dezembro 10, 2011

Rebeldias


Se há coisa que gera consensos é a cozinha. Falar-se de religião, de política, de filosofia, de literatura, de cinema até, de futebol, de cultura e tantas outras coisas mais, que implicam formas de pensamento mais organizadas e ao mesmo tempo podem levantar, algumas delas, mais paixões pessoais, é, de facto, bem mais problemático. E, assim, muitas  pessoas coíbem-se mais de emitir opiniões. A cozinha, a gastronomia, pelo contrário, e o culto da mesa e da (boa) comida são, definitivamente, uma área de segurança. As pessoas exultam perante o cheirinho de um belo assado, o sabor de uma sobremesa deliciosa, a frescura de uma bebida de verão. E nunca se zangam, nunca discutem, nunca se dividem. Mesmo se os gostos não coincidirem perfeitamente, não faz mal - o gosto está lá, sobretudo aquele que passa pela cozinha ( a parte da casa de que menos gosto) e pela arte de deliciar através dos aromas a saber bem.
Primeiro é uma necessidade básica, e depois é um um aspeto de identidade cultural, uma tradição, um conhecimento que é passado de geração em geração, não invalidando que surjam novas abordagens, novas propostas, novas receitas. Há um campo de infinita criatividade que pode ser cultivado. E quem cozinha, é sempre elogiado ( e está certo que o seja). Quem não saliva perante bons e belos pratos? Ainda por cima, não é uma atividade intelectual, por isso pode reconhecer-se o talento gastronómico à vontade, especialmente se se for mulher. A fada do lar e a boa cozinheira são sempre e ainda, quer-me parecer, mais apetecíveis ou populares do que as que fogem da cozinha ( e dos bordados e do ponto cruz e outras cruzes). Pois a cozinha reconforta-nos, alimenta-nos, aguça-nos o apetite. Outros talentos já nos incomodam mais ou deixam-nos sem palavras, não somos capazes de os reconhecer verbalmente. Daí que seja notoriamente mais fácil ser-se visitado, em sentido conotativo, quando se oferecem bolinhos ou bacalhau cozinhado de mil maneiras.
Não que eu tenha nada contra os bolinhos. Sou até bastante, por demais apreciadora de tudo o que é doce em termos de sabor, não resisto a sobremesas, adoro a nova cozinha em que o prato parece vazio - sim, a estética gourmet deixa-me de água na boca, enquanto um prato ao estilo rancho me dá azia. Adoro restaurantes (mas não me convidem para jantar na cozinha, se já fujo da minha, imagine-se o que sinto na dos outros), petiscos e roteiros gastronómicos. Portanto gosto de apreciar e degustar iguarias e de que maneira. (Não gosto de culinária, claro. E a visão da cozinha não é nem será para mim erótica, e muito menos o frigorífico, ao estilo das nove semanas e mais meia. Tal eletrodoméstico só me gela a temperatura. E, já agora, o fogão? Outro não, é um tipo de fogo que me põe a milhas.)
O que eu quererei dizer com isto tudo é que a cozinha - quer como arte quer como espaço - faz parte do imaginário e das fantasias de muitos, e que é fácil haver, assim, manisfestações de júbilo por qualquer coisa que cheire a confeção - sejam livros, sejam posts, sejam programas, sejam workshops, sejam lá o que for. E está isto muito e muito bem. Está na moda e trata-se de um entusiasmo do qual, também eu, posso beneficiar muito, se sentada para jantar. Mas, e perdão por ser assim, se a ler ou a tirar algum tipo de realização pessoal,  sabe-me a pouco. Trata-se de um gosto que, por defeito de fabrico, falta de pachorra ou algo parecido, não passa por além do paladar. Sempre fiquei a conversar com a ala masculina em reuniões de família e outras, enjoam-me as conversas de receitas.
Obviamente que, e infelizmente, não sirvo (para) bolinhos.

4 comentários:

  1. Eu tendo a ter jeito para a cozainha mas só me apanham muito tempo na minha se estiver a lareira acesa e eu muita papelada para fazer. Gosto de cozinhas às vezes, em ocasiões ou para pessoas especiais, particularmente quando posso dar asas à criatividade.
    Fatinha, eu gosto muito de visitar-te, mesmo sem os dotes culinários- tens outros mais interessantes.
    Sara

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  2. Obrigada, Sara eu sei que sim. Eu adoro receber e em grande e tb faço doces para as ocasiões especiais, se tiver tempo, claro. Cozinhar, faço-o por obrigação,se falarmos numa base diária. Mas não é assunto que me interesse, realmente não. :)Fazer (provar e comer lol) mas não mais do que isso! Bjinhos doces

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  3. Concordo, está definitivamente na moda e tudo o que é de mais cansa. Eu gosto de cozinhar, muito aliás, mas não numa base diária. De vez em quando, mas muito de vez em quando, escrevo sobre isso. Mas olha, se não tens jeito, podes sempre comer dos meus bolinhos e cozinhados:)

    PS - Posso tratar-te por tu?

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  4. Claro, Leonor fico mt contente:) farei o mesmo, então:)
    Pois,o que eu quis dizer é o seguinte: vejo textos tão interessantes escritos por mulheres e às vezes não aparece um unico comentário (nos blogues que visito, nomeadamente); quando as pessoas falam de cozinha toda a gente comenta (mulheres, essencialmente é verdade:)). Gosto de comer, coisas boas e doces, e acho tudo uma delícia mas gostaria que as mulheres se pronunciassem sobre mais coisas do que a culinária! Há vida para além da cozinha! :) Bjinhos

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