"Aqueles que são verdadeiramente bons não perguntam aos nus: Onde está a tua roupa?, nem aos que não têm abrigo: O que aconteceu à tua casa?" (Gibran)
Exatamente. Os que nos recordam as desgraças não são propriamente modelos de bondade. Por exemplo. Nunca vos aconteceu lembrarem-vos de coisas que querem esquecer? Ou até recordarem-vos de coisas que já inclusivamente esqueceram? Frequentemente no local errado, na altura inoportuna, com um tom inadequado? Podemos estar a sorrir, contentes, e vem de lá uma intrusa memória que nos faz desaparecer a alegria subitamente? Por isso tendo a não ser apreciadora de gente com boa memória. São geralmente exímios a evocar coisas más, experiências dolorosas, insucessos vários, momentos que não desejámos.
Se por um lado, tenho que ter a humildade de reconhecer que pedras se atravessaram no meu caminho, por outro, é legítimo que não queira ser ser relembrada de episódios ou desafetos ou problemas que me podem incutir, pois é possível, algum tipo de dor. E, ainda mais, se estando ultrapassados, pois deixa de fazer sentido a preocupação. E também porque não me parece que se possa extrair algum prazer em aflorar o que ficou para trás e não foi bom. Aprendemos com as nossas derrotas, fortalecemos o caráter e a resistência, podemos até ser mais interessantes, somos, porque mais conhecedores, mas temos o direito de seguir em frente e de sermos nós a escolher a nossa vida como tópico de conversa.
Porque, muitas vezes, também é a isso que isto se refere. Podemos (ainda) estar a viver uma situação muito desagradável e até penosa mas penso termos nós o máximo direito de sermos também nós a definir o tema da conversa se ela se refere ao nosso sofrimento. Porque podemos querer sofrer em silêncio, é uma possibilidade. Ou podemos não querer desenvolver o assunto, sobretudo com quem não queremos. Não se fala aqui de amigos e familiares próximos que nos entendem e conhecem bem. Esses veem facilmente se podem falar ou não, ou se precisam de nos dar o espaço privado ou não. Ou, pelo contrário, se precisam de nos abanar ou não.
A bondade é uma noção vasta e complexa, com variantes e amplitudes várias. Mas ela não pode significar que se lembre a desgraça quando isso não foi pedido e pode causar sofrimento. Nem que a má sorte esteja aparentemente a ser lembrada por entre sorrisos pretensamente cúmplices, solidários e empáticos. O orgulho e a vaidade não nos podem negar a fortuna adversa mas a falsa bondade também não nos pode mergulhar de novo nela.
O problema não é a boa memória, mas o uso que dela se faz porque muitas vezes tem objectivos instrumentais...
ResponderEliminarÉ verdade, Paulo, tem toda a razão. Ainda assim, fruto da experiência pessoal, memória a mais não faz o meu género :) Porque ela resvala para aí, frequentemente. :)
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