e já se queixaram e queixarão ainda dos cristãos, os cristãos já se queixaram e queixarão ainda dos judeus, os cristãos não entendem o hinduísmo, nem o xintoísmo, mas já se deixam seduzir mais pelo budismo, e mais e mais. As religiões monoteístas não compreendem as pagãs e politeístas, algumas destas já se deixaram missionar pelos cristãos, nomeadamente, mas mantêm por vezes um culto misto, adorando a um deus e santos e mantendo os "vudus" e outros rituais de várias origens. E dentro de cada uma delas, então, o que dizer? Guerras religiosas entre católicos e protestantes já fizeram muito sangue, xiitas e sunitas imitaram-lhes o estilo. Católicos do ocidente, apostólicos e romanos, católicos do oriente, ortodoxos. Cristãos coptas. Anglicanos e luteranos, todos protestantes. E mais. Igreja do reino do deus e testemunhas de Geová. Judeus, judeus árabes, judeus sionistas, judeus ortodoxos, judeus Amish.  E seitas e outros credos por África, Américas e Oriente...
E todas com praticantes muito intolerantes a tudo o que lhes soa diferente ou mais anacrónico ou mais moderno. E todas com pouca aceitação dos ímpios, e claro está, dos ateus, dos agnósticos, dos sem fé. E depois alguns destes com pouca compreensão para quem acredita, como se fossem necessariamente anacrónicos também... Que grande, enormíssima confusão. Chegou-se a um ponto em que se generaliza demais e se centra tudo em demasia na questão religiosa...quando muitas vezes são outras coisas que jogam mais alto e a religião é só um pretexto. Mas como é cómodo culpar o que não se conhece e o de que se pensa não gostar (podendo mesmo não gostar-se) toca de enfiar tudo nos nós e eles, os outros e nós. E julgar muito a conduta e até a inteligência pela religião que se professa ou pela ausência de religião. Acreditar ou não é um escolha, deverá ser sempre uma escolha. Por vezes, não é, porque é fruto do meio, da educação, do percurso familiar. Uns poderão libertar-se, mal ou bem, não interessa, outros não. Mas acreditar em algo não é sinónimo de tontice, burrice, maldade ou ignorância automaticamente. Se há coisas terríveis que já se fizeram e ainda fazem em nome da crença, e repito que terá corrido todas as confissões, também há coisas terríveis que foram feitas contra estas e na ausência destas. Poderia enumerar alguns casos históricos e até relativamente recentes. Quem acredita e com isso se sente bem e faz o bem, é bom.  Quem não acredita e idem aspas, aspas idem. Quem acredita e deixa os outros serem livres, muito bom. Quem não acredita e deixa os outros serem livres para acreditar, muito bom. Um crente não tem de ser mau mas pode ser. Um não crente não tem de ser mau mas pode ser. Assim como a divisão política do assunto é algo que pode ser inverdadeiro, injusto e sem interesse. Se sou de esquerda dizem que não acredito e alguns não querem que acredite. Se sou de direita pensam que acredito e alguns não gostam que acredite. Acreditar também está out, e não acreditar in, do género intelectual ou moderno não tem ou não pode ter nada a ver com isto. Credo, como os credos levantam tanta poeira e excitação ou raiva exterior quando o que deveria ser era e é criarem paz e esperança interior. Acreditando ou não. A religião é uma questão, repito, muito sensível e não devia sê-lo, não devíamos ajudar a sê-lo. Porque é do tipo sensível irascível e não tolerante e humano. Ele há cada sensibilidade. 

4 comentários:

  1. «Quem acredita e com isso se sente bem e faz o bem, é bom. Quem não acredita e idem aspas, aspas idem. Quem acredita e deixa os outros serem livres, muito bom. Quem não acredita e deixa os outros serem livres para acreditar, muito bom. Um crente não tem de ser mau mas pode ser. Um não crente não tem de ser mau mas pode ser»

    Está aqui tudo o que eu poderia dizer.

    Abraço

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    1. Obrigada, jrd. Imaginava que sim, claro.
      Um grande beijinho para si.

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  2. Uau, conheces tantas religiões! Eu nem por isso... Já sabes que não é o meu ponto forte!
    Muito se faz em nome da religião ou não... É pena invocarem um Deus para tomarem certas atitudes bélicas, covardes, seja lá o que for... Muitos se escondem atrás de uma religião para agirem de acordo com os seus preconceitos... Enfim, é o mundo que temos! Marla

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  3. Eu diria que há religião a mais e fé - acreditar e fazer o bem - a menos. Ou fazer o bem sem fé. Que na prática, para os outros, é a mesma coisa.

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