fevereiro 03, 2011

Feminilidades

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Um dos filmes de que gostei muito foi "A Idade da Inocência". Não só porque habitualmente aprecio filmes de época, como também gosto de um romance impossível (só) na tela como ainda pelas personagens que, de alguma forma, me transmitem alguma coisa de inesquecível. A personagem da Madame Olenska poderá ser uma delas. E dei por mim a pensar que a escritora, de cujo livro se adaptou a história no cinema, Edith Warthon, é aquariana. E assim sendo teria invariavelmente de tocar o tema da liberdade e do inconvencionalismo, precisamente através da personagem da Michelle Pfeiffer, que de resto a interpretou com sublime sensibilidade. E passado alguns momentos, recordei outra heroína cuja escritora também é aquariana, Kate Chopin, e cujo livro "O Despertar" remete para a (re)conquista dessa independência e para os comportamentos livres  e sem amarras ao estipulado socialmente.

Foram dois livros que li há bastantes anos, portanto. As suas personagens femininas, protagonistas, têm de facto muito em comum. Recusam-se a levar os seus casamentos por diante e adoptam uma nova vida quando já não há laços verdadeiramente afectivos a segurá-los. Colidem, de alguma maneira, com a sociedade em que se movem. Mas, e curiosamente, são também enormes heroínas românticas. Por amor, por esse amor verdadeiro a que aspiram, acabam por fazer o contrário da heroína independente, forte, despojada, vanguardista, sem preconceito e profundamente inconvencional. Em The Awakening, Edna, depois de viver para ela e não mais só para a família, suicida-se quando é rejeitada através de um bilhete. Em The Age of Innocence, Ellen renuncia ao seu amor, volta para o marido que não ama e que a trai para, altruisticamente, não estragar a felicidade de sua prima. Portanto a sua independência e liberdade esbarram no verdadeiro amor, impedindo-as este de prosseguirem com o corte de um passado que não as fez/faz minimamente felizes. Uma contradição que aponta então para personagens ultra femininas e não feministas, de uma certa forma. Escolher o sofrimento, e ainda por cima por causa de um homem, não é coisa que movimentos de emancipação feminina possam apreciar.


Passa então, nestas duas histórias, um toque de romantismo inegável ou de como o verdadeiro amor não deixa, também, de trazer sofrimento e dor. De como pessoas, ou melhor, mulheres racionalmente independentes podem ficar somehow afectivamente dependentes. Liberdade e amor, duas vertentes que aparentemente não combinam... Com a acção a decorrer no século XIX, ambos de autoras norte-americanas, trata-se de livros belíssimos, onde perspassa uma grande sensibilidade e onde o leitor gostaria, certamente, de escrever um final bem diferente. De ter um destino mais feliz para as duas protagonistas/personagens principais. Por isso tudo e porque tratam, sem margem para dúvida, de dimensões também da vida actual, sim, sim, eis a sugestão.
A (re)ler e a não esquecer, possivelmente.

7 comentários:

  1. sonia carvalhofevereiro 03, 2011

    Liberdade e amor...contracenso ou talvez não...liberdade para amar quem queremos e quando queremos...viva a liberdade então ;))

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  2. 2nd try! I mean I read the Age of Innocence and I loved the book.
    There is no real love without freedom that is for sure. Sagi

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  3. Ora aí está uma análise interessante que certamente me passaria ao lado: a construção do Leitmotiv das aquarianas.
    É uma lição de intimismo e um exercício de liberdade este texto. Creio que tens vindo a aprofundar uma certa componente sociomarginal que sempre toca a minha geração. Para além de tudo, aprendi alguma coisa de cinema, arte que também me passa muito ao lado.
    joao de miranda m.

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  4. Hahahaha João adorei o "leitmotiv das aquarianas" - de facto sou uma e a minha escrita é, de forma natural, diga-se, muito ilustrativa deste signo, no feminino. Era giro fazer uma tese sobre isso,sim!

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  5. A propósito de amor e liberdade, ideais que deveriam andar sempre de mãos dadas, mas que colidem muitas vezes, o livro / filme " As Pontes de Madison County" foca igualmente uma paixão arrebatadora e a renúncia a esse amor. Renunciar ao grande amor da sua vida, foi um acto de coragem e de amor de Francesca pela sua família. Tal como Ellen, Francesca prefere manter-se com o seu marido. É uma questão de princípios: abandonar os seus filhos está fora de questão. Estas histórias revelam a coragem e o sacrifício das mulheres que não escolhem a via mais fácil ou mais apetecível. Marla

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  6. @Marla - não vi esse filme (que falha!:)) mas parece-me algo diferente, pelo que dizes. A Edna em The Awakening larga os filhos,a casa, o marido. Mas a sua emancipação não vai em frente porque ao ser rejeitada pelo verdadeiro amor, suicida-se. Ou seja uma atitude inesperada e oposta à força e independência que tinha mostrado antes...
    Em The Age of Innocence ela renuncia ao amor e volta para o marido para não atrapalhar a felicidade da prima. Estando muito só, e com problemas financeiros, ela morre, de certa forma,também, para a verdadeira vida...Faty

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  7. Aconselho vivamente a vê-lo. É uma história lindíssima! De facto, não se relaciona com o filme " The Awakening", mas penso que trata de temas semelhantes ao filme "Age of Innocence" por se tratar de amor verdadeiro e renúncia, se bem que por diferentes motivos. Bom domingo! Marla

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