Este foi o primeiro texto escrito para o jornal EPADRV...
The Sound of Silence
O silêncio. Que coisa mais fora de moda. Os jovens não o querem, as pessoas sentem-se mal com ele, aparece-nos como algo estranho, perturba-nos, ali está, a a fazer-nos confrontar connosco próprios e com os outros. O silêncio faz pensar. Ora isso é uma grande chatice. Dá trabalho, incomoda, exige capacidade de criar, enfim não estamos para isso. Então, fazemos o contrário. Fazemos barulho. Consumimos barulho. Nos locais, nas relações, nas aprendizagens, nos media, no entretenimento, no trabalho, nos tempos livres, e por aí fora.
Façamos um périplo por alguns sítios da nossa vida quotidiana. Entramos nas lojas de roupas dos centros comerciais, verdadeiras e queridas mecas do consumismo português, e os décibeis difundidos estoiram-nos os ouvidos. Não ousamos dizer isso porque gerações anteriores não nos habituaram a reclamar e além disso ainda passamos por velhos frente às mais novas que estão atrás do balcão. Onde está o responsável, o patrão? Até gostava de lhe dizer isto, que me incomoda estar a fazer compras no meio de uma música aos berros que me atordoa o espírito. Mas ele não está, delegou as responsabilidades em alguém que não precisa de pensar, apenas de executar, vendendo, e quanto mais presumivelmente bem disposto e alienado estiver, se calhar, melhor.
Depois seguimos para a loja de electrodomésticos. Queremos comprar um imaculado, branco e fresco frigorífico mas encontramos uma barulheira emanada quer de stereos quer de televisores ligados na ficha. Diga-se que estão 356 aparelhos a emitir ondas sonoras e que a proliferação de imagens ajudam à nossa confusão mental, já que a velocidade com que são disparadas acompanham o som, bem lá em cima. Olha, ela enganou-se na marca do frigorífico, não era este/a que queria, mas também, distraiu-se no meio da tecnologia de alta agitação, ah enganei-me, quer dizer, alta definição.
Depois entramos no carro para ir a outro lado e ligamos o rádio para ouvir música e acompanhar as notícias. Não encontramos nenhuma estação a passar melodia, quase todas estão a emitir... ruído. Metal, hip hop, electronic, tecno, house, trance, tudo o que lhe quiserem chamar. Esperamos pelas notícias… Começa uma voz a falar de acontecimentos locais e internacionais, mas olha, melhor, ouve… (se conseguires…) Tudo no meio de “música” (?) enervante que nem sequer deixa que sigamos o desenvolvimento das histórias. E pronto passaram a correr, ele não assimilou nada do que à partida podia, devia, queria. Depois lembra-se das notícias televisivas mas pelo sim pelo não ainda passa pelo quiosque para comprar o jornal. Ler ainda significa ausência de ruído…
Talvez sim talvez não. Os jovens de hoje, no geral, dizem gostar pouco de ler. E, quando já estamos a achar fantástico que o digam que o façam, descobrimos que lêem sim, o que quer que seja, ou estudam, mas de auscultadores nos ouvidos. Estar em silêncio é uma brutal seca, têm de estar distraídos, a consumir o que apenas às vezes alguns deles chamam de música, tem de haver uma espécie de divertimento non-stop. No quarto, nas aulas, na rua, há-de haver por perto um MP3 e um Ipod e um outro device qualquer para animar o pessoal. Então não se interioriza nem cultiva nada, nem afectos em casa nem matérias na escola. Na rua, passam apressados e escondidos atrás dos seus sons, sem sorrisos, sem espaço para olhar o mundo em redor…
Deslocamo-nos, então, ao cinema para respirar um pouco de romance e ficção. Já sonhamos com as histórias e suspiramos pelos protagonistas (não é afinal, também isso a magia do cinema?) mas antes ainda há tempo para sermos bombardeados com sons consideravelmente estridentes que não chamaria musicais, acompanhados de imagens em efeito turbilhão que nos violentam algum sossego no “escurinho do cinema” que afinal procuráramos... Os trailers são cada vez mais violentos, a publicidade é assustadoramente vertiginosa. Elas arrependeram-se de sair de casa, dir-se-á que envelheceram, não negam se isso significa desejar um pouco mais de calmaria...
Vivemos assim numa época em que parece que temos de estar constantemente animados e em perepétua agitação. Não há momentos para reflectir, trocar impressões, interiorizar conceitos, absorver valores.
Nos anos 60 do século passado a dupla Simon e Garfunkel cantava a música que dá título a esta crónica.
“…And in the naked light I sawten thousand people, maybe more.People talking without speaking,people hearing without listening…”
Ouvi-la e compreender o seu poema é, de facto, um convite a uma certa introspecção. Um convite a dizer não ao ruído por alguns ou muitos momentos e deixarmos construir dentro de nós uma lembrança, um projecto, uma ideia, um afecto...