junho 02, 2012

Eu sei que vou te amar



Por altura do 11 de setembro o mundo ficava chocado com o ataque terrorista mais hediondo da história. Mas teria sido porque foi de facto o mais chocante, o mais espetacular, quase hollywoodesco (anos antes Schwarzzenegger havia feito um filme com uma cena semelhante, a pilotar)  ou o mais mediático, porque perpetrado numa cidade de inúmeras referências culturais para o "ocidente"?  Não tenho quase dúvidas que a resposta do subconsciente é a segunda. Ou seja, o mesmo se tivesse passado a "oriente" e o choque e o impacto não teriam sido os mesmos - não teria sido o evento "que mudou o mundo", epíteto que revela bem a importância que detém a nação dos EUA, a cidade de Nova Iorque, Manhattan na cultura que predomina no mundo, se visto deste lado. Convenhamos que o poderio económico, e daí  político, mediático, cultural de uns países é bem maior e portanto mais válido do que o de outros. Morrer ou poder morrer um americano e isso estar nos jornais e na TV é mais sério e precioso do que um afegão ou até, é verdade, um português. Foi dito por outros, é aqui repetido por mim.
Porque é que ficamos tão perturbados com as imagens de Nova Iorque? Para lá do horror por si só? Porque desde sempre nos habituamos a ver esta cidade através de variadíssimas referências como a música, a literatura, a pintura, e sobretudo o cinema. O nosso imaginário coletivo está repleto de imagens desta metrópole e, desta forma, não há como não amá-la. Temos nós a mesma relação com outras cidades  mundiais? Porventura ainda mais populosas e onde a tragédia seria ainda maior? Onde quero chegar? Bem, pretendo tão somente dizer que a nossa reação a um acontecimento funesto depende do grau de envolvimento emocional com uma cidade, neste caso, mesmo se até sejamos críticos para com a nação e as suas políticas. E que essa proximidade decorre dos laços que nos vão estimulando através da cultura e dos media, essencialmente. E que estes, consciente ou inconscientemente,  são sectários e que contribuem para a divisão e para a intolerância. 
Gosto de Hollywood - parte dela - mas nunca me foi dada a oportunidade de gostar de mais para além dela. Há uma brutal indústria cinematográfica na Índia - porque não cresci eu com Bollywood também? Há uma enorme indústria de cinema no Cairo - porque não fomos nós habituados a ver filmes em árabe desde cedo? Quantos problemas "civilizacionais"(e como detesto este conceito) não poderiam ter sido ou ser atenuados com o conhecimento? O medo e a ignorância são os inimigos da aceitação e da compreensão. Porque razão tenho que só olhar sectariamente para este lado - Nova Iorque, Paris e Londres? Porque não conhecer desde sempre Mumbai, Cairo e Teerão? Porque tem o meu conhecimento (e o "deles", do outro lado, a assim ser) de ser redutor e segregador? Os media têm de facto provocado muitos ódios e guerras - ou pelo menos não os têm amenizado - em tempos que deviam ser de mais abertura e universalidade.
A aldeia global não pode ser apenas tecnológica, ela tem de instalar-se definitivamente a nível do intelecto. E as referências culturais podem ser e são um excelente caminho. Mostrem-nos o que está lá, bombardeiem-nos com imagens de vida que não sejam só bombas e horror do outro lado, inundem-nos também com a diferente cultura dos outros. Façam-nos, por favor, amar outras cidades. Façam-nos amar muitas mais cidades. 

4 comentários:

  1. Lembrei-me de Roma e da sua Cinecittà, por onde passaram (depois dos anos 50) os grandes mestres do cinema.

    Quanto ao horror, o "duplo padrao" há muito que dita regras e o que acontece, é bom ou mau consoante o lugar onde...

    bfs
    :)

    ResponderEliminar
  2. A mítica Cinecittà!:) Mas está do lado de cá:), apesar de tudo.
    Quanto ao resto, o duplo padrão passa por muito do que explano aqui: habituem-nos desde cedo a ver os dois lados e as divisões e o que elas implicam não serão assim tão gritantes.

    ResponderEliminar
  3. Como bem dizes, a indústria cinematográfica de Hollywood monopoliza as audiências mundiais. Tal como um polvo apodera-se das audiências mundiais, impossibilitando as outras grandes (Índia, Egipto,...) e pequenas indústrias da 7ª arte de conquistar um lugar no coração dos cinéfilos e audiências, de forma geral, que transpõem, de forma ténue, as fronteiras nacionais.
    Cabe a cada um de nós procurar também libertar-se desse monopólio hollywoodesco e descobrir a beleza de outros cinemas, outras realidades(por vezes no cinema independente)...
    Sugiro outro amor, fácil por sinal: o Rio de Janeiro. Como não amar a cidade abençoada pelo sol, pela natureza, pelo samba, pela alegria contagiante? Marla

    ResponderEliminar
  4. Que bom comentário, Marla. Temo é que as massas não se libertem e não conheçam outras realidades. E assim as cabecinhas vão construindo ideias em tudo contrárias à modernidade e visão transversal. Modernos nos hábitos consumistas e mais nada...

    ResponderEliminar