novembro 18, 2011

Aprovado


No outro dia conheci um jovem marroquino numa festa. Muito jovem mesmo, culto, bem vestido, estilo citadino moderno, encontra-se a fazer mestrado na universidade da cidade.
Disse que Gadaffi sempre foi um grande louco, que Bashar Al-Assad é o grande assassino e que a Arábia Saudita, onde já viveu algum tempo, é uma grande ditadura. As mulheres não podem conduzir, dizia indignado. E os EUA apoiam este tipo de regime. E acrescentava depois que o Irão apoia clara e vergonhosamente a Síria e que esta tem passado incólume a uma intervenção estrangeira, ocidental, devido precisamente a isso. Estas e outras ideias indicavam claramente a independência de espírito que tanto aprecio. E da política saltámos para os costumes.
O que me ri, pois. Contava ele que os seus pais, ambos professores, tinham casado em apenas três horas. Que não deram a mínima importância à tradição árabe, a do casamento durar vários dias. Entre gargalhadas, lá foi contando que toda a gente se espantou com (e criticou) tal opção. Família, comunidade local, Marrocos inteiro até. Ridículo, concordávamos. Porque também não sou destas festas, não tenho pachorra e é um desperdício de dinheiro. De quem não o tem inclusivamente. Nesta altura, um paquistanês anuía. Gastam tudo o que têm para impressionar os outros, disse, como se aquele dia fosse o último, o culminar de um percurso que termina ali. Ridiculous, again.
E lá recordei, em total sintonia de ideias, um casamento a que assisti na Tunísia. Quatro dias, melhor, quatro noites de festança. E era da parte do noivo, pois ao que parece na casa e no caso da noiva chega a ser uma semana. Cada luar trazia uma cerimónia diferente, um ritual diverso, um apontamento novo. Convidados que nunca mais acabam, porque vem toda a vizinhança, para além da família, e até podem juntar-se transeuntes ou conterrâneos. Costumes muito diferentes dos dos casamentos aqui. Não passa nada pela mesquita, ou pela religião, por exemplo, o que à partida pode surpreender. Ou não. Nem pela gastronomia, de todo. Muita música e dança, sobretudo. Aos primeiros acordes, toda a gente se levanta. Mulheres e homens dançam separadamente, mas com muita alegria. Deveras interessante do ponto de vista intercultural, antropológico, mas uma maratona de cansaço para a família e para o noivo e poupanças que se vão, especialmente com a despesa da última noite, que é a mais apoteótica. E para quem não tem paciência para casórios e dançarias, como eu, há infinitamente melhores programas.
O que tenho eu a ver com o que se gasta? Nada, claro. Mas não pude deixar de pensar que o que vem depois é bem mais importante. Como diziam os meus convivas, em vez de investirem na casa ou até numa pequena viagem dão uma mega festarola para inglês ver. Perdão, árabe. Ou até português, como foi o caso. Mas não se veja aqui qualquer tipo de crítica de cariz étnicocultural, isso não. Não me identifico com este tipo de mentalidade, venha ela donde vier. A ostentação irrita-me um bom bocado. O orgulho, o brio, a originalidade, não, são positivos, mas o show off sem base de sustentação, nomeadamente financeira, não o compreendo. Prioridades das quais não comungo. Ainda por cima se ditas pela tradição. Cruzes.
Mas, cá ou lá, nem todos são iguais. Ainda há quem não dê maiores passos que as pernas. Quem distinga o essencial, quem pense fora de esquemas de pensamento organizados, quem não ligue a tradições, quem decida por si próprio, quem não se endivide tolamente, quem saiba impressionar-se apenas a si mesmo. Omar, estás, evidentemente, aprovado.

5 comentários:

  1. Quanto a mim também estão ambos aprovadíssimos!!! Show-off é das coisas que mais me incomoda. Gi

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  2. Muito bom, amiga!!!!
    L.

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  3. :::))) Passei, não passei? Obrigada!:)
    A sério, é bom conhecermos gente interessante, de todo o lado. Ajuda a compreender melhor esta passagem por aqui...

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  4. Como não podia deixar de ser, plenamente de acordo. Eu tinha um esgotamento nervoso! 4 dias de casório, deus me livre e allah também!
    E digo mais, se não fosse tanto inglês-ver e árabe-ver e americano-ver e União-europeia-ver etroika-ver e sarkozi-e-merkle-ver este mundo não estava como está.
    ;)
    Sara

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  5. O noivo só dizia que estava farto -em francês, que não vou reproduzir aqui, receio escrever mal::))
    Ele e eu:::)))

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