outubro 22, 2011

Outono árabe

Os efeitos da primavera prolongam-se.


 
1.As imagens de Khadafi/Gaddafi a ser capturado e praticamente chacinado não são agradáveis de ver. Chocam e perturbam, mesmo sendo quem foi e o que fez. De qualquer forma, temos nós uma distância física e emocional que nos permite discernir entre o certo e o errado, entre o moralmente correto e o princípio da imoralidade. Desta forma, este tipo de atos, mesmo contra ditadores, surgem a nossos olhos como violentos, irracionais, inaceitáveis. Por outro lado, poderão ser e serão vistos como compreensíveis se pensarmos na destruição, na revolta e no caos físico e emocional do país e dos que travam esta batalha há vários meses. E nas vítimas de 42 anos de medieval terrorismo. Para lá das tentativas de definir e descrever os rebeldes e do rumo que a Líbia possa tomar, a realidade é que no terreno e a quente as emoções estarão ao rubro e atos impulsivos e desprovidos de legalidade serão, invariavelmente, o seu resultado. Outra verdade é que o coronel se pôs, definitivamente, a jeito. As atitudes e as palavras dúbias e tresloucadas, assim como o não querer deixar o poder quando lhe foi claramente mostrado que seria difícil senão impossível mantê-lo, não fizeram mais do que cavar o seu fim e desta maneira. Pois não se colhe, quase sempre, o que se semeia?

2.A Tunísia vai a votos amanhã, dia 23. Os cidadãos que vivem no estrangeiro já estão a votar nas embaixadas. Ao invés dos anos anteriores, são eles que têm de se deslocar às capitais dos países onde residem para deixar a sua participação no ato eleitoral deste ano, histórico, sobretudo pela maneira como foi feita a sua revolução. Foi também a primeira no mundo árabe, o rastilho, e o melhor dos exemplos até aqui.
Parece que o candidato islamita segue na frente das sondagens. O mundo ou grande parte dele tem os olhos postos nesta eleição. Ela poderá servir de modelo para as outras que ocorrerão ou poderão vir a ocorrer, sobretudo nesta região geográfica e e humana. O mundo a ocidente estará expetante e temerá provavelmente a vitória do candidato islamita. Mas se olharmos para a Turquia temos um presidente dum partido semelhante a comandar o país. E a Turquia tem vindo a evoluir em muitos campos, nomeadamente o económico. Erdogan, pela postura e pela influência que já tem, é sem dúvida um líder equilibrado (chamou o coronel líbio à razão e fez o mesmo em relação ao presidente sírio) que tem mantido os acordos tradicionais com o ocidente. Não que tenham todos que o fazer obrigatoriamente. Não que o ocidente seja o paradigma da perfeição e do equílibrio (ainda mais nos dias de hoje, sabemos bem porquê). Mas porque acredito que a maioria de nós espera uma mudança de liberdade para o povo tunisino, neste caso. Com todos os defeitos da democracia, mas também com todas as suas grandes vantagens. E esperando a prova de que é sempre e sempre possível mudar.

4 comentários:

  1. Tão pertinentes os teus textos e muito bem acompanhados de imagens humorísticas! Confesso que fiquei surpreendida com a captura e morte do Khadafi, apesar de saber que o seu fim estava perto. Tão tresloucado e alucinado que era, não arredou pé da sua "querida" Líbia seguindo literalmente o lema: "ocupar o meu trono?! Só por cima do meu cadáver!". Teve um fim merecido, apesar de cruel e selvagem. Confesso que foram chocantes as imagens! O povo estava sedento de vingança! O outro evento marcante: as primeiras eleições democráticas na Tunísia são mais um passo para um futuro de liberdade e democracia, assim se espera. O meu desejo é que o povo tunisino possa conhecer um futuro melhor e ver a sua pátria erguer-se como uma nação democrática e respeitadora dos direitos humanos, extendendo os mesmos votos às outras nações árabes que lutam pelo mesmo objetivo. Viva 2012, ano das revoluções nas nações árabes! Marla

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  2. Khadafi era um louco que vivia na desmesura da sua insanidade, morreu da forma mais hedionda...a exposição do seu cadáver. Recusei-me a ver qualquer imagem, embora compreenda o poderoso sentimento de vingança de um povo. Não foi uma pessoa mais sim o que ela representava que precisava ser aniquilado da forma mais sangrenta e repulsiva.
    Quanto às eleições na Tunísia, vi ontem uma reportagem sobre uma das mentoras bloguistas da Revolução de Jasmim, que não ia votar...alegando que todos os partidos estavam minados por interesses do antigo regime...fiqueium pouco receosa, mas vamos a ver. Um novo acto eleitoral é sempre uma esperança de mudança.

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  3. Bem, eu sigo o Delito de Opinião e um excelente jornalista que lá escreve. Como ele diz, "o povo é quem mais ordena". Nem mais nem menos. Aliás, não podemos recear a mudança a pensar que virá algo pior. E se for, é sempre a nossa escolha (a deles, neste caso). Quanto ao líder líbio, não derramo lágrimas por ele, embora tenha a distância suficiente para não achar propriamente digna e moralmente correta a sua morte. No entanto, não foi ele também cruel? Faty

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  4. Tenho andado a procurar info independente e credível sobre a Turquia de Erdogan. Realmente, a nível social parece haver cada vez mais referências à poligamia (que é de resto proibida mas largamente praticada em muitos círculos e regiões do país). Não, Erdogan não é, infelizmente, Ataturk, de longe. Este continua a ser o visonário corajoso que modernizou a Turquia. Oxalá ela não ande para trás...ainda que esteja a fazer milagres no campo económico (cresceu, só foi ultrapassada pela China e pela Índia, ao que apurei). E isto serve para a Tunísia - será que o país árabe mais moderno socialmente, mais livre em relação às mulheres, vai retroceder no desenvolvimento social e dos direitos? Espero que não. Vamos ver (ao que li é tb a posição de Salman Rushdie sobre o assunto). Vamos ver... Faty

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