Há dias dei aqui conta de uma surpreendente nota positiva acerca do naufrágio trágico e assassino em Lampedusa. Ficara positivamente surpreendida com o teor humanista dos comentários à notícia online, tão pouco habitual no habitual vomitório (esta expressão roubei-ao ao Pedro Correia do Delito de Opinião) que carateriza as reações de quem aparece a comentar este ou outro tipo de acontecimento.
Pois bem, passados poucos dias, a tragédia repete-se (também dissera, nesse post, que não era nem é novidade, é infelizmente um problema que persiste há anos e anos). Repete-se, não com a envergadura da anterior, é certo, e ainda bem apesar dos pesares, mas aí está mais um triste episódio próprio de quem vive à margem e tenta alcançar a outra margem. Pois bem, digo novamente, desta vez o teor dos comentários é do pior possível. Desumanos, ignorantes, racistas, etnocêntricos, cruéis, xenófobos. E se há coisa com que eu não possa (e que faz rebentar toda a minha zen paciência em outras áreas) é com isto. Não posso com gente xenófoba, assim, declaradamente, assumidamente. E nem quero saber se com isso se perdem leitores, amizades ou até amores.
Quando tinha 23 anos, num casamento de uma amiga que casou muito jovem, no meu livre julgamento, arranjei um pretendente de Lisboa. O rapaz era muito simpático, com uma autoestima imbatível, sorridente, entusiasta. Era polícia, tinha para aí uns 27 anos, ao que me lembro. Veio a Aveiro de propósito algumas vezes para estar comigo e lá saímos, pois, algumas vezes. Eu já era uma rapariga exigente e complicada nestas coisas do coração, do género para alguém chegar até lá tem de passar pela minha cabeça primeiro. Vai daí que o rapaz começa a falar de política, numa altura em que eu ainda era algo revolucionária e mais politizada. Não tínhamos a mesma opinião mas tudo bem. Acontece que a conversa resvalou para a colonização e para a imigração. Oh, meus queridos amigos, o que ele foi dizer. Quase nos zangávamos ali mesmo.
Saídos do Bombordo, Praça do Peixe, já não me lembro o que disse ou dissemos. Quando me encontrei com a minha amiga, disse-lhe, Elsa, diz-lhe que estou interessada noutra pessoa. A Elsa, super intelectual e devoradora de livros, que não gostava muito dele, anuiu de imediato. E assim acabou o meu romance que não chegou a sê-lo. Não sou muito normal, eu sei, mas sabem que mais? Não me lembro do nome do rapaz. Isso diz muito quanto a ele me ter marcado. Ah, e depois, casei com um estrangeiro. Um grande chato, é certo, mas porque é homem. Just kidding. Já não se pode brincar é com a desgraça daqueles de quem eu falava acima. Gente sem coração, os que li. E sem cabeça. A ignorância, polissemicamente, é uma tristeza. Ignorar é (muito) triste.
Apesar de tudo a pior das ignorâncias é a ignorância política assumida, porque se ser triste é "triste", ser imbecil é muito pior.
ResponderEliminarAbraço
A ignorância política é a grande responsável por estas travessias assassinas - e o que elas significam - mas essa ignorância é alicerçada na imbecilidade. Ela alimenta-se de imbecis, que a permitem e cultivam.
EliminarCompletamente de acordo.
EliminarAinda por cima, ao que parece muitos são - eram - refugiados sírios e palestinianos, que fogem à guerra e à desgraça. Incompreensível não se compreender e compadecer disto.
EliminarNeste campo, há pessoas muito egoístas que não querem que lhes invadam o "quintal"... É a intolerância a reinar!
ResponderEliminarMarla
Incapacidade total de se porem na pele do outro...
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