abril 02, 2012

Reencontros

Quem é que nunca se desorientou? Quem é que, e podendo ter sido apenas num momento, não se sentiu desorientado, perdido, sem ser capaz de escolher um rumo, ou pior, sem vislumbrar nenhum caminho? Decerto que muitos dos leitores responderão, porventura hesitantes, afirmativamente à pergunta, outros, pelo contrário, avançarão com um afirmativo não.
Parece-me que, pela observação direta que suporta 99% das minhas pessoalíssimas análises, há, de facto um grupo que não se enquadra nesta abordagem de um quadro negativo, digamos assim, sobre o qual já há  algum tempo desejava escrever. Parece-me, insisto, que na maior parte dos casos se trata de pessoas que namoraram e casaram cedo, frequentemente tiveram filhos cedo, ou seja estiveram continuamente ocupadas, assim se mantendo até hoje ou tendo-se mantido até sempre, sem grande tempo e espaço para cair em amarguras. Porque o maior desnorteamento residirá, a meu ver, num brutal encontro com a solidão. Pondo de parte a miséria e a doença, é a adiada ausência ou a inesperada perda de afetos que é, não duvidemos, a mãe das maiores angústias.
As pessoas sempre felizes porque acompanhadas são mais encantadas, conservam uma espécie de doce deslumbramento, o seu discurso não resvala para palavras amargas, como poderiam, nada lhes falhou. As pessoas menos felizes, sem serem necessariamente infelizes, são aquelas que provaram o sabor acre que acompanha muitas vidas, ainda que de forma descontinuada, ou tão somente num momento que lhes abanou as certezas e os projetos.  Falam de maneira diferente, o seu olhar, ainda que melancólico, é mais experiente porque conhecedor de estados de alma mais obscuros, as suas frases deixam entrever laivos de deceção e mágoa. Essa insatisfação, latente ou visível, é resultado de um vazio, da privação de pessoas e horários, de sonhos e ideias, de obrigações e prazeres, de movimento e afetividade que as faça sentir mais seguras, mais amparadas. Solidão, em primeiro, pois. Mas desemprego e insucesso de vários tipos, dos quais ninguém está livre, podem também conduzir ao vazio, ao desnorte momentâneo.
Ainda assim, há que encarar estas perturbações com uma sensata naturalidade. Mesmo carregando experiências de dor, desencanto e por vezes mesmo cinismo, as pessoas que já se desorientaram resistirão. Porque depois da provação estarão preparadas para tudo. Sabedoras, nada as surpreenderá na natureza humana, porque não realizarão mais castelos no ar, terão baixado as expetativas. Isso é bom - muito bom. Sobretudo se mantiverem sempre uma esperança. Não é agradável perdermo-nos, viver na incerteza e na ânsia, não encontrar resposta para a dúvida que se instalou. A dor dói. No entanto, este estado terá o seu fim. Se não for negado, se for intensamente sentido e se dele se colher algum ensinamento, sobretudo sobre nós próprios, outras coisas surgirão. Surgirão da esperança que restou, pois esta não pode esvair-se completamente.
Os tempos não são todos iguais mas haverá um tempo, também, para quem se desorientou. Será o tempo de (re)encontrarem, após quase terem deixado de acreditar, a bússola da sua vontade e paixão de existir.

6 comentários:

  1. Quando apenas perdemos tempo, podemos rencontrá-lo. Mau é quando perdemos o Tempo.
    :)

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  2. É bem verdade, jrd, muito bem dito, como sempre. :)

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  3. Intenso!
    É verdade que a dor dói,, mas difícil é voltar a acreditar... pois nunca mais se recupera a ingenuidade da paixão ou a doce construção de um sonho. Mas pode reconstruir-se, só que desta vez será de outra maneira!
    E haverá um tempo...
    Beijinhos

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  4. Tens razão, Ana, não é mais da mesma forma - doce e ingénua - mas pode ser melhor porque mais "na real":) Há sempre um tempo, não duvides. Beijinho


    Obrigada pelo comentário, aos dois, não é toda a gente que consegue comentar um texto com este conteúdo:)

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  5. Quanto a mim, trocaria alguns momentos amargos pela "inconsciência" da ceifeira. Mas não todos. Como dar valor aos momentos doces sem ter provado os amargos?
    Sagi

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  6. Também é verdade, Sara, também:) Valha-nos isso - essa sabedoria de sabores diversos :)

    Obrigada pelo comentário, pelas razões que apontei acima.

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