fevereiro 03, 2012

O inferno não são só os outros

Há umas semanas entrei numa saudável disputa com um familiar acerca da desonestidade crassa que assola a sociedade portuguesa. Ele referia-se essencialmente à dos governantes e dos políticos, naturalmente zangado como está com a crise causada por jogadas de oportunismo, por situações de impunidade,  por incompetências mentirosas, por injustiças descaradas e por tudo o mais que nos tem afundado social e economicamente.  
Dizia-lhe eu que esses comportamentos não encontram eco apenas em quem ele referia. Que são, infelizmente, muito mais transversais do que possa parecer, que vêm de cima, certo, mas de baixo também, estendendo-se para os lados. Porque simplesmente se cultiva e vive-se do safanço próprio mais do que era desejável. É culpado o governante, o político, o patrão, o gestor, o funcionário, o gerente, o empregado, todos estes, outros e muitos mais, se olham para o seu umbigo e para os seus interesses primeiro e apenas, e os dos amigalhaços e os dos parentes e os dos vizinhos.
Que quero eu dizer com isto? Desculpabilizar quem tem culpa, não. Repartir culpas, talvez. Porque se eu compactuo/compatuo com favores, favoritismos, cunhas, palmadinhas nas costas enquanto recebo uns bónus, obediência cega e acéfala em troca de umas regaliazitas, então eu sou culpada, mesmo se estou longe do topo da pirâmide. Sou culpada por omitir, sou culpada por não produzir, sou culpada por (ajudar a) promover o demérito, sou culpada por ser incompetente e receber  privilégios sabendo que o sou, sou culpada por comprar de formas diferentes bons horários e demais benesses, sou culpada por deixar que o meu bem estar seja o mal estar de outrém, sou culpada por não recusar uma  pregorrativa que não deveria ser minha ou apenas minha, sou culpada quando minto, quanto trapaceio, quando entro no jogo do logro.
Vi, vejo, veremos isto diariamente, ontem, hoje e, pior, amanhã. Quem, e não são poucos, aceita prémios em nome de algo não limpo. Pequenas coisas, grandes coisas. Maus exemplos vêm de cima? Certo, vêm, vêm muito e muitos e é revoltante que venham. Aumenta a descrença, desilude e repugna. Mas preciso sempre de ter modelos para que possa projetar-me construtivamente? Por vezes, desanima-se, porque não fazer como os outros, os que se safam, os que passam incólumes, sem mérito, sem caráter, sem transparência. Mas o desânimo, justo porque tudo é tão injusto, terá de dar  lugar à esperança, à consciência de que não me juntarei a eles, à honestidade. E isto tem de construir alguma coisa. A curto ou a longo prazo, não sei. Mas tem de.

8 comentários:

  1. Sartre dizia o contrário com ironia inteligente e falava também das "Mãos sujas".

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  2. Pois dizia. :) Em relação a isso e ao "meu" título parece-me que nos esquecemos disso provavelmente mais do que devíamos...
    O óbvio é culpar os outros. O não óbvio é mais ou menos isto...:)

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  3. É preciso que se diga essa verdade! Isentos de culpa só os anjos. Mas que há diabos mais diabos que os outros há!
    Abraço.

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  4. :) A verdade é uma coisa difícil... Obrigada, Odete, pela visita. Bjinho

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  5. A verdade é realmente uma coisa difícil. Sejamos então a mudança que queremos ver no mundo (MG). Crescer exige coragem e vigilância. Boa, Fatinha! luísa

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  6. Bem visto - se eu não mudo como esperar que outros o façam? Bj grande e obgda :)

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  7. Palavras simples e transparentes que dizem grandes verdades!
    Bonito post!
    Um abraço

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  8. Olá Helena, obrigada pelas suas amáveis palavras. Olhe, sabe uma coisa, não consigo ser mais do que simples:):)
    Outro.

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