setembro 29, 2014

Sem forças nem vontades

 
 
Durante o ano letivo transato, no decorrer da minha atividade profissional, desenvolvi um tipo de trabalho, pela força das circunstâncias, que não tivera a oportunidade de conhecer de perto antes. Falo de uma frente que se cruzou no meu caminho como Diretora de Turma, de forma avassaladora, exaustiva, enriquecedora e que continuará este ano, se bem que com mais apoio de outras instâncias escolares que estiveram, também por motivos de força maior, ausentes no ano passado.
Esta ação consistiu num trabalho de articulação constante com as CPCJS - Comissão de Proteção de Crianças e Jovens - de várias localidades, com os Tribunais de Menores de diversas áreas e ainda com médicos pedopsiquiatras de hospitais da região. É verdade, foi árduo e contínuo, exigiu força, física e mental, quer a nível de reuniões, de telefonemas, de troca de e-mails, de relatórios. Como disse, foi também uma nova experiência que me abriu horizontes, mesmo com pouca luz ao fundo do túnel, em alguns casos, e que me despertou para fortes problemáticas sociais e escolares vistas de uma perspetiva quer mais dramática quer mais interventiva. Isto indica o tipo de alunos que tive e tenho a meu cargo e implica muitas horas de trabalho para além daquelas mais normais que assentam na lecionação de aulas, nas reuniões interpares, nas burocracias incontáveis e no tratamento de problemas como indisciplina, insucesso e outros.
Não foi um bom ano, porque muito difícil, mas também estou mais conhecedora e mais capaz em determinadas áreas cujos meandros desconhecia. Quero acreditar, pelo menos. Acreditar deve dar algum tipo de resistência, forçosamente. E por isto, por tudo o que ano que findou e o ano que começou agora significam, tenho um fortíssimo ataque de nervos  cada vez que olho para a minha atual folha de vencimento. Em circunstâncias normais, em países normais, com economias fortalecidas e justas, penso que trabalho a mais e feito da forma mais honesta e eficaz que se sabe mereceria um aumento ou uma pequena promoção, algum tipo de estímulo, como forma de compensar o desgaste e o sacrifício familiar por arrasto. Mas não, aqui o salário diminuiu fortemente, do género como se eu tivesse menos 10 anos de carreira. Ou 15, até. Por um lado, poderia ficar contente por pensarem que pareço ter menos 10 anos, caramba, afinal estou cada vez mais nova. Mas por outro, e este é o que deriva da triste verdade, os 10 coincidem com o gelo que vou sentindo nos ossos e na alma: é que estou congelada desde 2004 e nem um pequeníssimo vislumbre na progressão na carreira, apesar da avaliação para promoção do mérito, aquela mentira que inventaram para fortalecer o ensino. Resumindo, tudo conspira para nos tirar a força.

8 comentários:

  1. No passado trabalhei num agrupamento de escolas numa zona muito problemática. Uma das funções era o encaminhamento para a CPCJ e foi preciso uma grande tolerância à frustração para lidar com a falta de meios (da própria comissão) para a resolução dos problemas de muitas crianças e jovens. Agora estou muito mais afastada dessa realidade mas nunca esquecerei essa experiência. No fim, vale sempre a pena o esforço.

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    1. Compreendo bem o que diz, MS, mas aqui nem é bem o caso.( Sobre esse tipo de trabalho poderei eventualmente debruçar-me aqui mais tarde.) Trata-se de denunciar as condições cada vez mais adversas em que se trabalha - e cada vez mais exigentes - e o facto de se ganhar cada vez menos. Isto não serve uma sociedade justa e que premia o esforço e o mérito. (Já para não falar de quem perde o emprego depois de anos e anos de trabalho.)

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    2. Sim, percebi. Acabei por empatizar com o desgaste desse tipo de funções, ainda por cima acumuladas às que já tem.

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  2. A amarga ironia pode marcar de maneira decisiva uma retrospectiva que se propunha como -demasiado- séria.
    :(

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  3. A frustração é cada vez maior... Ao receber mais um recibo de vencimento hoje, há cada vez menos alento para trabalhar com turmas cada vez mais mistas, mais burocracia, longas distâncias e tudo isto... por um salário cada vez mais magro...
    Marla

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