janeiro 22, 2011

Hasta siempre...


A propósito de revolução...independentemente do rumo que algumas delas tomam e das nossas posições face a elas, é inegável a beleza da música cubana e a riqueza da cultura do povo cubano. Do filme- documentário, que adorei, Buena Vista Social Club.


Revolução...Ao som de uma música de excepção, este video combina, para mim, duas coisas que têm sido constantes da minha vida :o gosto pela liberdade e o gosto pela geografia. Assim como se as viagens não fossem senão vôos físicos, sensoriais, claramente, e também comportamentais, mentais, ou seja de como os dois se podem incrivelmente mesclar e completar a existência.
Porque a liberdade é também um conceito muito individual, que nós exercemos ou não, todos os dias, no nosso quotidiano. Não depende somente da organização e/ou conjectura política, social, laboral e afins. Depende da nossa vontade. Fazer escolhas, optar, opinar, dizer não, estão muitas vezes ao alcance de todos e nem por isso todos o fazem. Ou seja pode uma pessoa ser prisioneira de si própria, e dos outros que lhe são queridos, porque revoltar-se será precisamente mais dificil se não houver coragem para romper com os nossos próprios esquemas de vida. Daí que ser livre seja algo que não é fácil porque nos pode deixar sozinhos ou isolados e dar azo a conflitos, naturalmente. Portanto quão mais fácil e cómodo não nos aventurarmos em sair do rebanho e gritar a plenos plumões que não queremos.
Quanto à geografia, ela é um salto no mundo mais diverso, que nos enriquece e espanta. Ela é feita de raças e cores, terras e flores, diferenças e parecenças. O universo visto do ponto de vista das pessoas e das culturas, das práticas e das regiões. Será esta a dimensão da geografia que mais nos estimula e /ou instiga, dependendo da nossa capacidade de absorver o desconhecido e torná-lo conhecido.
Viajar por Cuba, que ainda não visitei, neste vídeo dá-me a sensação de viajar livremente para um mundo à minha escolha. Por isso fico feliz, apanhando o avião da minha alma e percorrendo uma terra que ainda é emblemática em sonhos de revolução. Ecos de hasta siempre....

janeiro 17, 2011

Aroma de jasmim


1. Geralmente, não costumo comentar a actualidade, por uma ou outra razão. Mas desta vez impõe-se que escreva sobre a Tunísia, por variadíssimas razões. Em primeiro lugar, o cheirinho a revolução, justa e sedenta de liberdade, sempre teve, para mim, um significado sem fim. Em segundo, coisas como a coragem, que o povo tunisino revelou ter de forma sem paralelo no mundo árabe, sempre foram alvo da minha admiração. Em terceiro, porque envolve pessoas que fazem parte da minha vida e do meu círculo e, desta forma, não posso deixar de estar solidária.
2. Visitei a Tunísia várias vezes. O meu olhar não será propriamente o do turista comum, já que lá passei mais tempo, convivi directamente com o povo e observei muita coisa. Entristece-me constatar que muitos turistas apenas retiram as coisas menos boas que porventura possam ter vivido nas suas férias, como experiências menos felizes num hotel, ou com a comida ou ainda com ou outro nativo, ou por usarem lenço ou por deitarem algum olhar mais atrevido. Esquecem-se de ver as coisas como um todo e não analisam as potencialidades e as coisas boas deste país. Esquecem-se ou não são, pura e simplesmente, capazes de o fazer. Por defeito, falta de visão, egoísmo e snobismo culturais. Triste, sem dúvida.
3. A minha dentista, uma das poucas mulheres admiráveis que conheço pessoalmente, e que visitou o país por pouco tempo, foi rápida na sua análise inteligente. Diz ela, e eu subscrevo totalmente, que a Tunísia tem um povo espertíssimo, interessante e com muito potencial para desenvolver o país. De facto, o que sempre me saltou à vista foi o facto dos jovens tunisinos estarem tão bem informados acerca das coisas e mesmo do mundo, abertos e receptivos à troca de ideias e de experiências, falando facilmente várias línguas e mostrando uma capacidade de comunicação invulgar. Pude constatar isto no seio familiar mas também no comércio, no turismo, no lazer, na rua. Muitas conversas se apresentaram como estimulantes, vivas, e plurilinguísticas.
4. Claro que se falava de Ben Ali. Discretamente, ou seja, em círculos pequenos e próximos. Uma vez no aeroporto, o taxista, conhecido da família, disse-me para eu não falar do presidente ali, quando eu me preparava para dizer algo menos abonatório sobre tal figura. Claramente havia noção de que falar em público não era permitido, possível. Estavam fartos do presidente. Fartos. Fotografias penduradas por todo o lado, eram alvo de anedotas, por exemplo, porque os tunisinos conseguiam incrivelmente manter o humor no meio da repressão e da falta de condições de vida. A mulher do presidente era também alvo de inúmeras piadas, para além do próprio. O povo tunisino parecia resignar-se assim, rindo um pouco, pois eram (e são) calmos e pacificos. Digamos que Ben Ali se aguentou mais tempo no poder por ter optado por uma via anti-terrorista, anti-islâmica. O ocidente apoiou-o claramente por causa disso. E nós, turistas, estrangeiros, sentíamo-nos seguríssimos. Sempre me desloquei na mais absoluta tranquillidade e segurança. De qualquer forma o zelo anti-islamitas foi tão exagerado que ultimamante as mulheres tinham voltado a usar o lenço, por vontade própria, para desafiar o presidente e a sua repressão religiosa e das liberdades individuais.
5. Tem de haver algum esclarecimento sobre o papel das mulheres na Tunísia, porque me parece que alguns turistas confundem as coisas. Nas zonas turísticas viam-se mulheres de lenço e algumas de véu, mas eram sobretudo as turistas vindas do Golfo Pérsico. No geral, as tunisinas de lenço eram sobretudo mulheres idosas e/ou de zonas mais pequenas. Isto até, como disse, as mulheres optarem pelo lenço para mostrar o seu descontentamento e ultimamente, sim, viam-se muitas jovens usarem-no. Mas de livre vontade. A mulher tunisina goza dos mesmos direitos do homem, praticamente. Estudam, trabalham, têm profissões tradicionalmente mais masculinas, enfim, têm feito uma evolução algo serena a esse nível. Não nos podemos esquecer que em Portugal também essa igualdade só começou a ser consagrada a partir do 25 de Abril. Há pouco tempo, portanto. É preciso dar tempo aos países árabes e outros, a sua história ainda está a construir-se. Esta importância da mulher na sociedade tunisina era, de resto, apregoada pela primeira-dama. Esse mérito terá ela tido, assim como o primeiro presidente, o revolucionário Bourguiba, e o seu próprio marido.
6. De facto, somos muito céleres a criticar tudo o que é árabe, pois facilmente confundimos (a sua) cultura com (a sua) religião. A Tunísia trata-se de um estado laico e monogâmico. São muçulmanos, claro, mas porque não haveriam de o ser? A geografia e a história explicam-no. E isso serve para todas as religiões. Ter direito às liberdades individuais, incluindo as de culto, é obviamente apanágio das sociedades de direito. Fanatismo e terrorismo são outra história e não cabem aqui neste texto. Podemos não apreciar algumas tradições que ainda persistem, eu aliás não gosto de tradições em lado nenhum e ponto final. Mas estão enraizadas culturalmente nos países e há que respeitar, pelo menos, e esperar que evoluam. A Tunísia foi o primeiro país árabe a abolir a escravatura. O primeiro a instituir uma constituição. O primeiro a abolir a poligamia. O primeiro a legalizar o aborto. Marcos importantes, sem dúvida, altamente significativos. Estão virados para o progresso e defraudar esse processo é que também ditou a queda do ditador. Sem condições económicas e muita pobreza, não há desejo de progresso que aguente.
7. Porque a Tunísia é pobre. As pessoas vivem com muitas dificuldades, muitos edificios estão muito degradados, as ruas carecem de alcatrão e de limpeza, as pessoas têm um ar sofrido e de quem não está habituado a mordomias. Claro que há riqueza, mas concentrada em poucos. E claro que há absoluta limpeza mas nas zonas turísticas. E há glamour e beleza, também mais nas zonas destinadas so turismo. A zona de Hammamet Sul (Yasmine Hammamet), por exemplo, é de sonho, um paraíso de palmeiras, tranquilidade e mar azul. Lojas de um exotismo inebriante, avenidas sumptuosas, bares e esplanadas maravilhosos, hotéis de completo luxo, enfim local das mil uma noites a deliciarem os nossos sentidos. Mas essa Tunísia que obviamente se adora tem de se estender mais democraticamente ao resto das cidades e das populações.
8. Pela razão que o povo merece-o. São, na sua generalidade, das pessoas mais tranquilas e educadas que conheci. Sempre com um respeito imenso, somos tratados como raínhas e reis, pois a alma tunisina é gentil e galanteadora, cavalheiresca e aberta. Lembro-me de cada vez que me venho embora de ficar emocionada, verdadeiramente, pois as pessoas conquistam-nos com a sua afabilidade e trato. Por eles, estou muito contente com a revolução de jasmim. Muito mesmo. Que conquistem a liberdade por que há muito anseiam, que desenvolvam o país rumo ao progresso (embora este também seja discutível), que sejam donos de si próprios, que façam florescer a sua nação. Que o cheiro da sua flor mais emblemática inebrie esta e as gerações futuras.

janeiro 07, 2011

Tratado da felicidade profissional



Aqui há tempos pude assistir a um interessante programa de televisão de carácter sociológico, tipo de programa que está, de resto, entre os meus preferidos no que diz respeito à informação.
Debruçava-se a análise feita no programa em questão sobre a falta de poder de decisão ou de opinião no mundo do trabalho de hoje por parte dos trabalhadores e funcionários, ou seja, de como a falta de participação afectiva ou psicológica por parte de quem executa tem tornado drasticamente as pessoas cada vez mais infelizes.
Assim é, de facto. Nas sociedades ocidentais e/ou desenvolvidas, com o acesso a bens materiais como nunca houve antes, partir-se-ia do princípio que as pessoas satisfariam os seus desejos e sonhos bem mais facilmente. Acontece que aumentam, de forma brutal e sintomática, o aumento dos comprimidos anti-depressão, num crescendo de anti-felicidade, anti-serenidade e anti-bem-estar preocupantes e galopantes. Na verdade, o que os sociólogos e psicólogos concluiram é que as frustrações do trabalho, aliadas às exigências com pouquíssimas compensações, muito têm contribuido para estes desiquilíbrios.
Dizem os entendidos que as pessoas, na sua esmagadora maior parte, estão infelizes com o modo como trabalham. Independentemente da profissão, há, de facto, e no geral, um cumprir rotineiro e estéril, sem que os que trabalham tenham hipóteses de emitir sugestões ou ideias que lhes digam directamente respeito. Ou seja, escolhem pouco, muito pouco. As coisas são-lhes apresentadas, sem que eles possam opinar, dizer o que sentem, criar, ousar, recusar, argumentar, em ultima instância, ser livres e, dessa forma, mais felizes. Diziam nesse programa os peritos que às vezes bastava opinar ou ter a hipótese de escolher uma coisa bem simples, pequena, mas que fizesse o trabalhador sentir que o que ele pensa é importante para a empresa, ou que está a ser dono de si próprio ou/e que pudesse torná-lo mais estimulado e dessa forma mais produtivo.
Penso não haver dúvidas quando se diz que pessoas motivadas produzem mais e mais eficazmente. E também absolutamente concordo em dizer-se que é um erro não se fomentar a felicidade no trabalho. Como  não? Porque dizem alguns que não estamos "aqui" para ser felizes? Por acaso as pessoas são robots? Não sentem? Que ideia disparatada... A realização profissional é fundamental para o equilíbrio do indivíduo, independentemente do lugar e da prioridade que ocupa na vida de cada um. E ela passará por um sentimento de satisfação em produzir, que invariavelmente brotará da possibilidade de opinar sobre aspectos da organização laboral, sobretudo aqueles que nos dizem directamente respeito.
 Desta forma, estão de parabéns aqueles que, nas chefias, tentam valorizar o lado humano de cada um, tentando ir ao encontro das necessidades e desejos dos seus trabalhadores, funcionários e afins. Em mega empresas, não será fácil mas não devem desistir. Saber que motivam as pessoas acarreta saber que irão colher melhores resultados, certamente.
Quanto a nós, os executantes, e para lá do mundo do trabalho, quanto mais felizes estivermos mais sã construiremos a sociedade e mais contagiantemente sadia se tornará a nossa passagem por aqui.