Ter memória é, à partida, uma coisa boa. A memória coletiva reconhece um passado histórico, um património cultural, uma herança de conhecimentos e saberes que muitos caminhos desbravaram e muitas portas nos abriram para sermos o que somos hoje. Até aqui tudo certo. A memória individual, feita de afetos e gratidões também, sob pena de esquecermos quem amamos e nos fez bem, num esquecimento injusto e imeritório de gente que povoou os nossos dias e lhes deu sentido maior.
Mas não sou apologista, de uma maneira geral do passadista `recordar é viver`. Ou pelo menos do que lhe está associado, do remexer no passado amiúde como forma de sobrevivência, de alavanca de vida. Veio-me este pensamento recorrente mais uma vez à memória quando lia um post no "Fio de Prumo". Na verdade, costumo viver bem mais no futuro, e não gosto de me rodear de memórias individuais que já passaram, que arrumei e esqueci. Tenho uma memória altamente seletiva, naturalmente seletiva, acrescente-se, e não me prendo ao que poderia ter sido, ao que era e ao que foi. Gosto de evocar tempos bons, no geral, nomeadamente os de infância por causa de tempos inocentes e simples que foram, como contraposição aos corridos e tecnológicos atuais, mas pouco mais do que isso. Quantos aos afetos que se foram tiveram o seu lugar e o seu tempo, não lhes dedico mais do que isso mesmo, a não ser se roubados por razões trágicas, o que na maioria dos casos não aconteceu, felizmente.
Por isso me faz sempre muita confusão quem me vem remoer o meu passado, cavando coisas que já enterrei, às vezes tão pequenas, outras até de menos boa lembrança, como uma doença ou um problema de outra ordem, sem pedirem a mínima autorização para isso. Atiram-nos sem mais nem menos temas esquecidos, resolvidos, dos quais aprendemos a lição ou sofremos com eles, em alturas alegres, em qualquer ocasião. Deviam essas pessoas pagar um imposto por isso. Por nos fazerem lembrar coisas que não queremos porque já não nos interessam. Porque sobretudo são ou foram nossas. Mesmo as coisas que podemos dizer boas ou melhores. Lembras-te de...? E ficavam horas a falar disto, se não cortasse logo com a minha desmoriada impaciência para pormenores que já não habitam as minhas cogitações. As pessoas que todas as memórias armazenam. Não faço parte delas, não sou baú nem repositório de histórias passadas sobretudo pequenas e triviais nem descrições de espécie alguma da vida real. Vivo espontaneamente no presente e gosto de me movimentar no futuro onde ainda pouca gente está pois não é local de certezas nem de passos seguros. Mas lá é onde de forma fascinante me delicio a passar os dias como quero.
Gosto de viagens ao passado em filmes de época e da história porque sem esse património o nosso lugar na modernidade não pode ser entendível. Mas não me façam cair em demasiadas recordações pessoais. Não sou "passadista" (sic HSC) e já o disse várias vezes, nem sequer gosto de antiguidades e visitas a sótãos cheios de mofo são o mais completo atrofio. Ar, arejar, estão a ver. E olhar em frente. São os verbos que não rimando com viver lhe fornecem o estimulante impulso de que absolutamente necessita. De que o meu viver necessita.
Seja. Mas se tratamos mal a memória, é pouco provável que o futuro nos trate bem.
ResponderEliminar:)
Digamos que memória coletiva é uma coisa e recordações - palavra de que nem gosto muito - é outra.:)Sobretudo as pessoais e sobretudo as que não interessam.
ResponderEliminarEu partilho!!!! "Viver" no passado não é bom! O presente deve ser vivido com toda uma ânsia do futuro... Como alguém disse: passado é passado, logo, já passou! Os que se agarram ao que foi têm medo do que é e do que será... Bom fds! Bj amiga Lília
ResponderEliminarBrilhante! Transmites por palavaras tão bem aquilo que sinto! Parabéns Amiga:) Gracinda Figueiredo
ResponderEliminarCada coisa serve o seu fim, mais que isso é demais. Brilhante. Luísa Alc.
ResponderEliminarO texto está muito bem escrito, sem qualquer reticência.
ResponderEliminarPorém, vê-se que foi escrito por uma jovem, com conta-corrente potenciadora de futuro, mais a haver do que a dever, mais por vir do que ido.
Já cá não estarei quando a autora mudar de opinião. Apesar de tudo, espero, de preferência, o seguinte: que ela nunca mude de opinião e que eu a veja não mudar... :)
joao de miranda m.
Também acho que não devemos viver agarrados ao passado. Para a frente é que é o caminho! Mas gosto, com certeza, de recordar bons momentos do passado! Porque as memórias fazem parte da nossa essência. Porém, compreendi o teu ponto de vista, no sentido em que há pessoas que gostam de recuar e fazer-nos relembrar momentos que não temos interesse de recordar ou reviver.
ResponderEliminarAcho muito bom ter uma memória seletiva (quem me dera!) e poder apagar o que não interessa ou é irrelevante. Infelizmente, a minha mente não funciona assim. Mas não quero agora entrar em detalhes neuropsicológicos. É muito maçador e não possuo qualquer "expertise" na matéria... Marla
Lília, Gracinda e Luísa, não vivo nada para o dia de ontem, nem sequer o lembro e sou virada para a frente. :)E faz-me confusão quem remexe no que foi sobretudo se isso foi meu e se já não estou interessada, como é o costume:) Beijinhos
ResponderEliminarJoão, não creio que tenha a ver em absoluto com a idade. A Helena Sacadura Cabral é mais velha do que tu e também partilha esse traço de caráter - ou eu partilho o dela, que é bom salvaguardar as distâncias. :) Espero ser bem velhinha e continuar a projetar-me par o dia de amanhã, embora perceba o que queres dizer. Não falo de memórias desse tipo, falo de apagar as recordações, o que faço com extrema facilidade e naturalmente. Isto serve como resposta a ti, Marla. Também gosto de recordar coisas boas como viagens, por exemplo, mas alguém terá de fazer certamente o relato. Tenho pouco de storyteller... :) Obrigada pela leitura.
ResponderEliminarIdade? Também não concordo. Para mim o passado foi. Não quero voltar atrás, não quero que me arrastem para trás. Não sou do passado, sou mais do presente a lançar para o futuro. o que é já foi, nenhum rio passa duas vezes por baixo da ponte. Gosto da memória das coisas úteis, não da memória do "antes é que era bom". Não é por dizermos que 2004 foi o último ano em que os portugueses foram felizes que queremos voltar para trás, não é ´Fatma?
ResponderEliminarSagi
:) Fomos, fomos mas sempre podemos voltar a ser, afinal não ganhamos o campeonato e podemos ganhá-lo este ano:) Hoje correu bem, só faltam três jogos, os subsídios voltarem e um cem números de coisas::))
ResponderEliminar