Quando comecei o blogue explicava que o fazia porque queria partilhar impressões, ideias e até obsessões. Claro. Se fosse para falar de passarinhos não era preciso tanto - ainda assim hei de escrever um post sobre as florzinhas, fica para um dia mais agradável. São 22.30h, acabei há pouco de chegar a casa em trabalho non stop desde manhã e não estou propriamente no mood certo para flores. Flores para los muertos, só se for isso. Incondicional de Um Elétrico Chamado Desejo e de Tennessee Williams, de resto.
Obsessões. Qual delas me assomou, esta noite? Avaliação. Sim, avaliação. O autêntico culto da avaliação que cada vez mais se professa nos dias que nos dais hoje. Avaliação que estás no inferno, amaldiçoado seja o teu nome, não venha a nós o teu burocrático reino, não seja feita a tua estafante vontade, assim na escola como em todo o lado, não te perdoamos as tuas ofensas, nem perdoamos o que nos tens ofendido, não nos deixeis cair em maldita tentação, e livrai-nos do teu mal. E querem saber porquê?
Porque estou farta - não sei se ai desse lado também está, mas o blogue é meu e, portanto, esta é a impressão que há para hoje. Avalia-se tudo, todos avaliam todos, proliferam grelhas e excel, não sei como gerações inteiras foram avaliadas e produziram génios à mesma, não sei como as pessoas conseguiam ser inteligentes sem os milhares de descritores para tudo e nada (será que há para medir o ato de respirar e a intensidade e a frequência de acordo com os momentos do dia?), quantifica-se e pede-se para quantificar sempre mais, dentro da percentagem há espaço ainda para uma mini-percentagem, um desvario matemático que deixa em absoluto extâse os aficionados dos números e os propagadores de papelada. Criam-se empregos e dores de cabeça ao mesmo tempo, pressão e um declínio considerável no gosto pela aprendizagem, no prazer de aprender por aprender. Há naturalmente avaliações necessárias, mas há que encontrar um ponto de equilíbrio, uma confiança no processo e não tanto nos resultados quando for possível, uma abordagem de vida que não passe por mecanismos sistemáticos de avaliação para tudo, a toda a hora, baseados em máquinas de fazer papéis, uma espécie de lixo distratror do que verdadeiramente importa.
Vinha eu nestas reflexões típicas de terça em dias de ação, com o meu amigo de quatro rodas, que já apresentei anteriormente, quando rapidamente chego à cereja da moda das avaliações sem as quais as pessoas não existem - a avaliação num ciclo impensável, o pré-primário. Pois é, avalia-se as criancinhas desde tenra idade, não vão elas criar maus hábitos numa idade em que não podem apenas brincar, sociabilizar, fomentar relações, potenciar pequenas capacidades, não, temos que as estigmatizar ainda quando são bébés. E foi assim que, sem ser pedido ou desejado, o meu pequeno recebeu, naquela altura, duas semanas depois de completar 3 anos, a sua avaliação natalicia de final de período. E como não bastavam informações orais, informais, era quase um bébé, veio um grande relatório a acompanhar e, delírio dos delírios, uma caixinha no canto superior direito com é pontual ____ e é assíduo _____ à espera de uma x (cruz). Como se o pequeno pudesse ter algum tipo de responsabilidade em qualquer dos casos. Não sei se a cara séria e antipática de muitos pais que de manhã não respondem desde sempre aos meus bons dias quer dizer alguma coisa. Do género estarem a favor. Se sim, coitados dos putos... avaliadores na escola e em casa, isto sim é uma cruz.
Que diabo de manias e de tendências de pouco valor e eficácia temos nós de aguentar de iluminados com muito pouca luz. Rogai, leitor, rogai, não pela pecadora, mas por nós e sobretudo pelos miúdos que não têm tempo para aprender e brincar ao sabor do prazer. Agora e na hora da nossa vida. Ámen.
É verdade! Tanta avaliação!!! Cansa... Pensei no mesmo quando fui chamada à escola do Alexandre para assinar a sua avaliação... Deixai, pelo menos, as crianças brincar! Se não for pedir muito!
ResponderEliminarQueres dizer que o teu menino ainda não sabe extrair raízes quadradas??? Ahahahha (não é uma sã gargalhada desculpa Fatinha, é que eu própria estou a ficar maluquinha com tanta avaliação, é da loucura que está à beira de me assolar. Tudo e todos se avaliam a todo o momento. Para quê? Para avaliar e ficar-se com a sensação de que se chegou a algo perto do infalível através do Sr. Dr Excel!!! Já não se ensina ou se dá matéria para proveito de quem quer saber, ensina-se para se poder avaliar!!!
ResponderEliminarexcelente o simile com o catecismo. bendito o texto do teu ventre - talento.
ResponderEliminarjoao de mranda m.
AMEN, sister!
ResponderEliminarIsto é uma pandemia avaliativa. As criancinhas da pré. é demais.
Sagi
João- Obrigada. Desventradora avaliação:)
ResponderEliminarAna, Sara- é verdade, é a pré-loucura:)
Regina- Ensina-se para os exames, é, ao contrário do que se poderá pensar, redutor e estupidificante. Estamos nisto e muito mais. Prazer de aprender? O que é isso?
Abomino cada vez mais a avaliação! Que canseira! Tanto trabalho que se resume a grelhas e papelada que no final de pouco serve... Marla
ResponderEliminarAnda tudo louco... para onde vamos? - apetece perguntar:) Não sei, só sabemos que não queremos ir por aí:)
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