maio 18, 2012

Ato final

                                 
Há algumas semanas aconteceu discordar de uma perspetiva de suicídio como um ato egoísta. Se há ou não pessoas que podem escrever bilhetes a despedir-se da vida ou a indiciar suicídios que depois não chegam a ser concretizados porque tais avisos foram intencionalmente colocados em locais de fácil descoberta e com isso quiseram chamar a atenção em atitudes de chantagem psicológica que se podem apelidar de egoístas já não sei, é bem possível. Agora que o suicídio a sério não pode ser visto como algo feito de ânimo de leve, não pode. E não pode porque ele significa o expoente máximo de algum tipo de sofrimento, ou melhor, do sofrimento psicológico elevado à categoria do insuportável, do não mais comportável. Dizer que as pessoas o fazem por capricho isso, sim, é não pensar nos outros, nos que não estão a viver numa zona de segurança e de alegrias da qual felizmente nós podemos saudavelmente usufruir. Amiúde reparo que há uma grande crueldade para com as patologias do foro mental. Que muita gente se julga acima destas fragilidades que, por vezes, podem surgir de um desnorte inesperado, súbito, que nada nem ninguém fazia prever. Se é certo que há certo tipo de personalidades que podem predispor mais para certo tipo de reações, também certo tipo de educações familiares e percursos de vida, com elementos como sorte à mistura, parecem jogar o seu papel na caminhada mais ou menos equilibrada que vamos por aqui fazendo.
Mas a verdade, e que convinha não esquecer, é que desvios da rota de domínio e de confortos emocionais e outros podem acontecer quando menos se espera. E se outros os têm demasiado cedo, outros poderão vir a tê-los mais tarde. Julgar as quedas é fácil, do alto de quem tudo tem e a quem nada falhou. É logicamente preciso saber levantarmo-nos, seguir em frente, mas é preciso apoio, muitas vezes, quando a força lá dentro não é suficiente por si só. E se ele não chega e a doença se instala está meio caminho feito para a destruição dos sonhos, da esperança, do discernimento. Como era bom ninguém chegar aí. Como era bom que todos resistissem. Como era bom que a vida fosse sempre maior que a morte. Que o alívio da dor nunca passasse pelo ato extremo, louco e ousado de sair de cena, de deixar de ser visto. E como era também bom se ninguém apelidasse de egoísta alguém que por esta altura tudo perdeu. Bom que ninguém olhasse só para as suas forças e se esquecesse da falta de forças dos outros. Que ato trágico, o suicídio. Não o condeno, apenas o lamento, não me sigo segundo a moral judaico-cristã nem qualquer outra parecida. O meu lamento, insisto, reside apenas no profundo e humano desejo que tenho em ver alguém vencer os seus fantasmas e manter-se no palco da vida apesar dos pesares que esta possa ter.

12 comentários:

  1. Um tema demasiado complexo, ligado aos comportamentos da mente e imperscrutável, a não ser para os especialistas.
    Saio pela esquerda baixa antes do pano cair.
    :)

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  2. Complexo e dou-lhe os parabéns, jrd, por ousar comentar, sei que não é para todos:) Mas de qualquer forma, penso que importa é ressalvar o humanismo e não a condenação crua e árida das fraquezas.

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  3. Concordo com a sua análise, Fátima, mas também compreendo que o suicídio como acto explícito de uma vontade assumida seja encarado como um acto de cobardia. Já não aceito é que digam que só a loucura justifica o suicídio, porque isso é desprezar, por completo, quem assume um acto desses.
    Bom fds

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  4. Compreendo que haja quem o pense mas continuo a não ver como cobardes Ernest Hemingway, Marilyn Monroe, Kurt Cobain, Vincent Van Gogh, Sylvia Plath, Getúlio Vargas, Virginia Woolf...

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  5. Assunto bastante complexo. Acho que o suicídio é um acto que revela em simultâneo o puro desespero mas também coragem... Parece contraditório mas não é!
    O desespero de não conseguir encontrar o caminho da vida a coragem de assumir que acabou.

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  6. É um ato de louco e corajoso desespero, sim. Só pensar que de repente tudo se apaga... céus... não é fácil. Contraditório estado onde a saúde mora longe, sim.

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  7. É acima tudo um acto de desesperança total para quem a morte parece melhor que o tormento da vida e resultado de uma depressão, dizem os especialistas. Quem sou eu para o classificar de cobardia ou heroísmo? Demasiado moralista para mim.

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  8. Bem visto, Leonor - quem somos nós para o julgar?
    Beijinhos e obrigada por teres passado por cá.

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  9. A meu ver é um acto de solidão e liberdade. Cada um pode escolher não viver, ou devia poder. Num país onde é legal não deixar nascer, porque se condena quem não quer, não pode ou não consegue viver mais? Quem se suicida não o faz de ânimo leve, ninguém deve falar disso de ânimo leve.
    Sagi

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  10. Absolutamente de acordo que não pode ser visto nem perspetivado de ânimo leve, Sara.

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  11. De facto, há quem afirme que o suicídio é uma solução permanente para um problema temporário. Mas quem somos nós para avaliar o suicídio e rotulá-lo de leviano? Marla

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  12. A mim custa-me o julgamento em praça pública e a superioridade moral(ista) de quem nunca sabe o amanhã.

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