Pode a tristeza ser bela?
Assim de repente, não. Não é. Não é bonita, não é bom senti-la, não a queremos para nós nem para aqueles a quem verdadeiramente amamos.
Não gostamos de a sentir chegar, de a sentir instalar-se, de a sentir fazer arrancar-nos lágrimas que não são de contentamento, de a sentir sufocar-nos a voz, de a sentir afastar-nos, por vezes, de todos e mesmo de tudo.
Por isso a repudiamos, a evitamos, a negamos, mesmo quando ela está, de resto, visível aos outros, quando chegou sem ser convidada e pensamos que será fácil mandá-la embora.
Mas poderá ela ser bela, em alguma circunstância? Pode, sim. Pode na literatura e no cinema, na poesia que nos entristece mas enternece porque nos identificamos com ela, num filme que nos comove porque move todas as emoções que na maior parta das vezes, e ainda bem, não afloram à substância dos dias mais comuns.
Muitos filmes que vi, e dos mais belos de sempre, perpassam ou perpassaram uma fina tristeza, sobretudo no final, que muito perdurou na memória coletiva de quem os viu - na minha individual, certamente. Porque o fácil seria o final feliz que a todos deixaria enlevados, o difícil será o corte no arrebatamento e no êxtase, a queda na tristeza que não se procurou nem se queria, por sabermos que outros sofrem e com eles nós também.
Um dos filmes que me levou até esse estado lacrimejante foi e assim é sempre que o revejo Out of Africa. Não chega dizerem-me que é cinema - a história é verdadeira, existiu. E mesmo que não fosse. Há um efeito de espantosa tristeza no final que combina elementos geográficos, poesia, cânticos africanos, uma morte e um amor que se quebra, o adeus a um continente, um regressar que não foi desejado, uma fazenda em África que se deixa para trás. Tudo em definitivo. A voz off de Karen, já envelhecida, e os leões simbolicamente a acasalarem na colina sobre a campa de Denys. Lindo. Não se disse aqui que a tristeza podia ser incrivelmente bela?
Não é a nossa história, e ainda bem. É um filme, como podia ser um livro, um poema, um quadro. De uma tristeza e beleza sem fim. É o poder da arte, o de embelezar estados de alma que fora dela nos parecem e são invariavelmente feios, perturbadores e, por isso mesmo, indesejáveis.
Encontrar a beleza na tristeza é outra forma de (se) procurar a felicidade possível.
ResponderEliminar:)
Apenas isto: que comentário tão belo e feliz, jrd.
ResponderEliminarquando a beleza abraça o sentido da tristeza, da dor,... torna-se mais verdadeira, mais compassiva - a meu ver. gosto! luísa
ResponderEliminarA arte tudo embeleza...:)
ResponderEliminarCantores-poetas como Vinícius de Moraes cantavam a beleza e a tristeza ("uma mulher tem que ter qualquer coisa além de beleza, qualqer coisa de triste, qualquer coisa que chora..."). A tristeza faz parte das nossas vidas e sem ela a vida não teria provavelmente sentido. Marla
ResponderEliminarÉ verdade, Marla, essa é uma passagem lindíssima e que tanto sentido faz aqui. Belíssimo comentário,amiga.
ResponderEliminarSim há beleza na tristeza de alguns filmes ou livros...não na via real.
ResponderEliminarRegina
É verdade, Regina, e, no entanto, bom seria se a ela nos adaptássemos mais facilmente...sendo melhor ainda que ela não tivesse de ser sentida.
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