maio 12, 2012

Os nossos filhos são e não são nossos


             

O tom religioso em O Profeta de Kahlil Gibran parece à partida não se coadunar com os tempos apressados, desumanizados e dir-se-ia quase “ateizados” que correm. Mas, espantosamente, o seu conteúdo é intemporal e, por isso mesmo, atualíssimo para os dias de hoje. No capítulo que dedica aos filhos, diz-nos que os filhos não nos pertencem, que têm os seus próprios pensamentos. Uma coisa que parece óbvia, há tanto tempo, e que, na prática, é geradora de muitos problemas.
Para muitos pais, é muito difícil a aceitação de que os filhos não são o seu prolongamento. Para quase todos nós, poderá avançar-se. Prolongamento do seu projeto de vida, dos seus sonhos, do seu ego, das suas vaidades, dos seus devaneios de criança, até das suas frustrações (já que não pude ser ao menos que tu possas…). É-lhes muito difícil que os filhos façam escolhas diferentes daquelas que eles próprios preconizaram para os mesmos, que rumem a sítios por eles impensados e por isso impensáveis, que se atrevam a contrariar muitas das suas expetativas em relação a amores e orientação sexual, a carreiras e sonhos de protagonismo, a estilos de vida e até de imagem e look exterior.
Quantos problemas geracionais na família se poderiam evitar se a filosofia do let (it) go pudesse acompanhar o amor incondicional que se tem por um filho? Deixar fluir um pouco mais as suas próprias ânsias e desejos, deixá-lo ir ao encontro do seu próprio caminho? Nem sempre é fácil, porque julgamos saber o que é melhor para os nossos filhos, muitas vezes queremos tão somente protegê-los de adversidades maiores, mas a nossa bitola deixa de saber medir quando eles crescem e fazem escolhas que nós também ousámos fazer, noutros tempos e noutras circunstâncias. Há um corte, algures, que terá de ser feito, saudavelmente feito, sob pena de comprometermos o crescimento de alguém que não pode ficar pequenino e dependente para sempre. Porque nós também já nos libertámos. E se não o fizemos é porque não atingimos a maior idade psicológica, aquela que existe para além da data no calendário.
Há pais que, amando os seus rebentos, lhes fomentam a autonomia e lhes proporcionam um crescimento saudável (não estamos a falar da amamentação nem da alimentação, por favor, a maternidade e paternidade não se esgotam na satisfação básica destes e outros aspetos) e harmonioso, que vai respeitando as personalidades e preferências e aptidões dos filhos, desde pequenos até adolescentes e adultos. Já outros, amando-os na mesma, porventura aqueles que focam a educação nas necessidades básicas em detrimento de outras dimensões (não vendo a parentalidade como um todo), são extremamente rígidos com a diferença, a originalidade, a sensibilidade, até o talento, ou a falta de identificação com eles mesmos. Então, procuram à força que os filhos sejam iguais a eles, caindo em atitudes de rigidez e inflexibilidade que muito ferem quem não entende porque diabo há de ser igual, pensar de maneira semelhante.
Há resultados catastróficos em educações deste tipo, expetáveis e imagináveis para quem vislumbra para além do que parece ser apenas uma educação rigorosa e apurada. Elas parecem residir e residirão também no amor, que afinal todos sentem, mas acima dele está algures uma ordem qualquer, algo de difícil definição, entre o amor e a exigência dura, despudorada, mecânica, tacanha, vaidosa, sem afetos e mil coisas mais.
É maravilhoso ser-se mãe e ser-se pai. É também difícil sê-lo e não cometer erros. Mas não queiramos ser donos dos nossos filhos ad eternum. Há e haverá uma altura em que eles se soltam e soltarão. Para o bem, se para o bem os tivermos, no amor, educado. E para o bem, esperando que tenham a maior sorte deste mundo. Para o bem deles e, assim, para o nosso.
 publicado no site baiano onde colaboro

4 comentários:

  1. Assunto delicado... "Não são o nosso prolongamento!" Tão simples e tão complexo! Que tenhamos a lucidez, de no AMOR os deixarmos seguir os seus caminhos, sempre prontos para os amparar nas quedas e os deixar seguir novamente!

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  2. No amor, o que nem sempre facilita o "let (it) go:) Mas engraçado que falei também como filha, porque há que ver este ponto de vista para ajudar depois o de mãe:) ou pai.

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  3. Basta que eles nos prolonguem -a vida- quando vivem a sua própria vida.
    :)

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  4. É um quanto basta que já é quase tudo:)

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