As ofensas coletivas podem não atingir certos indivíduos. Há sempre a possibilidade de eles não se sentirem parte do todo. Por exemplo, podem chamar incompetentes aos portugueses mas pode haver quem não se ache incompetente; vai daí que a dita ofensa lhe passa completamente ao lado.
maio 31, 2013
maio 30, 2013
Verdadeiramente bom
"Aqueles que são verdadeiramente bons não perguntam aos nus: Onde está a tua roupa?, nem aos que não têm abrigo: O que aconteceu à tua casa?" (Gibran)
Exatamente. Os que nos recordam as desgraças não são propriamente modelos de bondade. Por exemplo. Nunca vos aconteceu lembrarem-vos de coisas que querem esquecer? Ou até recordarem-vos de coisas que já inclusivamente esqueceram? Frequentemente no local errado, na altura inoportuna, com um tom inadequado? Podemos estar a sorrir, contentes, e vem de lá uma intrusa memória que nos faz desaparecer a alegria subitamente? Por isso tendo a não ser apreciadora de gente com boa memória. São geralmente exímios a evocar coisas más, experiências dolorosas, insucessos vários, momentos que não desejámos.
Se por um lado, tenho que ter a humildade de reconhecer que pedras se atravessaram no meu caminho, por outro, é legítimo que não queira ser ser relembrada de episódios ou desafetos ou problemas que me podem incutir, pois é possível, algum tipo de dor. E, ainda mais, se estando ultrapassados, pois deixa de fazer sentido a preocupação. E também porque não me parece que se possa extrair algum prazer em aflorar o que ficou para trás e não foi bom. Aprendemos com as nossas derrotas, fortalecemos o caráter e a resistência, podemos até ser mais interessantes, somos, porque mais conhecedores, mas temos o direito de seguir em frente e de sermos nós a escolher a nossa vida como tópico de conversa.
Porque, muitas vezes, também é a isso que isto se refere. Podemos (ainda) estar a viver uma situação muito desagradável e até penosa mas penso termos nós o máximo direito de sermos também nós a definir o tema da conversa se ela se refere ao nosso sofrimento. Porque podemos querer sofrer em silêncio, é uma possibilidade. Ou podemos não querer desenvolver o assunto, sobretudo com quem não queremos. Não se fala aqui de amigos e familiares próximos que nos entendem e conhecem bem. Esses veem facilmente se podem falar ou não, ou se precisam de nos dar o espaço privado ou não. Ou, pelo contrário, se precisam de nos abanar ou não.
A bondade é uma noção vasta e complexa, com variantes e amplitudes várias. Mas ela não pode significar que se lembre a desgraça quando isso não foi pedido e pode causar sofrimento. Nem que a má sorte esteja aparentemente a ser lembrada por entre sorrisos pretensamente cúmplices, solidários e empáticos. O orgulho e a vaidade não nos podem negar a fortuna adversa mas a falsa bondade também não nos pode mergulhar de novo nela.
maio 29, 2013
Cumprimentos
Confesso que não compreendi logo à primeira. A criatividade linguística foi elevada e por vezes subestimamos essas capacidades em quem aprende - vá, em quem supostamente está a aprender.
Pedi, como parte do trabalho de recuperação de um módulo, que redigisse(m) uma carta de candidatura a um emprego (letter of application), matéria que não gosto de dar, é certo, mas que lá tem de ser.
Passando completamente ao lado do yours faithfully (ou mesmo do yours sincerely) que tinha sido explicado na aula, ela lá finalizou a carta da maneira mais imaginativa que, neste ponto em particular, eu vira até então:
lenghts
Pois, sim, o problema não reside só no inglês. Também, e dou-vos os parabéns se já o perceberam, também, dizia, atinge o português. Porque para ter este resultado no tradutor só pode ter escrito a palavra que queria de forma completamente errónea. É mesmo, acreditem. Escreveu-a, e tenho 100% de certeza, com um o na primeira sílaba da palavra no título do post.
A educação do exame
Aqui há tempo, deixei aqui expressa a minha posição face aos exames do 4º ano. Hoje falarei do que os exames em geral podem significar mais concretamente.
Se me perguntarem se prefiro que o meu filho faça exames ou não quando chegar a altura, talvez preferisse que não, mas fundamentalmente por causa do tipo de ensino que geralmente a realização de exames acarreta. Explicando. Tenho visto nas escolas por onde passei uma extrema e redutora preocupação com os exames nacionais, especialmente com os do 12º ano. De tal forma que os professores, alguns deles, passam a ensinar em função do exame. Em vez de passarem o saber de maneira a que os alunos sintam prazer em aprender e estejam munidos de ferramentas variadas de aprendizagem que lhes permitam fazer todo e qualquer tipo de exercício, não, passam-se a fazer os exercícios tipo exame, como preparação, formatando o processo de ensino e, pior, as cabeças que se deviam querer livres e sábias ao invés de estruturadas com uma única finalidade. Coisas minhas. Daí que, se os exames, quaisquer deles, levam ao pensamento uniforme e meramente executante é mau sinal e, assim, não gosto deles. De outra maneira, como instrumento de seriedade e de aferição de alguma qualidade, não vejo grande problema. Mais uma vez, cabe aos professores a decisão de dar as suas aulas fornecendo aos alunos conhecimentos e liberdade, prazer e autonomia. Se insistem em exercícios estruturalistas e formatados, não, se fomentam o gosto pela aprendizagem, pode ser, sim.
Por outro lado, como os discutíveis e, para mim, indiferentes rankings das escolas se baseiam nos resultados dos exames, muitos diretores encetam uma autêntica cruzada com os professores desses anos rumo ao total sucesso. É, desta forma, exigido aos últimos que preparem os alunos em função deles e portanto isso pode condicionar a liberdade do professor em ensinar para o prazer e para a curiosidade, para a sabedoria e para o pensamento crítico. Há uma pergunta enervante por parte de alguns alunos quando estou a mostrar ou a falar de alguma coisa, a registar no quadro e outras mais: "Sai para o teste?" O que é que isso interessa?- pergunto. Porque se encaramos o ensino e a aprendizagem como meros instrumentos para resultados e numa perspetiva quantificadora apenas está tudo dito. Há inclusivamente alunos que tiram excelentes notas neste sistema mas curiosamente isso não quer dizer que sintam gosto pelo saber, que tenham pensamento próprio, que saibam refletir, que sejam brilhantes.
O exame pode ser positivo, na sua forma de fazer sentir responsabilidade, que vai faltando aos nossos alunos hoje em dia, de criar um certo rigor à passagem pela escola, mostrando que os conhecimentos importam e que não se pode descurá-los. E que podem fazer a diferença. Mas o ensino curricular e contínuo não pode ser feito à sombra do exame. Rico, diversificado, crítico, reflexivo, exigente, mas livre de pressões de números que valem o que valem.
maio 28, 2013
Os filhos do homem
Sem estar aqui propriamente a tomar uma posição muito definida, dizendo o que é ideal ou não, lá vou atrever-me a dizer algo sobre a matéria. Um dos argumentos que ouvi e li contra a coadoção (ou adoção plena, se vier a seguir ou não vier tão cedo) por casais homossexuais é a de que estes podem "seduzir" os seus filhos adotivos. Não sei se este medo por parte de considerável parte da população, mesmo a nível mundial, se refere a práticas de tipo pedófilo, inaceitáveis, criminosas e imorais, ou a paixões que um dia possam vir a ter pelas crianças já adultas por eles adotadas. Em todo o caso, faz este medo sentido? Sim e não. Vejamos. Pode essa sedução acontecer? Sim, claro. Mas pode tanto acontecer com "pais" homossexuais como hetero. A verdade é essa. No caso de taras inqualificáveis que signifiquem abuso sexual da criança ou adolescente, o fator é o caráter, ou a falta dele, e não a opção sexual. Aliás, a questão, infelizmente, passa bem além da adoção, passa por perturbadoras relações de sangue onde pais abusam dos filhos, tios e avôs abusam de sobrinhos e netos e por aí fora. Chocante ao mais alto grau, imoralidade completa, e, no entanto, é um facto. Portanto, qualquer opção sexual pode apresentar nas suas fileiras indivíduos com tais comportamentos. Os homossexuais não são, desta forma, piores nem estão, também, acima de qualquer suspeita. Por outro lado, lembro-me automaticamente da Mia Farrow e dos seus muitos filhos adotivos. É sabido que Woody Allen a trocou por uma das "crianças" entretanto já adulta, de origem asiática. Não penso que tenha sido fácil para a Mia enfrentar essa realidade. Mas é possível acontecer, embora não numa situação tão condenável quanto a prática de ofensas em idades que não sabem discernir e que sofrem de coação, na maior parte dos casos. E também não podemos esquecer que muitas crianças são também vítimas nas instituições que as deviam proteger. Porque o animalesco existe em todas as áreas, esferas e opções. Resumindo, e porque me pus a pensar quando li esse argumento, está aí o que penso. O que resta a estas crianças? A estas e a todas, mesmo com família? Sorte. Terem a maior sorte do mundo para que o mal nunca lhes venha roubar a inocência e a magia próprias das suas idades.
maio 26, 2013
Opportunist?
O título não é ideia minha mas serve. Pode até ter graça. Pode até ser verdade. Ou as duas coisas.
maio 25, 2013
Ligo e logo desisto
Estar sem computador uns dias dá nisto: o mundo não sabe de mim nem eu sei do mundo. Para o pior... ou melhor? Para começar, inúmeras coisinhas que queria comentar perderam a atualidade e eu perdi a vontade. É que realmente há certas coisas que só a quente porque depois, porque não me são importantes, até me esqueço delas, fazendo por isso ou não. Sem computador, portanto. Pode viver-se sem net? Sem blogue, sem facebook, sem e-mail e o resto? Eu dizia que não há uns dias atrás e uma colega mais velha, ajuizadamente, dizia que sim, que eu podia. E a verdade é que pude. Aliás, tive mais tempo para outras coisas como dedicar-me à la maison, que é algo que dá trabalho e requer manutenção, andar no pátio a jogar basquetebol com o pequeno, ir por aí e acolá ao final da tarde, e mais. Claro que não estive completa completamente desligada, na escola fui ver o e-mail diariamente e lá fui espreitando o resto, mas muito rapidamente. Pensei no AE, claro, como não, mas também não foi o fim. Consegui até publicar algo, sofrível, eu sei, mas não deu para mais. Comportável a tempo inteiro? Não, mas foram muito menos horas em linha, mais leves, sem as crispações e irritações do mundo cibernáutico (na maior parte das vezes projeções do mundo exterior) , as indignações, as opiniões, as confusões, as coisinhas de que falo lá em cima, que me interessam momentaneamente ou nunca, porque as que me interessam sempre resistem às vontades e aos tempos. Como não é mau estar fora, algumas vezes. Que vida boa se pode ter longe daquilo que é sempre o mesmo ou se torna pior. Pode sempre piorar, diz um querido amigo. O mesmo para a televisão, claro. E rádio. Sem informação, como se pode ser tão mais feliz. Não se pode viver alheado e ficar à margem dos acontecimentos mas quando a indiferença, ou melhor, o desconhecimento, surge das circunstâncias ou da vontade e sabe bem é aproveitar. São férias. O país está louco, diz-se. Anda tudo doido, diz-se outra vez. Não se anda longe da verdade. Temos de nos salvaguardar, certo? Férias. Férias, mesmo se significa apenas desligar e andar a bater a bola nas traseiras.
maio 23, 2013
Entre futebol e política é preferível o humor
Tive há dois dias conhecimento da tirada do deputado Carlos Abreu Amorim (figura que, confesso, me tem passado ao lado, mal ou bem) relativamente aos benfiquistas ou lisboetas, uns ou outros, eis a questão, aquando da vitória do "dragão" no passado domingo. Já vi e li comentários online que confirmam que o epíteto que utilizou - "magrebinos"- levantou uma onda de protestos e não só a sul. Alguns comentários revelaram-se interessantes enquanto que outros não, para dizer o mínimo. O que é certo é que as opiniões dividem-se e há várias leituras feitas, ultrapassando-se ou não o conceito futebolístico, o político ou o regional. Eu própria sinto-me algo dividida. Cada vez gosto menos de futebol... e de política, precisamente porque são duas áreas onde vai escasseando a serenidade em detrimento da paixão algo primária e da opinião baseada na cor do clube ou do partido. Mas também não é um fenómeno exclusivamente português, é só atravessar a fronteira e constatar os ódios clubísticos, regionais e políticos que por lá também grassam. Sinto-me dividida porque estive a ler e fiz leituras diferentes:
- a primeira, a quente, foi a que o nome magrebino continha, bem dissimulado, algum sentimento racista e xenófobo. Muitos de nós, portugueses, consideramo-nos muito superiores aos habitantes do norte de África, por razões várias que não importa explanar aqui. Esquecemo-nos de que já fomos tão parecidos com eles em muitas coisas. E que noutras ainda somos, para o melhor ou pior do que significa ser mediterrânico. Portanto, podia bem ser ofensivo para os magrebinos e para os lisboetas - ou benfiquistas. E pessoas com cargos públicos, independentemente de as apreciarmos ou não, têm de ter um cuidado maior na escolha das palavras.
- a segunda, mais a frio, foi que não haveria mal na palavra, ela só difere um pouco da habitual - mouros - para os habitantes a sul. São conotações, digamos, mais históricas e não há mal nisso. Digo eu que não sou lisboeta nem sulista. Mas tenho uma costela alentejana e o meu padrinho de Vendas Novas sempre me chamou "galega" desde miúda. Tripeira não sou, e também não vejo mal assim chamarem os portuenses. Isto sou eu, que sou de Aveiro. aqui chamam-nos ceboleiros ou cagaréus, eu pertenço a estes últimos. Mal? Nenhum, obviamente, até acho o máximo. São as particularidades de cada região ou cidade. Regionalismos naturais, portanto.
- a terceira é que foi o fim. Ainda não estou recomposta, admito. Ao dizer aqui em casa ao tunisino que aqui vive (espero que os leitores não estranhem e não fujam por causa disso) o que o homem do FCP disse ao pessoal do Benfica/de Lisboa (? permanece a dúvida) e ao perguntar se ele não achava ofensivo para os benfiquistas/lisboetas e racista para os magrebinos, a resposta foi que não. E mais: eu se fosse ele (e ele nunca votou aqui, já agora) fazia pior, chamava-lhes salafistas (porque tem horror a este grupo radical). O humor tem destas coisas. Humor e clubite aguda. Pois agora é que são elas. É que ele é portista, doentinho, e não isento de prazer em gozar connosco, pois, sim sou benfiquista, adormecida, é certo, mas não extinta.
Confusa estou, desta forma. Não sei se me ofenda, se não. Quem diria? É que aqui em casa, meus caros amigos reais ou virtuais, eu é que sou moura. Ou magrebina, pois então.
maio 20, 2013
Por um punhado de euros
As formas do estado e das autarquias nos sacarem dinheiro estão cada vez mais duras, no caso do primeiro, e mais imaginativas, no caso das segundas. Aqui onde moro - e desculpem não saber se isto é geral ou apenas local - lembraram-se de cobrarem um imposto "hídrico" que penaliza quem tem casa virada para a ria, da parte da frente ou detrás. Como se os valores exorbitantes do IMI já não bastassem (há por aqui zonas que estão avaliadas ao mesmo nível de Cascais, veja-se, quando há uma fábrica de congelados que faz uma barulheira enorme de dia e de noite, especialmente no verão, e outras coisitas mais que não têm nada, nada, a ver com a qualidade da vila perto da capital).
Ora este outro imposto parece querer seguir os mesmos valores inflacionados. Tenho um primo que, por azar, consegue da parte de trás visualizar lá bem à frente um riachinho minúsculo que é um pobre bracinho magrinho de ria e que, por isso, recebe em casa, surprise, surprise, uma simpática quantia de 800 euros para pagar. Aqui onde moro, frente a um viveiro, nem quero imaginar. Para já, a vizinhança foi avisada para não pagar nada porque, pelos vistos, também veio morar para aqui uma funcionária da câmara que não deve ter achado grande piada à coisa, ao que ouvi dizer. Atravessando a ponte sobre a ria, do outro lado, sem viveiros privados, já houve recolha de assinaturas e preparam-se mais movimentações para evitar o descalabro de tal iluminada ideia.
Mas o que me custa mais ainda é a ideia ter surgido depois das pessoas estarem instaladas, de terem comprado ou construído casa e ela não constar das opções dos proprietários desde o início. Ou seja, mais uma vez, mudam-se as regras a meio do jogo. Porque há uma diferença, ainda assim, entre uma ideia estúpida pela qual se pode optar e uma ideia estúpida que já não nos dá margem para escolha. Margem, essa é a questão. Este pessoal deve andar a pensar que isto é Cannes ou St Tropez. Também muitos preços imobiliários, inclusivamente de aluguer, são tão altos, por cá e a nível nacional, que parece que estamos em Paris ou em algum local a transbordar de glamour, cultura ou cosmopolitismo.
Basta haver umas árvores ou estar perto de uma praiazita acidental, sem qualquer tipo de acesso aceitável, ou então um curso de água mesmo que não cheire nada bem que já dá direito a pagar mais uma soma considerável de euros. Não sei como as pessoas resistem ou resistirão. Não basta os salários serem cortados ou desaparecerem, não basta os aumentos de tudo e de nada, não basta os subsídios que se vão, não basta os empregos que já eram, não basta os sacríficios que o estado nos pede e que muitos já não podem, ainda temos de levar com estas piruetas financeiras dos autarcas que nos assaltam de forma desonesta e sem alternativa. As mãos que nos vêm ao bolso não são as nossas, pois não, as nossas, essas, estão no ar.
maio 18, 2013
Quando o que fazes nada diz
Acontece-me frequentemente escrever a propósito de coisas que li noutros blogues. Há dias, considerei interessante a desmontagem feita num deles da usual simpatia que nutrimos, muitos de nós, por profissões como artistas e outros criativos. Na verdade, temos, todos certamente, a tendência para valorizarmos mais umas profissões do que outras. Estatuto, prestígio, dinheiro, poder, fama, talento, todos jogam na valorização ou não de uma determinada profissão, emprego ou carreira em detrimento de outras. E tal valorização pode decorrer da cotação social ou da nossa própria bitola avaliadora, que passará também pela paixão ou interesse que certas áreas nos despertam. Na verdade, insista-se, não há xarope para a felicidade que seja assegurado por determinada profissão. As pessoas podem ser infelizes em qualquer delas, por milhares de razões, sentindo ou não um enorme prazer com elas. Escritores, atores, pensadores, cientistas, artistas, homens de negócios e outros podem ter vidas cheias de complicações enquanto que outras profissões mais simples e não tão glamorosas ou bem pagas ou prestigiantes socialmente podem ter nas suas fileiras pessoas de bem com a vida, descontraídas, saudáveis, felizes. Da mesma maneira, nenhuma profissão, excetuando aquelas mais marginais que pedem uma total falta de escrúpulos, nenhuma, dizia, é garantia de bom ou mau caráter. Podemos encontrar indivíduos ignóbeis e vis em todas as áreas, até em profissões consideradas insuspeitas teoricamente. Podemos até encontrar indivíduos que cumprem a sua profissão com brio e desvelo mas que têm uma vida - melhor, uma personalidade - dupla em que revelam a sua monstruosidade. Não serão poucos os dr jekylls e mr hydes deste mundo fora da ficção, muito provavelmente. Da mesma forma que atribuímos valor a umas profissões, naquilo que associamos de bom à índole de quem as exerce, também catalogamos como negativa a natureza das pessoas que exercem outras que não apreciamos ou desvalorizamos. Nada mais errado. Há bons e maus profissionais em todas as esferas mas, mais do que isso, há bons e maus corações em todas elas. Ou corações felizes. O nosso percurso profissional pode ser enriquecedor, libertador, criativo, artístico, intelectual, prestigiante, e tantas coisas mais que nos edifiquem. Mas só o será se a nossa natureza profunda o permitir. De igual forma, há profissões que podem ser mais desmotivantes, mais mecânicas, mais rudes, mas só e apenas se nós o desejarmos. Há todo um mundo à nossa volta, lá fora, que nos pode sempre engrandecer. Começando-se, claro, pelo mundo cá dentro.
maio 17, 2013
Afinal era outra
Quem é professor saberá bem do que falo, sobretudo em certas disciplinas. Na minha, língua estrangeira, há coisas inacreditáveis, sobretudo a nível da tradução/retroversão, mas quem dá história, geografia, filosofia, sei lá, tantas outras mais, já se deparou com pérolas de desconhecimento que, patéticas, também são anedóticas, daí que nos façam rir. Sobretudo a quem está de fora, sem o drama da frustração que é ensinar e a ignorância, fruto do total desinteresse, continuar. Há dias, estava eu particularmente saturada da papelada de planos para isto e planos para aquilo, soltei umas valentes gargalhadas enquanto almoçava com algumas colegas. Porque esta nunca tinha ouvido e convenhamos que rir alivia o stress. A docente e decente colega de Português, a lecionar ao nível secundário, disse que a última que tinha registado, recentemente, é a de um distraído, não quero ser particularmente ofensiva, que escreveu por várias vezes no trabalho o nome de um autor português de forma particularmente anedótica. Ou, ok, patética. Foram precisas semanas e semanas a dar "Os Maias", essa obra que ninguém conhece, para perceber que afinal nós próprios nunca tínhamos percebido que ela foi afinal escrita por uma senhora. Sim, sim senhora: Elsa de Queirós.
maio 16, 2013
Estrela
Margarida. Não posso dizer que conheço profundamente a sua carreira. Mas aprecio-a e muito. Houve uma telenovela que via por causa dela, aquela que começou com o ataque do leão em África e que desfigurou o rosto da personagem principal e que depois veio a ser ela. É belíssima. Está fantástica aos cinquenta, tem um sorriso gaiato e maroto como há poucos em atrizes de alguma forma já consagradas por cá, e parece ter ganho a parada aos amores disputados com a Alexandra Lencastre no passado pela capacidade de sedução e inteligência. Percebe-se. Magnetiza o écrã, grande ou pequeno. Nunca a vi em palco, infelizmente. E vejo pouca ou nenhuma televisão hoje em dia. Mas é, para mim, uma excelente atriz que mistura de forma ímpar sedução e sensibilidade, e dona de uma cativante expressividade. E é nossa, essa é que é essa. Olhem a nossa sorte.
As cores da discriminação
Ao longo da minha carreira docente, tenho encontrado alguns alunos com posturas muito racistas e xenófobas. Não sei se por influência familiar, por identidade do grupo onde se movem, por ignorância ou desconhecimento, por instintos negativos, por preconceitos que os media alimentam. A razão não importa, o que é facto é que sempre tive embates na sala de aula quando estas opiniões revelam ostensivamente falta de humanidade e maldade nua e crua. A diferença de opiniões é enriquecedora mas há campos em que não se trata de diversidade mas simplesmente do justo e do bem.
Nessas alturas, tento sempre que vejam o outro lado, colocando-se na outra pele, porque é completamente diferente a perspetiva quando se está do lado de lá e leva a compreender as razões dos outros. Quando há razão e se fala do justo e do bem. Também já levei filmes para a aula que abordam de forma ímpar essas questões, como forma de sensibilização de cabeças mais fechadas e intolerantes. Nem sempre os filmes resultam, alunos já vi ficarem impassíveis com as situações de sofrimento humano retratadas, mas penso ter conseguido tocar outros.
A questão da imigração é uma das vertentes que os alunos muito criticam. São lestos a condenar quem vem e quem vem e tem vantagens na vinda. Há sempre uma grande implicância com as lojas dos chineses, por exemplo, e acham que problemas como o desemprego ou o crime se devem exclusivamente aos imigrantes.
Quando lhes coloco a questão ao contrário, se gostariam de ser bem recebidos
noutros países para onde fossem trabalhar, se lhes dessem hipóteses de abrir
negócios com regalias, independentemente das razões e da sua justiça, ficam
calados. Admitem que sim. Portanto, para eles sim, para os outros não. Esquecemo-nos frequentemente que temos uma enorme comunidade de
emigrantes lá fora e que gostamos de os ver bem recebidos porque quando não são
estamos perante situações de discriminação ou xenofobia e sentimos até revolta. Ou não?
Para além disto, já tive na sala de aula observações assumidamente nazistas, de desejo de extermínio de minorias, seja por diferença
racial, cultural, opção sexual ou outras. São pensamentos que me assustam, que me repelem, que me repugnam. A democracia das ideias é uma realidade boa mas não o é quando ela implica o desrespeito pela dignidade ou liberdade alheias. Respeite-se democraticamente as ideias diferentes mas não compreendo as que revelam crueldade ou agressividade humanas sem qualquer espécie de valores éticos. Preconceitos todos temos ou teremos, uns mais do que outros, mas mesmo se não nos identificamos com certas formas de ser ou estar isso não nos dá o direito da condenação, da discriminação ou, pior, do desejo de extermínio.
Já ouvi elogios a Hitler, reflexo da total ignorância do que significou o nazismo e do que seria hoje em dia caso existisse. Já senti desumanidade perante a imigração, indiferença perante a miséria extrema de certos continentes, julgamento de quem é bem sucedido e não fala a nossa língua. Hoje, nem de propósito, falei de imigração na aula. (Começara a escrever este post de manhã e depois não pude continuar, só agora o retomei.) Salta uma opinião daquelas que me custam. Tento fazer ver o outro lado. Mas um é duro de roer. Os outros percebem e consigo o seu silêncio com relatos de tragédias e sofrimentos de vários tipos que acompanham muita imigração. Os chineses, diz. Os chineses? Sim, insiste. Nós portugueses vamos pelo mundo fora para expandir a nossa perspetiva e os negócios, acrescenta. Ai, os chineses não? - pergunto. Não. E é isto.
Tenho um grande preconceito, eu própria. É uma alergia à rigidez de pensamento, à incapacidade de ver para além do quintal, à falta de abertura no século XXI, à inveja em relação a quem prospera (já foi assim com os judeus, já que falei no kaiser alemão nascido na Áustria), à mesquinhez e arrogância cultural, à insensibilidade face ao desabrigo humano, à recusa em deixar os outros ter uma nova vida. Estamos a atravessar uma crise que tem obrigado gente a emigrar. Pena tenho se lá, nos países para onde forem, aparecerem reações como estas a que assisto aqui. Porque as haverá, claro. O mal não tem nação nem cor nem bandeira. E o bem também não. E é isto mesmo que eu tento fazer ver.
maio 15, 2013
À pequena luz
Hungria... goulash, filmes animados no tempo do Vasco Granja, Buda e Peste, cinema com sexo, e a propósito, Cicciolina, as louras manas Gabor da época do studio system, o cubo mágico que já soube fazer, Pulitzer, a música de Bela Bartok. Bela. Não há bela sem senão: Bela Gutman. Maldição! É nestas alturas que se acende o fiozinho de luz que ainda há em mim. Que, pelos vistos, teima em manter-se anos a fio apagado. Maldição!
Querer, saber, poder
Tirando a liberdade que prejudica a do outro e a ação que fere a dignidade do outro, cada um vive como quer, sabe ou ... pode. O resto, ora, o resto é paisagem.
maio 14, 2013
Uma abelha no prato
Bem, vi há pouco um apontamento sobre o consumo de insetos pelo mundo, que atinge praticamente dois milhões de pessoas. Entomofagia, nome científico. Não posso dizer que me tenha deixado seduzida. Horroriza-me, é verdade, não consigo evitar a náusea só de pensar em levá-los à boca. Porém, admito que é profundamente cultural e que, portanto, se tivesse nascido na China ou na África do Sul ou ainda noutros pontos do hemisfério sul, decerto que os consumiria como petisco gastronómico. Afinal, eu sou daquelas que come caracóis e se delicia sempre que vou para sul no verão, aqui no norte não é tão habitual. Mas aquilo que mais me despertou a atenção não foi a existência de insetos na confeção de iguarias orientais, mas a recomendação da FAO como forma de evitar a fome. E, sim, foram mostradas realidades, sobretudo em África, que exigem uma solução nutritiva à falta de alimentos que conhecemos. Uma imensa dor percorre-me ao ver rostos de sofrimento físico primário, fruto de privações básicas que para nós ainda estão, apesar de tudo, garantidas. Se o consumo de insetos não for prejudicial, pelo contrário, então há que compreender quem o faça. Preferia que assim não fosse mas sou eu, do alto dos meus hábitos europeus de fartura, que falo. Não tenho de me chocar, chocante é a fome, e a miséria. Necessidade ou cultura, há quem goste ou precise de os consumir. Tudo se resume a uma questão de hábito. Quero crer. Como o meu em sentar-me numa esplanada alentejana e pedir um belo pires de caracóis.
Navegar quando é preciso
Acabei de dar uma volta por alguma blogosfera, sobretudo que não conhecia ou onde raramente vou. Vi coisas de fugir, sem interesse, rascas, sensacionalistas, mal educadas, do piorio. Um mundo que não me interessa. Depois, li coisas do maior interesse, que desmontam ideias, questionam, abalam as estruturas habituais de pensamento. Inspiradoras, porque me fazem refletir, querer escrever também sobre isso, concordando ou mesmo não partilhando as mesmas ideias. Um mundo inteligente e que passa ao lado do caos que se vai cultivando do outro lado. Dois mundos paralelos. Enveredar por um, eis a questão.
Isto da blogosfera tem ecos da vida real, se tem. Até nos amores. Há quem nos continue a apreciar depois de nos conhecer e há quem nos deixe. E nós o mesmo, temos entusiasmos iniciais que depois não resistem. Ao que quer que seja que não nos faz o clique. Então passam pelo nosso blogue e ficam ou partem. E nós igual, acabei de confirmar rotas que não quero percorrer e outras que me levam ao destino que vou escolhendo. Amores ou outros afetos, que se consolidam ou morrem. Igualzinho ao mundo offline. Perspetivas e estilos que não se complementam nem se encaixam. Ou que sim, e muito.
Esta incursãozinha por alguma blogosfera também me disse outras coisas. Que os números, em muitos casos, não significam o que podiam significar. Seguidores, visitas, comentários, há muitos, muitíssimos, e, no entanto, o conteúdo pode ser o vazio, o óbvio ou o caótico. Pode ser, nem sempre, como saberão. Comentários. Já dizia a Ivone, uma bloguista de que gosto, que mais vale poucos e bons do que muitos e maus. Vi cada um, nesta voltinha. Nada dizem, nada clarificam, nada valem. Mal estruturados, mal escritos, mal pensados, pronto, maus mesmo. O que se quer? Poucos e bons. Ou muitos e bons. Bons.
Uma pequena viagem muito elucidativa, foi. A dizer claramente para onde e não ir. São as escolhas, não possíveis, neste caso, mas conscientes e voluntárias. Sem elitismos culturais mas passando pelo discutível teste pessoal de qualidade e interesse. Seleção natural, não há como evitar. Porque há coisas que quero que façam parte da espuma dos meus dias e outras não. Online ou cá fora.
maio 13, 2013
Para quem pode
Há alturas em que temos de deixar a luta para os outros. O ramadão não é para grávidas nem doentes nem crianças nem idosos com problemas. As batalhas e a guerra destes tempos são para quem pode, não necessariamente para quem quer. Há outras lutas a travar. E as forças, sobretudo quando são menores, têm de ir para aí. Outras coisas sobrepõem-se, outras coisas urgem. Baixa-se a guarda, em certas alturas. E ninguém nos pode condenar por isso. Sobretudo quando nada sabem.
Chegar cedo e cedo começar
Há uns anos passei duas semanas na Escócia, em Stirling. Fiz parte de um grupo de doze professores de inglês que puderam usufruir de formação na Universidade de Stirling, através da APPI. Disso dei conta, na altura, num artigo para o Diário de Aveiro. São várias as experiências que retenho dessa estada e uma caraterística que registei, e que conto vezes sem conta, foi a da pontualidade. Fosse para as aulas, fosse para uma conferência, fosse para um espetáculo musical, fosse para exibições de arte na rua, as coisas começavam a horas. Porque as pessoas chegavam a horas. Era quase obsessivo. O compromisso era, por exemplo, para as 8 da noite (as coisas lá começam cedo, não é de todo um ritmo de horários que se assemelhe minimamente ao de cá). Então marcava-se o encontro para as 7.45 da noite. Mas quando lá chegávamos já lá estavam os escoceses, já tinham chegado antes, bem antes. Impressionante. Obviamente que a nossa relaxada latinidade (e não só, porque quanto mais a sul do hemisfério mais piora, ao que parece) contrastava com a precisão e rigor das gentes das terras altas.
Mas vem isto a propósito da praticamente total incapacidade de se cumprirem horários por aqui. Nada começa à hora exata, desde reuniões, até espetáculos, mesmo o cinema, que começa, vê gente a chegar tarde e a fazer levantar-nos das cadeiras. Mas aquilo que me faz escrever é realmente a falta de pontualidade dos alunos. Impressionante. E desta vez estamos mal impressionados, naturalmente. O que dizer quando sistematicamente não se consegue chegar a horas? Ou melhor, não se faz por chegar a horas? Ou ainda se está nas tintas para chegar a horas? As aulas começam às 8.50 h, um verdadeiro luxo. Pois às 9.05 h estão dois alunos na sala. E continuam a chegar, aos poucos, e um chega às 9.25 h. A aula acaba às 9.40h, já agora. Isto numa base diária. E arranjam-se justificações para isso? Sim, pois. E a seguir planos de recuperação de assiduidade. Tem sido assim e assim será. Não há castigo, há salvação. A pontualidade em Portugal raia o anedótico. Faz rir, para não chorar. E portanto se assim crescem e nada acontece, lá vão mais tarde começar fora de horas as reuniões, os espetáculos, as conferências e o resto. Chegar atrasado pontualmente é natural e pede-se desculpa. Há quem não peça, também é verdade. Chegar sempre atrasado é inadmissível quando se mente, pedindo-se desculpa ou não (há quem continue a não pedir).
No outro dia, nem de propósito, lemos um texto na aula em que se falava de uma engraçada solução para os atrasados a reuniões. Eram obrigados a cantar, o que embaraçava os que tais e durante um tempo tudo funcionava a tempo. Um dia apareceu um diretor que gostava de cantar e passaram a pedir músicas pop e tudo. Lá se foram as horas. Será esta a solução? Mas e se nos aparece uma estrela rock em potência camuflada dentro de um fato e gravata? Ou de livros na mão? Dão-se alvíssaras a quem encontrar a fórmula mágica. Porque mudar mentalidades e hábitos é tarefa árdua. Sobretudo quando nada acontece além de darmos menos matéria ou irmos mais tarde para casa. Estamos em crise, a Escócia está? Os políticos não são os mesmos, é bem verdade, infelizmente para nós, mas certos comportamentos sociais também não. Nem certamente a impunidade, a começar pela vida na escola.
maio 12, 2013
Fascínio e queda
Parece-me que o fascínio tem sempre a ver com o desconhecido. Ou, por outras palavras, que deixa de o ser quando passa a ser uma realidade observada, sentida, vivida. Parece-me, não sei. Pode ser que haja fascínios que perdurem para além do conhecimento, mas estou a tentar recordar-me de algum que tenha sobrevivido à experiência real e não me lembro de nenhum. Das duas uma - ou tenho fraca memória, o que não anda longe da verdade, ou ele só existe enquanto consistir num desejo não consumado. A partir daí, do anseio tornado realidade, fica um gosto, uma paixão, um amor. Ou mesmo nada disso, claro. Depende do que acontece depois. Mas o fascínio tende a esvair-se. Porque ele alimenta-se da vontade de algo que não conhecemos, de uma aspiração que não desbravámos. O meu fascínio pelo extremo oriente, por exemplo. Resistiria provavelmente às boas experiências, sensoriais e outras, mas resistiria porventura, a havê-las, às más? E mesmo havendo só boas, não se transformaria, como digo antes, em preferência, entusiasmo, arrebatamento?
Há fascínios e fascínios, dir-se-á. Mas da forma como o entendo, eventualmente como sinónimo de admiração, passa muito pelo desconhecido. Ou então isto não é mais do que uma forma extremada de idealismo.
maio 10, 2013
O tom e a fúria
De um modo geral, as pessoas andam muito conflituosas, virulentas, violentas. Não existe a mínima tolerância para nada e, de igual forma, nenhum espírito de sacrifício. E não estou a falar da crise, para que não se veja aqui qualquer tipo de insensibilidade que não possuo. Nem da política, porque frequentemente me cansa a visão apenas baseada na cor, seja ela qual for. Falo do quotidiano, das relações de trabalho, até mesmo das familiares e pessoais.
Na estrada, ao mínimo pormenor menos feliz, soltam-se palavrões acompanhados de gestos condizentes. No emprego, qualquer coisa que não agrade minimamente é logo aproveitada para criar confusão e inimizades. Na blogosfera e sem rosto, o uso de vernáculo e os ódios destilados são uma constante. Nas redes sociais, criam-se divisões fruto da impaciência e da condenação fácil. Na escola, todos julgam e interferem criando mal estar e conflitos desnecessários. De uma forma também geral, a razão é uma: atropelam-se-se os direitos e as liberdades dos outros porque se acha que os de cada um são mais importantes do que os do outro. E enquanto assim for, continuará o caldeirão de emoções à flor da pele, de reações que primam pela ausência de qualquer reflexão, de atitudes intolerantes que espalham o caos, de comportamentos que nada constroem, nada dignificam, nada edificam.
O direito à indignação é válido e precioso nas circunstâncias que assim o exigem, de índoles várias. Mas a falta de discernimento e a falta de compreensão, de entendimento, de diálogo, de ponderação, de racionalidade, de paciência, de visão mais alargada, de tudo aquilo que torna as relações e a existência mais harmoniosas e melhores cresce e alastra a olhos vistos. O mal instala-se e é difícil espantá-lo para longe. Como podem ser as pessoas felizes e a vida mais equilibrada desta maneira? Os ritmos e as pressões exteriores, de várias formas, não deixam, por vezes, margem para uma maior tranquilidade. Mas há que cultivar uma serenidade interior que nos permita, ao menos, não destilar fel a toda a hora, e que, por osmose, se estenda ao resto dos indivíduos em redor ou até mais longe.
Por outro lado, que não é mais senão mais do mesmo, não queremos sacrificarmo-nos nem por nada. Queremos tudo, agora, aqui, fácil. Queremos todos os direitos, tudo a que temos direito, mas não queremos cumprir o dever, os deveres dão muito trabalho e é mais fácil seguirmo-nos a nossa própria lista de prioridades e opções. Daí que qualquer coisa que nos retire deste caminho deleitoso que criámos para nós faça transbordar o copo. Como ousam empatar-nos a nossa caminhada de prazeres e facilidades? Cumprir é tarefa árdua e não nos apetece. Mas já é mais fácil culpar o outro e pôr achas na fogueira. Fazer não fazemos mas também não deixamos que façam. Ou então deixamos fazer mas criticamos logo a seguir. E mais, muito mais.
A intolerância reina, com vários tons e intensidades. Minam-se as relações, envenenam-se os projetos, abatem-se os de quem não gostamos, mesmo sem saber exatamente porquê, só porque não fazem como nós ou fazem mais do que nós. Um deslize, uma falha, uma infelicidade, é tudo linchado, se possível em praça pública. São tempos de fúria. São tempos de cólera. Sem amor.
maio 09, 2013
Quando um filme toca
O jogo das teclas e do tirar da roupa ao som do piano mais famoso do cinema, um par inesperado numa terra inóspita e densa, um encontro de solidões tocadas pela música do amor. E este sem precisar de muitas palavras para entender o que verdadeiramente importa.
(Já apareceu antes aqui. E pode aparecer mais ainda. No top desde sempre.)
maio 08, 2013
Opções que não são delas
As crianças continuam a ser o melhor do mundo e não é raro vê-las envoltas em polémicas por opções de adultos que lhes moldam, infelizmente, o hoje e o amanhã. Hoje dei por mim a pensar em duas situações que talvez mereçam aqui o registo.
A primeira é a questão dos exames do quarto ano. Pelo que me pude aperceber, os mesmos têm levantado celeuma, sobretudo, também ao que parece, pelo documento que pediram aos miúdos para assinar declarando que não tinham telemóvel a acompanhá-los. Não é uma ideia feliz, a de pedir responsabilidades a crianças de 9 anos, realmente, mas também não me parece que seja caso para a controvérsia que se gerou, com os habituais insultos e impropérios pela internet fora.
Aparte a visão politizada imediata, que nunca é boa conselheira da reflexão, não considero trágico que se realizem exames no quarto ano. Tem-se caído, por força de políticas facilitistas e incoerentes, num ensino extremamente permissivo e indutor de facilidades, completamente contrário ao mundo real que espera os alunos lá fora. Ou até pior, um ensino que ajuda a comportamentos pouco responsáveis e nunca punidos que depois terá continuação fora dos muros da escola. Afigura-se-me que um pouco de seriedade desde cedo não trará mal ao mundo, não creio que as crianças fiquem especialmente traumatizadas com professores vigilantes das provas, se tudo for explicado e encarado sem complexos e sem dramatismos.
Relativamente à questão dos telemóveis, estes constituem um obstáculo à concentração nas aulas (sobretudo entre os mais crescidos, que são os que leciono) e também, como já se viu, uma hipotética ferramenta para a batota, apoiada pelos pais e encarregados de educação em questão. Não é de admirar que não se pretendam estas tecnologias no exame, deviam até ser banidos das aulas, pura e simplesmente. É uma questão mundial e já há escolas e estados e países onde isso já foi discutido e posto em prática, se não estou muito enganada.
Resumindo, não sendo propriamente fã de exames, não me choca a sua aplicação. E penso que a miudagem sairá ilesa desta experiência. Não temos de considerar isto uma medida estado novo mas sim um reforço de alguma disciplina e responsabilidade estudantil, ainda que numa faixa etária abaixo do que é habitual nos últimos anos. Digo eu, não sabendo se estou na posse de todos os dados e ângulos sobre este assunto.
A segunda situação, esta sim, preocupante, prende-se com a pressa que muitos pais têm em fazer dos seus filhos pequenos adultos. Não na escola, mas socialmente. A notícia da garota milionária aos 6 anos, uma boneca com discursos pouco infantis e pouco próprios da idade fez-me espécie. Compreende-se que o dinheiro que a miúda tem faturado cai que nem uma luva no orçamento familiar mas inscrever a menina desde cedo em concursos de beleza e explorar a sua imagem em diversos programas e de várias formas é para mim assustador. Era bem melhor que ao invés de estar vestida como a Julia Roberts em "Pretty woman/Um sonho de mulher" estivesse sentada nos bancos da escola a fazer os trabalhos e a aprender. Pessoalmente sempre me fez confusão os meninos prodígio, embora sejam indiscutivelmente engraçados, mas mais se os fazem entrar em campos que só aos adultos dizem respeito. Já há uns tempos atrás a revista Vogue apresentou crianças modelos em poses sensuais que contrastam barbaramente com a inocência típica e desejada de quem está na infância e a deve viver como tal, uma campanha que levantou, naturalmente, polémica. Que, a bem dizer, os pais é que são culpados. Opções destas têm de ter o seu aval e é claro que os fatores fama e dinheiro parecem ser mais fortes do que a preservação da identidade infantil das crianças e da sua saúde emocional.
Os pais /encarregados de educação são, muitas vezes, rápidos a julgar as escolas (políticas à parte) e os professores mas são pouco autocríticos nas suas próprias abordagens educativas. E nós, educadores profissionais, sabemos em que moldes nos chegam alunos cujos pais se demitiram do seu papel, delegando sempre que não querem saber mas condenando sempre que não corre como esperam. Entre os exames aos 9 anos e uma vida de estrela precoce, com todos os riscos que isto implica, parece-me que não é difícil a preferência. Afinal, é escolher entre educação e exposição. Ou até, entre ser ou ter.
maio 07, 2013
À vista
Enquanto as pessoas fizerem escolhas baseadas somente naquilo que veem, não poderão ser felizes. Pois o que é visível, o que salta à vista, deixa-as posteriormente, e muitas vezes, tramadas.
Pela última vez...
Foi um grande prazer ter escrito a peça, muito simples, embora me tenha sido muito difícil a adaptação dos contos à contemporaneidade, um grande prazer ter escrito o poema para a dança - que bem ficou com a linda voz da Dina Ribau - e ainda os pequenos guiões de apresentação das duas provas. Não passamos à final, a competição foi dura e boa, nem sempre justa e igual, mas são experiências enriquecedoras para nós e para mim. Obrigada pelas oportunidades, parabéns aos alunos e que bom foi viver tempos de cumplicidade e criatividade conjunta. Para o ano, outra vez?
Teatro
Durante anos, entramos,
noite após noite, no mundo maravilhoso dos clássicos infantis. Depois, quando
crescemos deixamos de ler contos de fadas. Quer isto dizer que as histórias da
infância desaparecem da nossa vida para sempre? Pode ser. Ou não. Não poderemos
nós depois encarnar as personagens dos contos para crianças através do nosso
percurso? Não poderemos nós, intencionalmente ou não, percorrer os caminhos da
floresta? Não poderemos nós ser marionetas de vontades que não são nossas? Não
poderemos nós sonhar com príncipes que nos arrebatem? Podemos, e o final pode
ser o de sempre, feliz. Ou não. Mas, e se não for, não poderemos nós aprender
com a nossa história? E, melhor, não poderemos nós tentar uma outra vez?
Dança
Ao longo dos tempos, as histórias foram contadas a crianças
mas também a jovens e adultos. Entre a tradição oral e os livros, fadas,
duendes, príncipes, reis, meninos, bichos, povoaram o imaginário individual e
coletivo de todos, cá e além-mar. Mas viverão estas e outras personagens apenas
de livros e contadores de histórias? Não poderão as princesas e as rainhas, os
feiticeiros e os bonecos ter vida através de outras formas de arte? A dança.
Não será esta uma das expressões artísticas que traduz singularmente os sonhos
de cada um de nós? Um incrível sopro de ritmo, som e movimento que nos faz
projetar num mundo de, à partida, maravilhosa magia? A dança. Conta e contará
histórias, uma e outra vez.
maio 02, 2013
Outra vez
Entusiasmo
Stress
Cumplicidade
Originalidade
Labor
Imaginação
Adrenalina
Diversão
Amizade
Surpresa
Escolíadas, dia 4 a nossa eliminatória. Dificilmente virei aqui com tempo até lá para escrever alguma coisa de jeito. Torçam para passarmos à final. Poderei, sendo assim, estar mais uma semana sem aqui vir mas seria, assim sendo, muito bom sinal.
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