O tom religioso em O
Profeta de Kahlil Gibran parece à partida não se coadunar com os tempos
apressados, desumanizados e dir-se-ia quase “ateizados” que correm. Mas,
espantosamente, o seu conteúdo é intemporal e, por isso mesmo, atualíssimo para
os dias de hoje. No capítulo que dedica aos filhos, diz-nos que os filhos não
nos pertencem, que têm os seus próprios pensamentos. Uma coisa que parece
óbvia, há tanto tempo, e que, na prática, é geradora de muitos problemas.
Para muitos pais, é muito difícil a aceitação de que os
filhos não são o seu prolongamento. Para quase todos nós, poderá avançar-se.
Prolongamento do seu projeto de vida, dos seus sonhos, do seu ego, das suas
vaidades, dos seus devaneios de criança, até das suas frustrações (já que não
pude ser ao menos que tu possas…). É-lhes muito difícil que os filhos façam
escolhas diferentes daquelas que eles próprios preconizaram para os mesmos, que
rumem a sítios por eles impensados e por isso impensáveis, que se atrevam a
contrariar muitas das suas expetativas em relação a amores e orientação sexual,
a carreiras e sonhos de protagonismo, a estilos de vida e até de imagem e look
exterior.
Quantos problemas geracionais na família se poderiam evitar
se a filosofia do let (it) go pudesse
acompanhar o amor incondicional que se tem por um filho? Deixar fluir um pouco
mais as suas próprias ânsias e desejos, deixá-lo ir ao encontro do seu próprio
caminho? Nem sempre é fácil, porque julgamos saber o que é melhor para os
nossos filhos, muitas vezes queremos tão somente protegê-los de adversidades
maiores, mas a nossa bitola deixa de saber medir quando eles crescem e fazem
escolhas que nós também ousámos fazer, noutros tempos e noutras circunstâncias.
Há um corte, algures, que terá de ser feito, saudavelmente feito, sob pena de
comprometermos o crescimento de alguém que não pode ficar pequenino e
dependente para sempre. Porque nós também já nos libertámos. E se não o fizemos
é porque não atingimos a maior idade psicológica, aquela que existe para além da data no calendário.
Há pais que, amando os seus rebentos, lhes fomentam a
autonomia e lhes proporcionam um crescimento saudável (não estamos a falar da
amamentação nem da alimentação, por favor, a maternidade e paternidade não se
esgotam na satisfação básica destes e outros aspetos) e harmonioso, que vai respeitando
as personalidades e preferências e aptidões dos filhos, desde pequenos até
adolescentes e adultos. Já outros, amando-os na mesma, porventura aqueles que focam a educação nas
necessidades básicas em detrimento de outras dimensões (não vendo a
parentalidade como um todo), são extremamente rígidos com a diferença, a
originalidade, a sensibilidade, até o talento, ou a falta de identificação com
eles mesmos. Então, procuram à força que os filhos sejam iguais a eles, caindo
em atitudes de rigidez e inflexibilidade que muito ferem quem não entende
porque diabo há de ser igual, pensar de maneira semelhante.
Há resultados catastróficos em educações deste tipo, expetáveis e imagináveis para quem vislumbra para além do que parece ser apenas uma educação rigorosa e apurada. Elas
parecem residir e residirão também no amor, que afinal todos sentem, mas acima dele está algures
uma ordem qualquer, algo de difícil definição, entre o amor e a exigência
dura, despudorada, mecânica, tacanha, vaidosa, sem afetos e mil coisas mais.
É maravilhoso ser-se mãe e ser-se pai. É também difícil sê-lo
e não cometer erros. Mas não queiramos ser donos dos nossos filhos ad eternum. Há e haverá uma altura em que eles se soltam e soltarão. Para o bem, se para o bem os
tivermos, no amor, educado. E para o bem, esperando que tenham a maior sorte
deste mundo. Para o bem deles e, assim, para o nosso.
publicado no site baiano onde colaboro
Assunto delicado... "Não são o nosso prolongamento!" Tão simples e tão complexo! Que tenhamos a lucidez, de no AMOR os deixarmos seguir os seus caminhos, sempre prontos para os amparar nas quedas e os deixar seguir novamente!
ResponderEliminarNo amor, o que nem sempre facilita o "let (it) go:) Mas engraçado que falei também como filha, porque há que ver este ponto de vista para ajudar depois o de mãe:) ou pai.
ResponderEliminarBasta que eles nos prolonguem -a vida- quando vivem a sua própria vida.
ResponderEliminar:)
É um quanto basta que já é quase tudo:)
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