maio 26, 2012

Fundamentalmente

                              
Quando ouvimos falar em fundamentalismo associamos erradamente este conceito à religião e à religião de sempre - o islamismo. Isto porque vivemos na Europa e temos a perceção arrogante e errónea de que aqui não existirão fundamentalismos e/ ou que eles não existem para além desse.
Tenho consciência de que vou bater em alguns pontos sensíveis para várias pessoas. A religião e o islamismo radical também o é para outras. Também sei que não vou abordar todos, por esquecimento ou mesmo impossibilidade. Mas há fundamentalismos latentes ou evidentes nas sociedades ocidentais também, em pessoas que nem sequer são religiosas,  e transversais a géneros, idades, gerações, profissões e outros.
Um deles observei-o logo após o parto, numa sala em histeria coletiva que fazia o apelo da amamentação com enfermeiras a bradarem se a pessoa não amamenta não é boa mãe. Já me tinham dito que é cultural - e realmente parecia que se estava num campo de refugiados sem mais hipótese de alimento que não aquele. Informar as pessoas sobre os benefícios é uma coisa, rotular é outra. Até porque há quem não possa, situações que não resultam e há ainda uma escolha individual, livre, havendo alternativa. Por isso os seios em sangue e os gritos histéricos e as acusações de má maternidade (as histórias que se poderiam contar de quem dá a mama e maltrata logo a seguir) foram das imagens mais primárias a que assisti até hoje. E sei que há fundamentalistas da amamentação, de todos os estratos sociais, idades, enfim, cada um com o seu direito de querer, assim como há o direito de não querer. O novo AO é outra cruzada. Já escrevi aqui duas vezes sobre isso. A língua não vai acabar, reações negativas ao acordo parecem já ter existido aquando da introdução das alterações interiores e a vida continua. As birras que por aí ainda persistem, e cujas razões até compreendo, só me fazem inclui-lo na lista dos fundamentalismos perdidos, neste caso, pois não me parece plausível nem coerente nem responsável que (se) ande para trás agora. Também temos fundamentalismos tais como os naturalismos puros e duros que parecem prescindir de tudo para aliviar a dor, tipo ajuda médica e medicamentos, hospitais, intervenções cirúrgicas, enfim, escolhas é certo, mas que podem não resultar e terem que se render às evidências. Lembro-me das pessoas que não querem psiquiatras nem calmantes nem anti-depressivos e, pior, estigmatizam as pessoas que o fazem (até que um dia...), lembro-me das pessoas que juram a pés juntos não querer fazer cesarianas (até que tem de ser...), lembro-me das pessoas que prescindem de cuidados hospitalares no parto (até que corre mal...). São ideias mas devemos estar abertos, não sabemos o que vem pela frente. As touradas parecem ser uma outra área de fundamentalismos variados, do lado de lá e de cá da barricada, a irracionalidade assente na paixão ou não, comum a vários temas fraturantes. A defesa dos animais também, se isso implicar interferir com hábitos alimentares enraizados nas sociedades, por exemplo. E por fim, por hoje, o anti-tabagismo também me soa a uma forma de fundamentalismo. Haver espaços livres de fumo é bom, saudável para adultos e, sobretudo, para crianças. Mas também há que não levar isto até às últimas consequências, do género não deixar que os fumadores existam ou persegui-los como se fossem criminosos. Aqui é que residirá o cerne da questão - é ver o seguimento de um determinado caminho como se de um crime se tratasse. 
A escolha, consciente e responsável, e a abertura têm de presidir à modernidade, Se não, não teremos aprendido nada. Fundamentalmente, é isso.

6 comentários:

  1. Sim, o fundamental é ter abertura, tolerância e consciência do Outro /da alteridade. Só há evolução, se houver mudança, sobretudo de mentalidades! Marla

    ResponderEliminar
  2. Fundamental não ser cego, surdo e mudo em cruzadas que julgam os outros como fracos e/ou criminosos.

    ResponderEliminar
  3. Bem no ponto. Absolutamente verdadeiro.
    joao de miranda m.

    ResponderEliminar
  4. Obrigada, João. Fundamentalmente, é. :)

    ResponderEliminar
  5. Touché. Os fundamentalismo são um pouco como as urtigas: irritam, não servem para nada e parasitam o crescimento das outras plantas.

    ResponderEliminar
  6. Obrigada, camalees:) É isso tudo - e que bem dito está, condensa brilhantemente o que penso.

    ResponderEliminar