janeiro 03, 2012

Vai onde te leva o inglês


Já há algum tempo mas não muito, numa das raras vezes em que me encontro em casa pelo fim da manhã à semana, pude entrever, para meu terror, um bocadinho do inenarrável programa da tvi que ocupa esse espaço matinal.
O horror tomou-me de assalto numa rubrica que penso que tinha a ver com qualquer coisa relacionada com os cromos de Portugal e, à partida, seria para ter piada, portanto. Mas ele há cromos e cromos. Estava no friso arranjado para o efeito o Nuno Markl, cuja intervenção perdi, uma aspirante a estrela decadente, Arlinda Mestre, penso que o famoso playboy algarvio, e aquela figura que não vou definir aqui chamada Tino de Rãs. Foi este que, infelizmente, pude ainda ouvir e foi aí que se deu a grande exasperação.
Dizia o grande cromo, de acordo com o alinhamento daquela espécie de talk-show, não sou eu que o digo, pois, e a propósito de não sei o quê, repito que apanhei o infeliz programa assim para o meio ou para o fim, não continuei a ver, claro, dizia ele que não queria e nunca quis aprender inglês, nem nenhuma outra língua estrangeira já agora, porque não tinha nada que falar uma língua que não é a dele e que não "lhes" dava esse gosto. E acrescentava, convicto das suas grandes ideias, que os ingleses também não falavam o português e que ele não tinha obrigação nenhuma de falar a deles. Que não eram mais importantes do que os outros, etc, etc, nem adianta reproduzir muito mais. Mas, é possível que em pleno século XXI ainda haja quem pense assim? Claro que é. Há e pronto.
Infelizmente, também eu tenho encontrado alunos, ao longo destes anos, que revelaram ter exatamente a mesma opinião. Em vez de verem o domínio de uma língua estrangeira, neste caso o inglês, cuja importância global é inegável e tem sido crescente, como um instrumento preciso e precioso para a comunicação e troca de saberes a nível mundial, não - colocam a sua aprendizagem como contrária aos seus desejos e, mais e pior, como atitude servil perante os nativos de sua majestade. Ora, o inglês não é de Inglaterra, Grã Bretanha, Reino Unido e demais Ilhas Britânicas, nem sequer dos E.U.A. Neste momento, pertence a quem o fala, nos quatro cantos do mundo, e permite muito mais do que exportar modelos culturais em que porventura não estejamos interessados. Permite que as pessoas viajem, aprendam, evoluam, troquem experiências, promovam a sua identidade, apresentem ideias, saibam mais e estejam mais atualizadas. Permite isto tudo e muito mais. Nos jantares a que ocasionalmente vou e que englobam pessoas de nacionalidades várias, cheguei a contar 20, a ponte é invariavelmente feita em inglês. O francês aparece, sim, alguns dos países envolvidos são francófonos, (mas) em mini círculos.
Não é entendível que alunos que estejam a estudar uma língua estrangeira a vejam como uma forma de tortura e imposição de uma outra cultura sobre a sua e não como passaporte para muitas possibilidades. Digo-lhes sempre que falar uma língua estrangeira é um privilégio, e que não se atraiçoa a língua materna por o fazermos. Quem aprende português, por esse mundo fora, dá-me uma grande alegria e não está a trair a sua identidade cultural por fazê-lo. Pessoalmente gostaria de me expressar e compreender (em) mais línguas, o meu francês ficou-se pelos conhecimentos de liceu e embora fale não entendo a pronúncia  forte, a rapidez e os vocábulos novos, a gíria, o calão. E não se presta vassalagem a ninguém por causa disso, apenas se abrem muito mais portas, em vários domínios.
Os nacionalismos exacerbados, que denotam muita falta de abertura e ausência de fraternidade intercultural, só podem conduzir a comportamentos fechados e intolerantes. Este tipo de comentários, tacanhos e incompreensíveis nos dias de hoje, são ecos de uma mentalidade que recusa a comunicação, o diálogo, o espirito universalista. São pobres, profundamente pobres. Nestas alturas, acabo a explicar aos alunos que sofrem desta patologia que se o inglês se impôs foi porque países com grande poderio económico, político, cultural e outros o conseguiram, aparte as tendências de politizar a geografia e a cultura. É um facto, a história faz-se e não adianta fazer considerações para além disso. Está aí para ficar, é útil, é necessário e é salutar falar mais do que a nossa língua. Se todos falassem mais do que a própria língua, haveria mais tolerância e compreensão. Porque muitos dos problemas entre os povos advêm da incomunicabilidade, do desconhecimento, da ignorância que temos em relação aos outros.
Pude, uma vez, passar para além da porta no cockpit de um avião turco, a sobrevoar a Sardenha, sentar-me ao lado do piloto, pegar no microfone e falar para os passageiros porque a tripulação se apercebeu de que que falava inglês. Esta pequena história diz bem que podemos viver aventuras e coisas boas se conseguirmos comunicar. Recorro, pois, a esta história para dizer aos alunos que falar inglês, neste caso, repito, pode abrir muitas possibilidades. Mesmo se for por uns breves minutos, a bordo e a não sei quantos mil pés.

3 comentários:

  1. Num mundo cada vez mais globalizado, é inconcebível a existência de mentalidades tacanhas que evitam e/ou desprezam outras línguas e culturas. Quem aprende línguas estrangeiras, abre uma janela para o mundo, para a diversidade, para o outro! As línguas não são o futuro, já fazem parte da nossa realidade, quer a nível profissional, quer a nível pessoal! Repudiar a importância das línguas é virar as costas à comunicação, tão essencial à vida em sociedade. Marla

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  2. É tudo uma questão de abertura ao mundo e de comunicação. Quem não vê a importância da aprendizagem das línguas para alargar horizontes deve andar muito a leste do paraíso! Tenho imensa pena de não saber muito mais inglês...mas nunca é tarde para aprender mais e melhor! Gi

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  3. Fico aterrada com este tipo de pensamento...tão primário e tão fora do tempo. Pois aquele que sabe, é mais rico. Falar línguas significa enriquecimento. Tão somente.

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